Entrevista | 17-07-2023 18:00

A política é suja e nunca mais volto para lá

A política é suja e nunca mais volto para lá
Paulo Caldas foi presidente da Câmara do Cartaxo entre 2001 e 2011 tendo sido na altura o mais jovem autarca do país

Paulo Caldas passou dez anos pela política como presidente da Câmara do Cartaxo, depois de ter tido o primeiro emprego na banca, e está há 12 anos fora dessa vida tendo saído de militante do PS. Passado tanto tempo afastado ainda há quem fale nele para o bem e para o mal, porque preferiu ser o irreverente e reconhece que foi um autarca polémico.

António Palmeiro e João Calhaz

Quando aos 26 anos de idade é eleito presidente da Câmara do Cartaxo ainda não se notavam os traços de enfant terrible da política. Era o mais jovem autarca do país e vinha da banca onde trabalhou sete anos após se licenciar em economia em 1994. Paulo Alexandre Fernandes Varela Caldas andou dez anos num afã de fazer todas as obras que conseguisse sabendo que não tinha dinheiro para as pagar, mas os bancos estendiam-lhe o tapete que se transformou mais tarde numa casca de banana. Tornou-se um saco de pancada dentro e fora do partido. Quando saiu em 2011, dois anos antes de terminar o mandato, para lançar o seu vice e amigo Paulo Varanda, era o mais polémico autarca do distrito de Santarém e um dos mais irreverentes do país. Não tem vergonha de o assumir. Foi enxovalhado por ter deixado uma das maiores dívidas autárquicas de Portugal.
Passados 12 anos está convicto que se não fosse assim a sua terra não teria passado da cepa torta. Reconhece que podia ter feito melhor algumas coisas como a área arbórea do parque central do Cartaxo. Tem a certeza que não volta à política de onde se despediu ciente da sujidade que se acumula nos partidos. Entregou o cartão de militante do PS e foi seguido pela sua mulher da qual veio a separar-se. Dedicou-se aos estudos académicos, doutorou-se em Economia, na Austrália, e libertou-se dessa forma da vida pública sem arrependimentos. Só se arrepende de não ter sabido gerir bem o tempo para ver a filha mais velha crescer.
Reencontrou-se com a profissão há nove anos no departamento de Economia, Inovação e Financiamento na Associação Industrial Portuguesa, presidida pelo seu conterrâneo José Eduardo Carvalho. Completa-se como professor de Economia e Gestão no Instituto Superior Técnico, no Instituto Superior de Gestão e na University of New England. Continua a viver no Cartaxo, onde também costuma fazer compras, mas diz que não tem tempo para fazer vida social na cidade. A sua maior conquista foi a ligação do concelho à auto-estrada Lisboa-Porto. Paulo Caldas continua a ser aquela pessoa sorridente, ar despreocupado e a sua forma de falar é igual. Esta entrevista não é um ajuste de contas com o passado, mas ajuda a explicar algumas coisas com uma visão distanciada.


Consegue dormir bem com a situação em que deixou a Câmara do Cartaxo ou ainda tem pesadelos? Pesadelos acho que nunca tive. A questão financeira da câmara é recorrente. Procura-se enfatizar a situação das dívidas quando se desvaloriza o trabalho que foi feito durante uma década. Hoje a dívida está acima de 50 milhões, bem maior do que aquela que deixei de 44 milhões de euros. A questão não é a dívida, é a capacidade de pagar. Se formos rigorosos quando saí em 2011 as receitas previstas pagavam a dívida. Aliás estava a ser paga num prazo de sete anos e agora foi alongado para 20 anos.
Está a querer dizer que a dívida que colocou o Cartaxo nos noticiários nacionais era uma falácia? Não! É uma realidade. Mas é também uma forma de desvalorizar a obra que foi deixada que vale três vezes mais que a dívida.
Porque é que fez tanta dívida? O período de 2000 a 2010 era de aproveitamento dos fundos comunitários por parte de todas as instituições. Tínhamos duas hipóteses: ou aproveitávamos os fundos comunitários para conseguir deixar equipamentos sociais, fazer as acessibilidades que faltavam, consolidar áreas empresariais e fazer equipamentos culturais, desportivos e educativos, fundamentais para as oito freguesias ou arrependíamo-nos de não ter feito essas obras.
Está convencido que fez bem… Valeu a pena. O endividamento que foi feito permitiu que existissem investimentos de 120 milhões de euros nas oito freguesias. Quando cheguei à câmara também já havia dívida, que ultrapassava os seis milhões de euros. E havia problemas gravíssimos por resolver. Tentei gerir o melhor possível fazendo o máximo de investimentos possíveis aproveitando os fundos comunitários.
Houve opções discutíveis, como o parque central, o parque de estacionamento subterrâneo… Não digo que não haja decisões que, à luz do que é a evolução do concelho, tenham sido prematuras. Outras surgiram muito antes do tempo. Outras foram demasiado visionárias que a população terá compreendido menos bem. E há outras que hoje faria melhor.
Por exemplo… O parque central. O Cartaxo tem no coração da cidade uma série de equipamentos, tem um centro comunitário único. Só por isso voltava a fazer o parque, mas agora valorizaria mais as zonas arbóreas e a circulação em torno do centro da cidade. São matérias que ficaram incompletas, imperfeitas e podem ser melhoradas. O parque de estacionamento era inevitável. Para termos um centro mais pedonal tínhamos de ter um parque subterrâneo.
A área empresarial do Cartaxo, ValleyPark, foi um falhanço… O grande passo que o Cartaxo deu foi ter acessibilidades como a via rápida de acesso a Aveiras de Cima e o nó de acesso à Auto-Estrada nº 1. O concelho tinha ganhado muito se esses acessos tivessem sido feitos 30 anos antes, à semelhança do que aconteceu no Carregado e Azambuja. A área empresarial justificou o nó e o nó justificou a área empresarial. Em 2008 iniciou-se um período difícil para as empresas que durou anos. Depois surgiram novas áreas empresariais que eram nossas concorrentes. Para o Cartaxo a captação de empresas deve ser a grande prioridade actual.
Como é que se captam empresas que durante mais de uma década não quiseram instalar-se no Cartaxo?
Acredito que os próximos anos vão ser de captação de empresas no ValleyPark, finalmente. Se se conseguir trazer empresas, o Cartaxo tem todas as condições para se distinguir por qualidade de vida, bem-estar…
Como é que justifica que tenha tido vários processos judiciais enquanto autarca? A política é suja! Há políticos que utilizam a justiça para fazer política suja. Mas esses processos ou foram arquivados ou foram a julgamento e fui absolvido. O que mostra que não se pode brincar com a vida das pessoas em questões sérias. Sinto que o Cartaxo passou por um momento conturbado quando estava a exercer as minhas funções. Talvez tenha sido um dos presidentes de câmara do país mais escrutinado de sempre. Toda a minha vida foi revirada.
Foi traído dentro do seu próprio partido? Não vale a pena estar com meias palavras. Na política, isto vale para o PS e para o PSD, grande parte das artimanhas e a junção dessas artimanhas com a justiça são tratadas dentro dos partidos. Por isso digo que a política, que tem nobreza e serviços em prol das pessoas, é muitas vezes suja.

Conde Rodrigues e a forma como se está na vida

Que relação tem com o seu antecessor na câmara e secretário de Estado na sua altura, Conde Rodrigues? Não tenho qualquer relação.
Ele também teve problemas com a justiça, foi condenado por peculato e depois absolvido na Relação. Não gosto de ver políticos ou cidadãos condenados por prática de actos. Considero-me uma boa pessoa e bom pai. Ninguém consciente considera positivo ver alguém a ser condenado.
Isso tem influência na forma como lida com as pessoas ou se aproxima delas? Isso tem a ver com a forma como estamos na vida. Entendo que na vida há um conjunto de pessoas das quais nos aproximamos e mantemos essa proximidade. Há um conjunto de pessoas que passam por nós e se vão afastando.

A primeira derrota do PS no Cartaxo e o abandono da política para sempre

Ficou surpreendido que nas últimas eleições o PS tenha perdido pela primeira vez em 45 anos? Não foi surpresa. A dimensão da mudança talvez me tenha surpreendido. Tudo tem o seu tempo e o seu caminho. Felizmente, desde que saí da câmara que optei pelo silêncio político e pela discrição. O importante é perceber que o Cartaxo tem condições para crescer.
A derrota de Pedro Ribeiro, seu vereador e sucessor, com o qual se incompatibilizou, teve um sabor a vingança? Nunca vi a política como um espaço de guerra ou de vingança. Não senti nem satisfação nem tristeza. Quando larguei a vida política fi-lo consciente e tinha outras coisas para fazer. No meu tempo dei o melhor contributo possível e com visão para aquilo que é o futuro do concelho. A história teve o seu rumo. As pessoas fizeram o seu julgamento. Há que olhar para as coisas de uma forma desprendida.
Foi fácil desligar-se de repente da vida pública? Nunca é fácil. Mas havia uma determinação. Quando larguei as funções tinha como objectivo terminar o meu doutoramento e abraçar a vida académica. Temos de contribuir de outras formas para a vida do país.
Já fez as pazes com Pedro Ribeiro, tenciona fazer ou nunca vai conseguir fazer? Depois de sair da câmara houve dois presidentes, durante dois anos o Paulo Varanda e depois durante oito anos o Pedro Ribeiro. Quando tomei a decisão de me distanciar por completo da política e do partido fi-lo convicto de que não tinha de fazer pazes nem votos de confiança. Mantenho uma relação de amizade com Paulo Varanda, que já existia antes de ele entrar na política.
Sabendo o que sabe hoje tinha convidado Pedro Magalhães Ribeiro para número dois? Quando foi colocado como número dois foi por indicação do partido. Tinha, quando estava de saída, uma pessoa para convidar para se candidatar à presidência da câmara que não era o Pedro Ribeiro, era um independente, era o João Pratas.
Como é que se sentiu por, num ápice, perder toda a influência política? São opções de vida. Continuo a acompanhar a vida política do país e da região. À medida que o tempo passa começo a ser cada vez mais um socialista ao centro. Das figuras políticas do Partido Socialista as duas com as quais mais me identifico são o Sérgio Sousa Pinto e o Francisco Assis.
A Câmara do Cartaxo está mais bem entregue do que há quatro anos? Está entregue a jovens responsáveis. Está entregue às pessoas em quem a população confiou para fazer a mudança. Não faço comparações. Espero que estejam a aproveitar os fundos comunitários o melhor possível. Estarão preocupados com o emprego. Estarão a fazer o seu trabalho.
Os seus colegas autarcas esqueceram-se de si? Nunca me preocupei com as palmadinhas nas costas. Continuo com amigos e conhecidos, uns que continuam no partido, outros que estão fora. Continuo a ter um grupo de pessoas com quem convivo, uns do PS, outros do PSD. Noto que a política hoje está muito mais volátil. No meu tempo havia tempo para degustar, apreciar, para corrigir trajectórias.
Hoje é mais feliz? Hoje sou mais feliz como académico e economista. Voltar à política? Nem pensar! Sinto que fui feliz, dei o meu melhor, o meu contributo. Mas as pessoas também devem perceber o que gostam de fazer na vida.
Portanto também se sente mais livre. Sempre fui livre. Como autarca fui talvez dos mais audaciosos, mais irreverentes. E fui o que mais obra deixei ao Cartaxo.
A vida autárquica tem vindo a perder qualidades? Fui o autarca mais novo entre os mais velhos. Os costados dos grandes autarcas deram-me a oportunidade de aprender. Eram tempos diferentes. Hoje há um controlo muito maior. Hoje seria impossível fazer muitas coisas que se fizeram na altura. Os desafios actuais são de natureza diferente. As obras agora posicionam-se mais no sentido da eficácia da utilização, o que vai ao encontro das questões da utilização dos dinheiros, o que exige dos autarcas outras competências e ambição.

Os impulsos, a candidatura a Santarém e a concessão das águas

Do que é que se arrepende na sua vida? Há coisas que agora faria melhor. Tenho orgulho de ter sido o presidente mais jovem do país, com 26 anos de idade. Tudo tem o seu tempo. O período em que fui autarca foi o que me deu uma satisfação imensa. Acho que na minha vida fiz o que tinha de fazer, umas coisas melhor, outras pior. Talvez me arrependa de não ter sabido gerir melhor o meu tempo para equilibrar mais a minha vida familiar com os desafios autárquicos.
O que é que perdeu?
Perdem-se sempre laços diários, que são importantes de cultivar. A minha ex-mulher foi mãe e pai da minha filha mais velha.
Com quem é que mantém contacto próximo no Cartaxo? Com os presidentes de junta do meu tempo.
E com os actuais presidentes de câmara, é próximo de algum?
Com os de Santarém e de Azambuja.
Quantas decisões tomou por impulso? Tive muitas acções e ideias por impulso, certamente. Mas poucas decisões foram assumidas na sua posição final por impulso. Procuro sempre na minha vida, na académica e na profissional, tomar notas de um conjunto de aspectos prioritários e fundamentais para decidir. Procurava partilhar as decisões mais arriscadas, mais difíceis, com as pessoas que me envolviam politicamente e com a minha família.
O que lhe passou pela cabeça para dizer que podia ser candidato à Câmara de Santarém? Isso fez parte da minha irreverência como autarca. Na altura isso, se calhar, caiu mal em algumas franjas do partido. Em outras não. Havia sondagens e perfis de candidatos e essa possibilidade levantou-se no meu primeiro mandato, em 2005. Mas o que passava pela minha mente é que não podia abandonar os desafios que tinha pela frente no Cartaxo, como o nó de acesso à auto-estrada.
Nessa altura privou com o então presidente de Santarém, Moita Flores. Foi ele que o convenceu a não fazer parte da Águas do Ribatejo? Não! Na altura os investimentos que eram necessários fazer no Cartaxo na rede de saneamento, que tinha 50 anos, só era possível por via de uma concessão a privados. Foram estudadas todas as possibilidades. Foram feitos investimentos importantes e a qualidade da rede melhorou muito.

Contrato de abastecimento de água tem de ser renegociado

Mais tarde as coisas começaram a não correr bem entre a câmara e a empresa. No meu tempo, o que ficou estipulado, para além dos investimentos, foi um pagamento de uma renda à câmara e a integração de 30 trabalhadores da câmara e manter um preço. Isto não é só levar “porrada” pelas decisões que tomamos, há que compreender racionalmente a razão das mesmas. A população do Cartaxo paga água a valores mais baixos que vários municípios da Lezíria.
Alguns autarcas queixaram-se que era um contrato leonino para a empresa no que toca à actualização do tarifário. Na altura fui muito claro que enquanto os investimentos contratados não estivessem concluídos eles não podiam mexer nos tarifários. A empresa tem que recuperar o investimento que fez. O tarifário vai ter que ser revisto mais cedo ou mais tarde. É inevitável. O que acho que vai acontecer é uma renegociação do contrato de concessão, que já podia ter sido feita há oito anos. Quanto mais tempo passar pior.

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