Entrevista | 07-08-2023 18:00

“Fala-se na bazuca mas uma granada de mão já resolvia muitos problemas em Riachos”

“Fala-se na bazuca mas uma granada de mão já resolvia muitos problemas em Riachos”
Autarca António Pereira Jorge diz que Riachos devia ser vista com melhores olhos pelo município de Torres Novas

António Júlio Pereira Jorge voltou à vida autárquica pela mão do PS com a ambição de lutar pelo desenvolvimento e valorização da freguesia de Riachos.

Na sua primeira entrevista a O MIRANTE enquanto presidente de junta, fala das limitações de governar uma freguesia e das obras prometidas que tardam em sair da gaveta. De discurso calmo, mas sem papas na língua, não hesita em dizer que as redes sociais são um “lavadouro público” dos que não têm noção do que são as competências e dificuldades de uma junta de freguesia. A que lidera comemora este ano o seu centenário.

Não há que enganar: a freguesia de Riachos, que este ano está a comemorar o seu centenário, tem-se desenvolvido a vários níveis, deixado para trás as habitações sem saneamento ou água canalizada e uma ruralidade muito ligada à agricultura. Isto, sem perder as suas tradições e qualidades de bem receber como o comprovam os restaurantes de mesas cheias e as esplanadas esgotadas nas noites de Verão. A convicção é do presidente da Junta de Freguesia de Riachos, António Júlio Pereira Jorge, que apesar do balanço positivo não ignora no seu discurso o tanto que ainda há para resolver, desenvolver e melhorar.
São disso exemplo as estradas em más condições, a falta de lugares de estacionamento, de habitação e a ampliação e requalificação de espaços culturais numa freguesia onde abundam associações e colectividades de cariz social, desportivo e cultural. Mas para haver progresso é preciso muito mais do que saber identificar o que vai mal e até pensar-lhe a solução. É por isso que diz que Riachos precisa de ser visto com outros olhos pelo município de Torres Novas, que além da maior facilidade de recorrer a fundos comunitários tem mais poder financeiro do que uma junta com um orçamento de 340 mil euros, em que 40% está alocado a despesas com pessoal.
Numa junta faz-se com o que se tem o que se pode, refere por diversas vezes o autarca eleito pelo PS ao longo desta entrevista realizada na sala de reuniões da junta, cercada de fotografias a preto e branco de presidentes que o antecederam e de outras, coloridas, de gentes da terra. Antes de terminar aquele que é o seu primeiro mandato, Pereira Jorge confessa que gostava de ter pronta a primeira fase de requalificação do Parque 25 de Abril - onde vai ser criado, à partida com verba da junta, um novo parque infantil e de merendas -, os arruamentos e muro do cemitério e a requalificação do mercado, que é “um espaço velho e degradado, neste momento apenas com uma vendedora”.
Não esquece também o parque de merendas ‘Zé da Leonor’, junto ao rio Almonda, que foi proposta vencedora no Orçamento Participativo de 2016, dotada com verba de cerca de 19 mil euros e que nem uma árvore foi lá plantada. “Ainda estão cinco projectos por realizar no concelho e este é um deles”, afirma o presidente de junta que este ano teve como maior desafio preparar, juntamente com os restantes eleitos, o vasto programa de comemorações do centenário da freguesia que termina a 28 de Agosto numa sessão solene, um dia depois de ser inaugurado o local do futuro Parque do Centenário, junto aos Casais Pinheiros.

No início do ano, em debate promovido pela Associação para o Desenvolvimento Integrado do Ribatejo Norte, alertou para a necessidade de requalificação de espaços culturais em Riachos. A que se referia? À Casa do Povo, que continua a ser muito utilizada mas neste momento já não é suficiente para servir a população. Todo o edifício precisa de ser requalificado e já temos projecto mandado fazer pelo anterior executivo por cerca de 30 mil euros. A requalificação ficava em 800 mil euros, agora vai em mais de um milhão. O problema é que o edifício é da junta de freguesia e não temos orçamento para uma obra dessa dimensão. Havia a possibilidade de passarmos a propriedade do edifício para a Câmara de Torres Novas, por direito de superfície por 30 anos, mas o que para nós fazia sentido era passá-lo por três ou quatro para que o município se pudesse candidatar, por exemplo, ao PRR que para as juntas está fora de questão. Fala-se muito nos dinheiros da bazuca, eu só precisava de uma granada de mão e já resolvia muitos problemas em Riachos.
As verbas transferidas para as juntas, de um modo geral, têm vindo a aumentar, mas ainda se sente que para realizarem obra têm quase que andar a pedir esmola? É, andamos à míngua… Uma vila com esta dimensão, que é vila há 39 anos, devia ser vista com melhores olhos por parte do município de Torres Novas, até porque daqui vai muito dinheiro para lá. Lembro muitas vezes aos autarcas do município que ao estar-se a fazer obra em Riachos e nas outras freguesias também se está a melhorar o concelho.
Nota alguma tendência para se realizar mais obra na sede de concelho, como se importasse mais? Tenho a certeza, desde sempre, e não devia ser assim. Riachos, como vila e como freguesia, merece muito mais. Achei que ia conseguir que a câmara fizesse mais por Riachos do que aquilo que tem feito nestes dois anos, mas ainda faltam outros dois [para o final do mandato]. Vamos ver...
A tão esperada ampliação da Zona Industrial de Riachos, que deverá arrancar em breve, é um sinal positivo? Há a promessa de que em Setembro vai arrancar, mas já duvido de tudo, só acredito quando a obra começar. Mas, claro, é um passo importante porque a nossa zona industrial no fundo só tem camiões e precisamos de atrair outro tipo de empresas, que criem postos de trabalho, que é o que traz desenvolvimento económico. Riachos estagnou no tempo por falta da instalação de empresas que criassem emprego e ajudassem a desenvolver a vila. Mas também é preciso incentivos, habitação, tudo está interligado.
A freguesia debate-se com o problema da falta de habitação? Volta a ser um problema porque Riachos está a receber muitos estrangeiros, quase todas as semanas há famílias a perguntar por casas para alugar ou comprar e praticamente não existe. Construção nova há muito pouca mas é o que ainda vai ajudando...
De que forma se resolveria o problema? No final da década de 70 e 80 resolveu-se com a criação de bairros de habitação social e neste momento se calhar também se resolveria. Naquela altura foi o que nos valeu. Casas para reabilitar já existiram mais, mas como Riachos ainda tem para onde se estender era importante que com o PDM [em revisão] se abrissem as ruas que estão previstas há alguns anos, que também iria ajudar.

“Aqui a máquina de alcatrão não chega”

Riachos continua a ser uma vila atractiva para a agricultura? A agricultura já não tem nada a ver com antigamente, quando havia centenas de pessoas, ranchos de mulheres que se deslocavam para os trabalhos sazonais no campo e uma boa parte da população era agricultora. Nessa altura, a principal actividade de Riachos era a agricultura, que está hoje concentrada em meia dúzia de agricultores que cultivam o campo, sobretudo com milho e girassóis.
A par das verbas, que diz serem insuficientes, que outros entraves enfrenta a governação plena de uma junta de freguesia? Serem poucas as competências que as freguesias têm. Em termos de pessoal, por exemplo, temos dois funcionários para uma povoação com 15 quilómetros quadrados e com muitas necessidades, a fazer limpeza, manutenção do equipamento urbano e a cortar as ervas que não nos dão tréguas o ano inteiro. A câmara pôs aqui um operacional da Suma a varrer as ruas mas não é suficiente. Além de que em Riachos os pavimentos das ruas estão miseráveis. Em Outubro de 2021, para o orçamento municipal de 2022, alertei para 16 ruas que necessitavam de ser repavimentadas e, dessas, três pavimentadas pela primeira vez. Para o orçamento de 2023 o município voltou a pedir essa informação e mandei as mesmas 16. Aqui a máquina de alcatrão não chega.
Uma sondagem recente do ICS/ISCTE revela que o presidente de junta é a figura política em que os portugueses mais confiam. Enquanto autarca de freguesia revê-se neste resultado? Sem dúvida, porque são quem está mais próximo da população, quem ouve as queixas, procura respostas e luta para resolver. E um presidente de junta mais próximo da população do que eu acho que não deve haver, não quero com isto dizer que me acho melhor ou pior que outros. Todos os dias recebemos e-mails e pessoas na junta a queixar-se de alguma coisa, e quando não vêm saio eu e vou à procura das pessoas, não me limito a ficar fechado na junta. Ao andar na rua dou resposta a problemas que não iam chegar de outra forma. Mas as pessoas às vezes também não têm noção das competências de uma junta de freguesia. Há quem tenha formigas em casa e ache que o presidente de junta tem que ir matá-las.
Olha para as redes sociais como uma nova ferramenta para perceber o que vai mal? O Facebook é um lavadouro público, as redes sociais só servem para lavar roupa suja. Não ajudam em nada o trabalho de um presidente de uma junta de freguesia. Se as pessoas fossem fazer comentários ou críticas construtivas tudo bem, mas ali reina o discurso do deita abaixo. As pessoas não se tentam informar, para muitas a junta é culpada de tudo. Deixei de ler esses comentários e a junta de freguesia deixou de fazer publicações, porque só recebíamos críticas sem pés nem cabeça. Uma falta de noção...
Tem-se desiludido com a política? Tenho. Não tenho problema nenhum em dizê-lo. Há alturas em que desanimo a sério e passo uma noite inteira a enviar emails para a câmara, com o que é preciso resolver. Posso parecer uma pessoa calma mas quando me salta a tampa...
Estar presidente de junta tem-lhe trazido mais amizades ou inimizades? A política tem-me trazido mais inimizades. Há pessoas que deixaram de me falar. Estou aqui para defender os interesses da freguesia e não os interesses de privados, mas há sempre quem tente dar a volta porque acha que a junta de freguesia tem obrigação de resolver problemas particulares.

A paixão pela arte e a curiosidade pela cultura

António Pereira Jorge nasceu há 62 anos e cresceu no Casal das Lombas, como ainda gosta de chamar ao actual Bairro de Santo António, em Riachos. Foi por ali que começou a dar forma a pedaços de ferro, que encontrava ou recolhia em sucatas, e a convertê-los em esculturas que inicialmente só mostrava a amigos e família. Esta paixão acabou por ser o ponto de partida para fundar, em 2010, o Núcleo de Artes de Riachos que é casa aberta para muitos artistas da região, mas, confessa, já viu melhores dias. A par da escultura, a escrita é outra predileção. “Domingo às 4” é o título do seu mais recente livro editado em plena pandemia e no qual, de forma lúdica, através de perguntas e respostas, aborda curiosidades da história e cultura riachense.
Casado há 40 anos, pai de duas filhas e avô de quatro netos - que leva e vai buscar à escola - António Júlio Pereira Jorge admite que com a sua reentrada na vida autárquica, desta vez como presidente de junta, “a família vai ficando em segundo plano”. Filho de pai pedreiro que teve forte empenho em empregar os três filhos rapazes, Pereira Jorge fez-se operador de manutenção de equipamento ferroviário, além de se ter experimentado como comerciante em Riachos. Nunca o seduziram os partidos políticos e por isso nunca militou em nenhum. Irmão mais novo de António José Pereira Jorge, antigo presidente de junta da mesma freguesia, concorreu pela primeira vez como cabeça de lista à assembleia de freguesia em 2013, dessa vez pela CDU, e não venceu. Seguiu-se um período em que, desanimado, desligou da vida autárquica até que, esperançado e com vontade de levar a freguesia a um futuro melhor, aceitou o desafio proposto pelo PS.

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