“A Câmara de Santarém não tem poder de decisão no CNEMA”
Nuno Russo é um dos vereadores socialistas da Câmara de Santarém que tem funções executivas no âmbito do acordo de governação firmado com o PSD. Não se exclui de uma futura candidatura à presidência do município e acredita que a aliança com os social--democratas pode durar até final do mandato.
É também membro do conselho de administração do CNEMA e reconhece que o município devia ter mais peso na estrutura accionista e na gestão do parque de exposições. Foi secretário de Estado da Agricultura durante pouco mais de um ano, mas incompatibilidades funcionais com a ministra levaram à sua saída por mútuo acordo. Diz-se mais realizado como autarca do que nas funções de governante.
Como autarca, militante socialista e membro do conselho de administração do CNEMA, o que acha da CAP ter anunciado que não vai convidar membros do Governo para a Feira Nacional de Agricultura (FNA)? Isso é uma opção da CAP. Essas posições normalmente não têm o impacto que se pretende. Preferia muito mais que as pessoas fossem convidadas, fossem à feira e no sítio certo fossem confrontadas com as reivindicações, com as queixas, com as propostas, com tudo aquilo que porventura não esteja bem na agricultura e seja necessário melhorar. Não convidando as pessoas não há esse diálogo, essa possibilidade de trocar ideias, por muito que possa existir noutros locais. Era preferível que a senhora ministra e outros membros do Governo pudessem estar presentes, mas é uma posição da CAP que respeito.
Essa foi uma decisão unilateral da CAP, que é a maior accionista do CNEMA, ou foi partilhada com outros accionistas, nomeadamente a Câmara de Santarém? Foi uma decisão da CAP apresentada à administração do CNEMA.
E não manifestou oposição? Não. Achei que a decisão estava tomada e não vi razão para expressar a minha opinião.
Acha bem que a CAP use o CNEMA e a FNA como arma de arremesso político para as suas lutas corporativas? Deve-se politizar um certame com essas características? O CNEMA tem uma administração e a maioria do capital social é da CAP. A posição que a Câmara de Santarém tem é minoritária…
Mas a câmara tem dois elementos no conselho de administração do CNEMA… É verdade. Mas apesar da FNA ser o grande evento organizado pelo CNEMA, a posição da câmara é sempre minoritária face às posições que são lá tomadas, independentemente de poderem ser discutidas e melhoradas. No que toca a esta situação foi comunicado que a CAP tinha a intenção de tomar esta posição, à semelhança do que tinha feito na Ovibeja, e não houve grande discussão sobre a mesma.
O senhor foi secretário de Estado da Agricultura e é militante socialista. Não ficou desconfortável quando soube dessa posição? Não, porque já estava anunciada mesmo antes do assunto ser apresentado em reunião do conselho de administração do CNEMA.
Há muito que se fala do pouco poder de decisão que a Câmara de Santarém tem na gestão do CNEMA, mesmo sendo a segunda maior accionista do parque de exposições e tendo dois lugares no conselho de administração. Essas opiniões têm fundamento? Sim, julgo que têm fundamento. O presidente Ricardo Gonçalves já o manifestou e referiu. No passado, quando houve aumentos de capital, a Câmara de Santarém poderia ter reforçado a sua posição na sociedade do CNEMA. Isso não aconteceu e a posição em que nos encontramos é de colaboração e de partilha, mas não temos uma posição vincada naquilo que é o destino e a gestão do CNEMA e não temos poder de decisão.
A ligação da população da cidade e do concelho ao CNEMA faz-se sobretudo durante a FNA e pouco mais. Parece muito pouco tendo em conta as potencialidades daquele espaço, que noutros tempos era mais utilizado pela comunidade para lazer e desporto, por exemplo. Em tempos houve outro aproveitamento em relação ao que existe actualmente, que é para realização de eventos. Gostaria que aquele espaço fosse disponibilizado para utilização da população em regras a definir. É um caminho que acho que devemos fazer. Existe lá também um mercado abastecedor, que já esteve melhor. Com base numa proposta que fiz ao CNEMA já reunimos com uma empresa pública que faz o acompanhamento e o estudo dos mercados abastecedores para nos apresentar uma proposta no sentido de saber se há condições de fortalecer aquele mercado. Também se devia verificar se há interesse em revitalizar o mercado de gado que lá existiu. Porque não nos podemos cingir à organização de eventos e temos que encontrar outras formas de receita para o CNEMA.
É daqueles saudosistas que preferia a FNA/Feira do Ribatejo na cidade ou acha que no CNEMA, está melhor? Tenho lembranças da feira cá em cima, da envolvência da população, mas estou ciente que se chegou ao limite das condições para a realização da FNA e da Feira do Ribatejo. No meu entender, foi tomada uma boa decisão de transferir a feira para o CNEMA, oferecendo melhores condições a quem participa e a quem a visita.
O actual modelo da FNA agrada-lhe? A FNA tem evoluído no tempo de acordo com o que tem sido o interesse daqueles que a visitam. Virou-se muito mais para as questões da alimentação e acho que esse deve ser o caminho: mostrar à sociedade que a alimentação que lhes chega ao prato vem de uma agricultura e produção pecuária que devem ser salvaguardadas, defendidas e promovidas. O actual modelo funciona mas há sempre espaço para melhorias e inovações.
A decadência da antiga Estação Zootécnica Nacional devia envergonhar os poderes públicos
Esteve como secretário de Estado da Agricultura pouco mais de um ano e quando saiu do cargo, em Dezembro de 2020, falou-se que tinha sido por incompatibilidades com a ministra Maria do Céu Antunes. Na altura perguntámos-lhe quais as razões para esse desfecho e o senhor não quis comentar dizendo que talvez falasse um dia mais tarde. Pode ser agora? Não. As razões são conhecidas e o que acabou de dizer é verdade.
Foram incompatibilidades políticas, pessoais, funcionais? Foram funcionais. Quando vamos para o exercício dessas funções vamos sempre com vontade de mudar e dar o nosso contributo. Na altura achei que estava na altura certa e no sítio certo para dar esse contributo. Sou quadro do Ministério da Agricultura desde 2001, já exerci diversas funções lá dentro. A sra. ministra precisava de alguém mais técnico do que político, achei que podia dar esse contributo e tentei ao máximo contribuir. Criei um gabinete com capacidade técnica para o fazer mas não resultou. E quando as coisas não resultam há que o assumir, não vale a pena insistir...
Confidenciaram-nos que uma das razões para essa saída teria sido precisamente o seu perfil demasiado técnico e que a ministra quereria alguém com perfil mais político. Isso tem fundamento? Pode ser uma das razões. Mas são várias…
Assume-se mais como técnico do que como político? Claramente, mesmo nas funções de autarca. Mas a minha vertente técnica sempre foi assumida. Gosto de trabalhar tecnicamente sobre os assuntos e julgo que é também por isso que fui convidado para ser secretário de Estado e depois para vereador. Os pelouros que tenho são relacionados com a minha área de experiência, de conhecimento e de trabalho.
Como foi trabalhar com a sua camarada Maria do Céu Antunes? Foi uma relação digamos que leal. Sempre disse que estaria lá para trabalhar na parte técnica, para que ela pudesse brilhar politicamente e apresentar as medidas que fossem necessárias para o desenvolvimento da agricultura.
E acha que ela tem brilhado politicamente? Acho que a sra. ministra está a fazer um trabalho difícil. O Ministério da Agricultura está quase sempre na base da hierarquia do Governo. Por muito que os agricultores e os seus representantes reclamem mais notoriedade e mais reconhecimento para o sector e para o próprio ministério, ele está definitivamente empurrado para o último elo do Governo.
E é um ministério também constantemente debaixo de fogo nomeadamente por parte de organizações de agricultores como a CAP. Raro é o ministro que não é criticado e apodado de incompetente. São visões da agricultura e daquilo que se pretende para o sector. É claro que o ministério tem de impor regras e trabalhar a esse nível e muitas delas podem não agradar aos agricultores. No entanto, é o ministério que tem de tomar decisões, no meu entender em partilha, sempre ouvindo os actores principais do sector.
É um homem de consensos? Completamente. Não faço o meu trabalho sem ouvir as outras pessoas sobre a direcção do meu trabalho e os objectivos a que me proponho. É claro que tenho ideias próprias, mas sempre que posso partilho e procuro ouvir outros contributos.
Mas na política, por vezes, é preciso dar murros na mesa… Sou uma pessoa tranquila, sou uma pessoa muito simples, com objectivos claros e que não faz grandes projectos. As coisas vão-me acontecendo à medida que a vida decorre. Nunca procurei grandes protagonismos, nunca procurei grande reconhecimento, procurei sempre fazer o meu trabalho e ficar de consciência tranquila sempre que saio do desempenho de alguma função de responsabilidade. Sigo um lema que vem dos tempos em que fui escuteiro: pretendo deixar sempre a casa melhor do que estava quando lá entrei. E certamente quando sair daqui deixarei o município, nos pelouros que me foram delegados, em melhor condição do que quando os encontrei.
Como viu a perda de financiamento de mais de cinco milhões de euros de fundos comunitários para criar o Centro de Excelência para a Agricultura na antiga Estação Zootécnica Nacional, no Vale de Santarém? Só acompanhei esse processo já no fim e quase decidido, por muito que tentássemos recuperá-lo e colocá-lo em execução. Não foi possível. Lamento que tenhamos perdido tanto tempo e uma verba considerável para revitalizar aquele espaço.
Enquanto vereador da Câmara de Santarém está a acompanhar o processo? Sim, juntamente com o presidente Ricardo Gonçalves. Já foi tornado público pelo sr. presidente que se pretende fazer outra aposta e eventualmente a opção da Câmara de Santarém será na Escola Superior Agrária de Santarém.
Isso quer dizer que o município deixará de patrocinar financeiramente aquele projecto na antiga Estação Zootécnica Nacional, na Quinta da Fonte Boa? Nós tentámos, não correu bem…
Mas vai haver nova candidatura, aos fundos do PRR. A Câmara de Santarém não está envolvida nesse processo?
Estará certamente, porque terá que ser a câmara a entidade co-financiadora da parte da componente nacional.
Na Fonte Boa? Onde for. Estamos agora a avaliar…
Mas o município também pretende apoiar esse projecto na Escola Agrária, é isso? Um projecto não invalida o outro? Não. A Fonte Boa tem conseguido recolher um conjunto de apoios financeiros comunitários para continuar a revitalização do seu espaço. Tendo essa capacitação financeira por outras vias e a Escola Agrária não a tendo, se calhar temos que olhar também para esta e verificar como é que, através de investimentos que estejam disponíveis, se pode fazer também ali uma requalificação e capacitação daquela escola.
Acredita que esse projecto para a Quinta da Fonte Boa ainda é viável nos moldes inicialmente previstos? Acredito que Santarém, quer na Fonte Boa ou na Escola Superior Agrária, terá um centro de excelência para a valorização da agro-indústria, independentemente do local onde for.
Por falar na antiga Estação Zootécnica Nacional, a degradação e decadência das instalações da Quinta da Fonte Boa não deviam envergonhar os poderes públicos? Acredito que sim. Ainda recentemente lá estive, na abertura de um seminário, e basta entrar pela porta secundária da Fonte Boa para perceber que não tem havido investimento a nível de equipamentos e instalações. O aspecto físico da ex-Estação Zootécnica Nacional deixa muito a desejar e lamento que durante alguns anos não tenha sido possível fazer esse trabalho.
Quando era director regional de Agricultura e o seu camarada Rui Barreiro secretário de Estado do Desenvolvimento Rural falou-se na possibilidade de concentrar os serviços da direcção regional de Agricultura na Quinta da Fonte Boa. Foi outro projecto que se gorou... Mas ressalvo que enquanto Director Regional de Agricultura terei sido o último a investir na requalificação daquele espaço, na altura precisamente com o objectivo muito concreto de transferir para a Fonte Boa a sede e concentrar serviços da Direcção Regional de Agricultura e Pescas. O trabalho ficou a meio e não sei qual é o projecto que hoje existe…
Tem estado envolvido no projecto para dinamizar a Zona de Desenvolvimento Económico (ZDE) de Pernes. Acredita que é desta que aqueles hectares vão ter a ocupação prevista quando foram comprados pelo município há muitos anos? Acredito. Quando assumi funções na Câmara de Santarém, o sr. presidente da Junta de Freguesia de Pernes, Raul Violante, foi mostrar-me a ZDE de Pernes, que eu desconhecia. Sempre defendi a criação de uma zona de desenvolvimento económico agro-industrial e fiz um contacto com o Agrocluster, da qual o município é agora associado, para me apresentar uma proposta para criar ali condições para um projecto desse tipo. Entretanto, passado algum tempo soube também do interesse da EntoGreen em encontrar um local onde se pudesse instalar. Quando lhes foi apresentado o lay-out da ZDE de Pernes mostraram-se interessados e começou a desenvolver-se a ideia de criarem ali uma unidade industrial, caso a candidatura ao PRR fosse aprovada. O projecto já foi aprovado e até final de 2025 as obras têm de estar concluídas. Será um grande desafio e a câmara está a acompanhar todo o processo na parte que lhe compete.
“O PS tem vários nomes que podem ser bons candidatos à Câmara de Santarém”
O seu nome tem sido apontado como possível cabeça-de-lista do PS à Câmara de Santarém em 2025. Está disponível? Não é uma situação que agora considere ou que pense nela. Estamos muito longe das eleições e neste momento não é uma preocupação.
Gostava de ser presidente da Câmara de Santarém? Se me perguntar se tenho vontade, interesse, em ser presidente da Câmara de Santarém, neste momento não. Agora, isso não quer dizer que não possa vir a ser candidato à Câmara de Santarém. Como já disse, não faço projectos de vida, as coisas acontecem à medida que o tempo vai passando. Também não tinha nenhuma perspectiva ou interesse em ser vereador; aconteceu porque aceitei fazer parte de uma lista e, posteriormente, em resultado do acordo pós-eleitoral.
Quando integrou a lista não esperava que o PS pudesse vencer as eleições? Sabia que ia ser uma eleição difícil, em que iríamos ter muito trabalho. Fizemos tudo para ter o melhor resultado possível e estivemos muito perto de ganhar a câmara. Acho que não conseguimos ganhar apenas porque o presidente Ricardo Gonçalves ia para o seu último mandato e é uma pessoa que está há 16 anos na Câmara de Santarém em várias funções…
Sem Ricardo Gonçalves como adversário a vida será menos complicada para o PS nas próximas eleições? Será outro tipo de desafio. Acredito que o que terá feito pender a vitória para o PSD foi a figura e a pessoa de Ricardo Gonçalves.
Sem Ricardo Gonçalves na equação provavelmente em 2025 haverá mais gente a querer ser cabeça-de-lista pelo PS do que em 2021… Espero que sim e acredito que o PS tem vários nomes que podem ser bons candidatos à Câmara de Santarém. Desse leque, só teremos que encontrar a pessoa que entendermos estar em melhores condições para ser um bom candidato, poder ganhar as eleições e, depois, exercer um bom mandato.
Ainda não começaram a falar disso dentro do partido? Aquilo que se discute no partido fica lá dentro, mas é normal que as pessoas tenham opinião sobre possíveis nomes. Há várias hipóteses e várias pessoas. Mas o candidato que for apresentado pelo PS será certamente o melhor para ganhar as eleições.
O candidato poderá vir de fora do concelho? Abro o leque a tudo para podermos encontrar o melhor candidato. Faz-me confusão apenas uma coisa: que seja alguém indicado por terceiros, que não conheça a realidade do concelho e da região; ou que seja alguém de fora da região que caia aqui de pára-quedas só para se ganhar a câmara. A última vez que isso aconteceu correu muito mal para Santarém.
Tem gostado deste modelo de governação a dois, entre PSD e PS, na Câmara de Santarém? Foi a forma que encontrámos para dar estabilidade política à governação da câmara e para criar condições de potenciar tudo aquilo que Santarém tem para poder evoluir e criar qualidade de vida. Tem sido um desafio constante porque, não sendo um caso raro numa autarquia, são poucos os que existem a nível nacional. Cada um tem as suas ideias e forma de trabalhar, mas cada um quer o melhor para a cidade e para o concelho. Temos conseguido melhores resultados do que se não tivéssemos um acordo de governação e estivéssemos em lados opostos.
O acordo tem condições para durar até final do mandato? O acordo foi celebrado para durar todo o mandato, agora depende da evolução do mesmo. Não somos cínicos nem hipócritas para dizer que não haverá uma altura em que poderá haver alguma tentativa de diferenciação entre os dois partidos quanto mais nos aproximarmos das eleições. Mas deixe-me garantir que o acordo está em pleno funcionamento e os vereadores do PS estão totalmente empenhados em fazer o melhor trabalho possível.
Depois do Governo a Câmara de Santarém
Nuno Russo nasceu no dia 17 de Maio de 1976 em Santarém, cidade onde vive com a esposa e as duas filhas. É licenciado e mestre em Zootecnia pela Universidade de Évora. Quadro superior do Ministério da Agricultura, foi director Regional de Agricultura de Lisboa e Vale do Tejo e secretário de Estado da Agricultura no anterior Governo socialista, entre Outubro de 2019 e Dezembro de 2020. Pouco tempo após a sua saída do Governo foi convidado para integrar a lista do PS à Câmara de Santarém, onde ocupou o segundo lugar. Com o acordo de governação entre PSD e PS, em Outubro de 2021, assumiu diversos pelouros e é vereador a tempo inteiro com áreas como os espaços verdes, ambiente, agricultura, mercados e feiras, canil e gatil, higiene e sanidade.
É a sua primeira experiência como autarca com funções executivas depois de ter passado pela Assembleia Municipal de Santarém. Diz que dorme menos agora e assume como o maior desafio das funções o tempo roubado à família. Mas afirma ter mais satisfação como autarca do que em funções governativas. “Aqui consigo ver, num espaço curto de tempo, o resultado do meu trabalho”, vinca. Nuno Russo considera que a experiência autárquica “é relevante” para o exercício de funções num Governo. “Se tivesse ido com esta experiência para secretário de Estado talvez as coisas pudessem ter sido diferentes e podia ter conseguido trabalhar de uma outra maneira”, conclui.