Entrevista | 25-07-2023 15:00

Santarém tem problemas que se arrastam no tempo e são incompreensíveis

Santarém tem problemas que se arrastam no tempo e são incompreensíveis
Pedro Melo encabeçou a lista do CDS/ PP à Assembleia Municipal de Santarém nas últimas eleições autárquicas e foi eleito, sendo um dos poucos autarcas do partido no concelho

Pedro Melo, 51 anos, é o único eleito do CDS na Assembleia Municipal de Santarém. Vive a sua primeira experiência autárquica na terra onde passou a infância mas tem uma longa ligação ao partido.

Era vice-presidente da direcção nacional quando o CDS perdeu a representação no Parlamento nas últimas legislativas. Vive em Lisboa mas sempre acompanhou a realidade de Santarém e tem dificuldade em compreender como é que velhos problemas demoram tanto a resolver. Advogado da ex-administradora da TAP Alexandra Reis, acompanhou de perto os trabalhos da famigerada Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão da TAP e ficou perplexo com alguns episódios. Admite que há uma justiça para ricos e outra para pobres e defende um maior controlo do desempenho dos magistrados, premiando quem trabalha muito e bem e penalizando quem não concorre para o bom funcionamento do sistema.

João Calhaz

Olha para Santarém e o que vê? Há problemas em Santarém que se arrastam no tempo e são incompreensíveis. O Campo Infante da Câmara é uma manta de retalhos. É incompreensível que o que devia ser um espaço nobre da cidade esteja há tantos anos não vou dizer ao abandono mas talvez pior do que isso, porque depois dificulta a sua requalificação. Há agora um projecto, mas ainda em fase muito embrionária. Não há um projecto de execução, não há sequer um anteprojecto, há um estudo prévio que já padece de um problema, que é o terminal de autocarros…
Uma ideia que tem sido muito contestada. Manifestei-me desde o início contra essa possibilidade, acho uma má ideia. Vamos ver se é possível resolver isso. Mas acho incompreensível que só em 2023 exista um estudo prévio para aquele espaço.
Já existiram projectos, estudos e planos anteriormente… Mas nada aconteceu! Inclusivamente já propus em sede de assembleia municipal que um dos vereadores ficasse exclusivamente dedicado a este projecto, porque temo que se não for assim o projecto não arranque. Ou seja, que a câmara esteja a gastar dinheiro público num projecto que depois não tenha sequência.
Que outros problemas há em Santarém para resolver? A antiga Escola Prática de Cavalaria (EPC). Gerou-se uma situação desconchavada, porque depois de ter estado completamente ao abandono durante alguns anos, em que até os cobres das portas de armas foram roubados, assistiu-se à instalação de um conjunto de serviços sem grande lógica. Poderíamos ter ali um campus universitário de primeira linha combinado com campos de alto rendimento para dois desportos: o rugby, que já lá está, e temos um bom clube que tem dado alegrias à cidade; e um centro de alto rendimento para equitação, porque temos ali um picadeiro extraordinário, que foi dos melhores do país, com um campo de obstáculos e cavalariças. Tudo isso ao abandono anos a fio.
Como filho de um antigo oficial da EPC dói-lhe ver a situação em que se encontram aquelas instalações? A tal ponto que quando me apercebi do estado em que estava a antiga EPC disse ao meu pai para não ir ver. Acho que a qualquer militar que tenha passado pela EPC, que era um ex-libris da Cavalaria a nível nacional, dói-lhe a alma ver como aquilo está ainda hoje. Porque há sete ou oito anos atrás ainda estava pior.
O Tejo continua a ser outra questão recorrente. Sim, acho que continuamos de costas voltadas para o Tejo. A zona da Ribeira de Santarém tem que ser requalificada. Há anos que também se fala nisso e não se consegue. Bem sei que a linha de caminho de ferro dificulta essa requalificação, mas tem de haver uma solução. Esses seriam três exemplos críticos da falta de dinâmica do executivo.
Santarém é uma cidade de projectos adiados? Procuro evitar a política de bota-abaixo, de terra queimada, de conversa de café e, sobretudo, populismos. Tenho a noção que é mais fácil criticar do que construir e que há um conjunto de matérias que não são competência da autarquia. E nalguns destes projectos de que estamos a falar nem tudo depende estritamente da câmara. Reconhecendo isso e reconhecendo também empenho e vontade de fazer, não posso deixar de realçar que há muitas matérias em que se poderia estar melhor.
O que tem a dizer sobre o centro histórico de Santarém? O centro histórico precisa de mais iluminação, de mais limpeza, de melhores acessos, de melhor estacionamento, precisa que as edificações degradadas sejam requalificadas.
Tem havido alguns esforços nesse sentido. Sim, mas diria que tem sido um esforço mais dos privados do que dos poderes públicos. Por exemplo, a nível de restauração, Santarém melhorou muito nos últimos anos.
A Câmara de Santarém tem ajudado muito nesse campo a nível promocional, de realização de eventos… Presumo que sim. Há também outros aspectos positivos. A nível do desporto Santarém está muito melhor, há muito mais eventos, há muito mais gente a praticar desporto, e aí, sim, a autarquia tem feito muito investimento que está a dar frutos. Isso promove a centralidade da cidade, porque traz cá muita gente. Registo também com agrado o esforço na promoção das tradições locais. Aliás, uma das primeiras moções que apresentei foi no sentido de que a tauromaquia fosse reconhecida como património imaterial, e foi aprovada na assembleia municipal. Na acção social também reconheço que o executivo tem feito um grande esforço, bem como no apoio às freguesias.
Santarém é a capital de distrito que o Ribatejo precisa? Acho que fica muito aquém de uma verdadeira capital de distrito. Basta dizer que Santarém só tem um hotel no planalto. Se queremos ter mais empresas e promover ainda mais turismo temos de ter mais alojamento. Isto só para dar um exemplo simples e prático. Tem havido mais investimento, há maior fixação de empresas, mas é necessário muito mais do que isso. E acho que isso pode ser conseguido com um esforço a nível fiscal, com um esforço a nível da redução da burocracia e da promoção da cidade. Se vier para cá, o novo aeroporto redobra o potencial que Santarém tem.
Acredita que o novo aeroporto vai aterrar em Santarém? Acho perfeitamente exequível. Não é por gostar muito da cidade e de ter aqui muitos amigos e responsabilidades políticas, mas julgo que Santarém, objectivamente, está melhor posicionada do que qualquer das outras possibilidades em estudo. Está perto de Lisboa, não tem grandes impactos a nível ambiental e tem boas acessibilidades. Além disso não precisa de uma terceira ponte sobre o Tejo e o investimento público será sempre muito mais reduzido do que qualquer opção na margem sul. Acho que é a solução mais evidente.

Há um défice de controlo da actividade dos magistrados

Acompanhou, como advogado, a engenheira Alexandra Reis nas inquirições da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP. Que impressões extraiu de todo aquele aparato, de toda aquela encenação e mediatismo? Não queria falar muito sobre o assunto porque ainda não saiu o relatório da CPI e quero respeitar o trabalho dos deputados (nota da redacção – esta entrevista foi realizada a 30 de Junho, antes da publicação do mencionado relatório preliminar). Relativamente à engenheira Alexandra Reis, ficou claro não teve nenhuma responsabilidade no caso. Pediram-lhe para sair, saiu, e chegou-se depois à conclusão que a indemnização que deveria receber do ponto de vista da IGF não era a indemnização certa. Independentemente de concordar ou não com isso, e disse que não concordava, procedeu já à devolução desse valor e o assunto está encerrado.
E quanto ao aparato em torno dessa Comissão Parlamentar de Inquérito? Quanto a isso, acho que se transformou uma CPI à TAP numa CPI à actuação do Governo em geral, que pouco ou nada tinha que ver com a gestão da TAP. Tenho algumas dificuldades em perceber como é que alguns assuntos foram discutidos numa CPI que tinha um objecto bastante limitado, mas não queria adiantar muito mais por força das minhas funções profissionais.
Como vê o arrastar do tempo de mega processos judiciais envolvendo figuras famosas da vida política e empresarial, como o ex-primeiro-ministro José Sócrates? Se formos rigorosos, percebemos que há processos que realmente se arrastam, como é o caso desse, mas há outros processos que se têm desenvolvido. Há pessoas que foram presas, que eram figuras mediáticas, conhecidas. Isso significa que a justiça funciona. Por exemplo, o caso do BES está a andar, o caso de Manuel Pinho está a andar, há outras pessoas que inclusivamente já cumpriram penas de prisão, como foi o caso do actual autarca de Oeiras.
O jornalismo populista também ajuda a essa percepção de que a justiça é morosa e beneficia os poderosos? Sim e é muito mais fácil em conversa de café as pessoas dizerem que nada funciona do que em analisar as coisas à lupa. É evidente que o caso que envolve José Sócrates devia ter andado muito mais depressa do que está a andar. O problema da justiça tem que ser encarado de forma séria e o poder político ainda não o conseguiu encarar dessa forma. Não é possível o Ministério Público estar em investigação durante tanto tempo, estar tanto tempo para deduzir uma acusação e decorrer tanto tempo para que as pessoas cheguem a julgamento.
Que medidas podiam ajudar a reverter esse cenário? Defendo já há algum tempo que se acabássemos com a fase de instrução, entre o inquérito e o julgamento, provavelmente as pessoas que tinham que ir a julgamento iriam mais depressa. Não vejo outra forma.
Isso não diminuiria as garantias de defesa? Julgo que para quem é alvo de uma acusação e quer ser ilibado, quanto mais depressa se fizer o julgamento e mais depressa se puder provar a sua inocência melhor. O tempo é importantíssimo.
Os advogados têm a fama de serem um obstáculo ao andamento célere de determinados processos. Têm a fama mas não sei se têm o proveito. Utilizam as leis na defesa dos seus clientes e apresentam muitas vezes propostas concretas para que as coisas andem mais depressa.
Há outra ideia feita, de que há uma justiça para ricos e outra para pobres. Corresponde à realidade? Não há dúvida que é verdade e eu também já defendo há muitos anos uma ideia controversa que é a da criação de um corpo de procuradores públicos, como existe nos Estados Unidos, que no fundo seriam defensores públicos. O Ministério Público hoje, grosso modo, trata da investigação e da acusação, e depois de todo o processo penal até ao julgamento, mas no fundo é quem acusa. E acho que faz falta um corpo de defensores públicos para apoiar as pessoas que não têm posses para contratar o seu defensor.
O advogado oficioso não garante esse apoio? Do meu ponto de vista não funciona. Também já fui advogado oficioso e normalmente esses casos são entregues a advogados estagiários ou com pouca experiência, quando há casos muito difíceis. Quem tem dinheiro pode pagar a um advogado com experiência profissional e quem não tem posses não tem essa possibilidade. Num Estado de Direito não deve haver essa diferença entre ricos e pobres em circunstância alguma, e muito menos face à justiça.
Santarém vem lutando há alguns anos por uma delegação do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, dado o volume de processos desse tribunal e o arrastar dos mesmos no tempo. É uma ambição justa? Sim, faria todo o sentido como capital de distrito que é. A área do Direito Administrativo é a minha área de trabalho e onde os processos têm maior tempo de pendências é precisamente nos tribunais administrativos e fiscais. De um modo geral, acho que há um défice de controlo da actividade dos magistrados. Como em tudo na vida, há aqueles que são mais briosos, que trabalham bem, trabalham depressa e querem fazer justiça, e há outros que deixam as coisas ir andando
Isso resulta do poder político não se querer imiscuir nesse domínio? Resulta, porque quando são dados passos nesse sentido a reacção dos magistrados é muito forte, alegando que isso põe em causa a sua independência, etc... Quando isso não tem a ver com a sua independência, tem que ver com beneficiar e privilegiar aqueles que trabalham muito e bem - que devem ser premiados seja do ponto de vista de férias de aceleração da carreira ou remuneratório -, e também de penalizar aqueles que não trabalham e não concorrem para o bom funcionamento da justiça. Há medidas que se podem implementar, mas depois tem faltado alguma coragem…

O PSD não quer dançar o tango com o CDS em Santarém

Era vice-presidente do CDS quando o partido perdeu a representação parlamentar, nas legislativas de 2022. É uma mancha no currículo político? Lamento naturalmente os resultados, em sede própria já fiz mea culpa no que me diz respeito. Assumo quota-parte por esses resultados porque tinha responsabilidades importantes no partido. Estávamos numa linha descendente, nas anteriores legislativas tínhamos passado de 18 para cinco deputados e Francisco Rodrigues dos Santos já pegou no partido num momento muito difícil, em queda. Por outro lado, passámos a ter pela primeira vez concorrência, com o Chega e a Iniciativa Liberal. Além disso veio a pandemia e durante ano e meio foi muito difícil fazer política fora do quadro pandémico. Não havia disponibilidade mental mínima para se atentar no trabalho político-partidário para lá daquilo que o Governo ia fazendo.
A ascensão do Chega também ajuda a explicar isso? Sim e também o mau clima que se vivia no CDS. Se juntarmos todos esses factores tornava-se difícil ter um bom resultado. Houve um bom resultado nas autárquicas e também nos Açores mas não se conseguiu manter essa linha nas legislativas.
O CDS está em risco de extinção? Julgo que o CDS está numa situação bastante periclitante. Isso resulta de não ter representação parlamentar na Assembleia da República, que é o palco político por excelência. Dito isto, é bom lembrar que o CDS tem seis câmaras municipais onde governa sozinho; tem mais 40 municípios onde governa em coligação, como por exemplo em Lisboa, onde tem um vice-presidente; tem um deputado ao Parlamento Europeu; participa no Governo Regional dos Açores, onde tem um vice-presidente, e também na Região Autónoma da Madeira. Por isso, acredito que é possível que o CDS volte ao Parlamento. Julgo que aos poucos as pessoas vão percebendo que não vêem grande vantagem em votar no Chega ou na IL e que esses partidos não substituíram o CDS. É preciso um partido de direita moderada que defenda um conjunto de princípios e valores importantes.
O CDS integra coligações com o PSD que governam alguns municípios na região e no país. Por que é que em Santarém os dois partidos quase nunca se entendem? O parceiro natural do CDS é o PSD, como o comprovam as diversas alianças que existem no país e que funcionam bem, tal como estou convencido que funcionaria aqui. Mas em Santarém o PSD entendeu ir sozinho.
O PSD de Santarém não tem querido dançar o tango? Não, e julgo que também perde com isso. Mas é uma decisão do PSD que respeitamos, até porque não gosto de me meter na vida interna dos outros partidos. Posso dizer no entanto que há um bom relacionamento na assembleia municipal entre o CDS e o PSD e também com o PS.
O que acha da aliança política entre PSD e PS na Câmara de Santarém? Acho que corre bem. Admito que possa permitir que se possam resolver algumas matérias com maior brevidade e que alguns nós górdios da cidade possam ser desbloqueados por força desta parceria.
Acha preferível este modelo do que uma possível aliança com o Chega? Sem dúvida nenhuma. Não sei se sou a melhor pessoa para responder a essa questão, mas diria que a proximidade que existe entre o PSD e o PS, do meu ponto de vista, é muito maior do que aquela que existiria entre o PSD e o Chega. Melhor coligação que com o PS só se fosse com o CDS (risos)….

Um autarca estreante que anda na política há muitos anos

Pedro Melo nasceu em Lisboa, em 29 de Fevereiro de 1972, mas tem uma ligação forte a Santarém, onde viveu até aos dez anos quando ingressou no Colégio Militar, em Lisboa, regressando a Santarém aos fins-de-semana e nas férias. Os pais viviam na cidade ribatejana, onde ainda têm casa. A mãe era funcionária do Registo Predial e o pai, militar, foi oficial na Escola Prática de Cavalaria e segundo comandante dessa emblemática unidade.
No ensino secundário, Pedro Melo ainda voltou a viver em Santarém para fazer dois anos na Escola Secundária Sá da Bandeira, antes de rumar novamente a Lisboa para fazer o 12º ano e o curso universitário. Licenciou-se em Direito e tem escritório na capital. É casado e pai de três filhos.
A sua ligação a Santarém levou a que o seu nome surgisse como escolha natural para uma candidatura autárquica em 2021. Na altura, Pedro Melo era vice-presidente da direcção nacional do CDS/PP e o então líder do partido, Francisco Rodrigues dos Santos, entendeu que era a pessoa mais indicada para se candidatar em Santarém. Foi cabeça de lista à Assembleia Municipal de Santarém e foi eleito, sendo um dos poucos autarcas do CDS no concelho, existindo outros três nas freguesias da Cidade de Santarém e de Alcanede.
É a sua primeira experiência como autarca mas anda nas lides partidárias já há muitos anos. É militante do CDS desde 1991. Esteve na direcção nacional de Ribeiro e Castro entre 2005 e 2007 e foi porta-voz do CDS à data. Integrou depois a direcção de Francisco Rodrigues dos Santos, que se demitiu após o revés eleitoral das legislativas de 2022.
A nível profissional é especialista em Direito Administrativo, área em que tirou um mestrado. Dá também aulas no ensino universitário e, entre outras responsabilidades, integra a Lista de Árbitros do Centro de Arbitragem da Associação Comercial de Lisboa, a Lista de Árbitros do Centro de Arbitragem Administrativa, a Lista de Árbitros do Tribunal Arbitral do Desporto e a Lista de Árbitros da Federação das Indústrias do Estado do Paraná – Brasil.

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