Entrevista | 16-08-2023 15:00

“Podem chamar-me cachopa ou miúda à vontade mas mentirosa não”

“Podem chamar-me cachopa ou miúda à vontade mas mentirosa não”
Adriana Madeira tem 28 anos e há dois foi eleita presidente da Junta de Freguesia de Abitureiras

Adriana Madeira foi eleita presidente da Junta de Freguesia de Abitureiras, no concelho de Santarém, aos 26 anos.

Já era mãe e tinha experiência de trabalho e de dirigente associativa. Reconhece que subsiste uma má imagem generalizada dos políticos mas sublinha que não são todos iguais e não admite que lhe chamem mentirosa. Diz que os jovens de hoje são demasiado mimados e consumistas, muito por culpa dos pais, e exorta-os a não deixarem morrer as colectividades e as tradições. Uma conversa que é também um olhar sobre as novas gerações a pretexto do Dia Internacional da Juventude, que se assinala a 12 de Agosto.

Adriana Madeira, 28 anos, não é propriamente o protótipo da juventude portuguesa do século XXI. Deixou os estudos no 12º ano para ir trabalhar, pagou a carta de condução e o primeiro automóvel com o seu dinheiro, foi presidente de uma colectividade aos 19 anos e mãe aos 23 anos, foi eleita presidente da Junta de Freguesia de Abitureiras aos 26 anos e afirma-se como uma rapariga do campo, avessa ao bulício da cidade.

Vive na sua terra natal, Abitureiras, com o marido e o filho e está como presidente da junta a tempo inteiro, depois de ter trabalhado durante alguns anos como administrativa. É militante do PSD desde os 18 anos por influências familiares e não tanto por gostar de política. Foi o presidente da Câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves, quem a convidou, em 2021, para ser a candidata do PSD a presidente da Junta de Freguesia de Abitureiras, até então gerida pelo PS. Primeiro disse que não, por ter um filho pequeno, por estar a preparar o seu casamento no ano seguinte e por achar que uma população maioritariamente envelhecida não ia eleger uma “miúda”. Mas pensou melhor e acabou por alinhar na ideia porque gosta de desafios e porque, lá no fundo, estava convencida que não iria destronar o então presidente socialista.

Fez uma campanha sem grandes promessas ou alarido e o eleitorado deu-lhe a vitória por 21 votos de diferença. “Chorei toda a noite, foi uma grande mistura de emoções e, no dia seguinte, foi perceber o que nos tinha acontecido, porque realmente foi uma surpresa”. De um dia para o outro, Adriana Madeira viu-se mergulhada na vida política e na até então desconhecida realidade do poder local.

Nascida em 25 de Setembro de 1994, está desde muito nova ligada ao associativismo local. Aos nove anos entrou para o rancho folclórico de Abitureiras, começou muito jovem a colaborar na organização das festas locais e foi catequista desde os 12 anos. Essa ligação à comunidade pode explicar o surpreendente resultado eleitoral, embora acredite que o destino estava traçado por Deus, sempre presente na sua vida. Quanto a outras ambições na política, não pensa muito nisso: “é um dia de cada vez, fazendo o nosso melhor”.

A conversa decorre no salão de sessões da junta de freguesia, que vai ser alvo de obras de melhoramento, tal como as restantes instalações. Adriana Madeira diz ser uma presidente que gosta de partilhar decisões e de ouvir os outros eleitos. “Lido muito bem com a oposição, não tenho problemas nenhuns, até porque também está cá para trabalhar pela freguesia”, diz, referindo ainda que não liga aos comentários destrutivos nas redes sociais: “Se formos a ligar a tudo o que dizem, no dia a seguir fechamo-nos em casa e não saímos mais”.

Entre as suas ambições está criar um parque infantil, um campo de padel e ter um relvado sintético no campo de futebol.

Não tem qualquer problema em pedir conselhos a pessoas mais experientes ou aos pais?

Desde que fui presidente do Centro de Convívio, aos 19 anos, sempre estive rodeada de pessoas mais velhas e tenho o lema de que os mais velhos têm a experiência e a sabedoria, e nós temos a energia e o dinamismo. Os jovens e os mais velhos completam-se e só assim podemos fazer um bom trabalho.

Como é que é ser jovem numa freguesia envelhecida e que tem vindo a perder população, como tantas outras do país?

Não deixamos de viver a juventude nas nossas freguesias. Temos é que fazer um bocadinho por elas. É isso que acho que por vezes falta: haver meia dúzia de jovens que dinamizem actividades e puxem outros para cá.

Nunca teve a tentação de ir viver para a cidade?

Quando me juntei estive três anos a viver em Santarém. Foi para esquecer, não me adaptei. O que me custou mais foi o barulho, o trânsito… Vivi 23 anos numa rua onde raramente passava um carro. Sempre vivi no sossego. Aqui ouvimos os passarinhos quando abrimos a janela.

O que disseram os seus pais quando lhes disse que ia ser candidata a presidente da Junta de Freguesia de Abitureiras?

A opinião dos meus pais foi unânime. Disseram-me para aceitar, pois era uma oportunidade que, se calhar, só ia ter uma vez na vida. E que me apoiariam sempre na ajuda com o meu filho, acontecesse o que acontecesse. Graças a Deus tanto os meus pais como os meus sogros têm-me apoiado bastante, tal como o meu marido, mas esse está sempre lá.

A sua vida mudou muito depois de ter tomado posse como autarca?

Mudou. A falta de tempo para a casa, para o filho, para o marido; não se consegue programar coisas para o fim-de-semana; o telefone tem que estar sempre ligado e há sempre coisas para tratar. Graças a Deus não perdi o sono.

Sobra tempo para viver a juventude? Tem passatempos daqueles que nunca se largam? Ainda dança no rancho, por exemplo?

Não, mas agora vou voltar. Tenho o meu filho com cinco anos a querer ir para o rancho. A vontade de voltar é muita e estamos a pensar ir os três: pai, mãe e filho. Mas tive de dispensar muita coisa, sim, como as saídas à noite, as idas a discotecas até às tantas da manhã… Não deixamos de ir às festas das freguesias, mas o cansaço agora é outro.

Quantas vezes se arrependeu de se ter metido na política e de ter chegado a presidente de junta?

Só me arrependo daquilo que não faço. Arrepender não é a palavra certa. Agora, se calhar, se me tivessem dito há dois anos que os problemas seriam muitos… Eu não era muito de ir a assembleias de freguesia, não tinha a noção do que ia ter para resolver. E apanhei aqui muitas dores de cabeça. A situação mais constrangedora foi a do corte das árvores, mas teve que ser.

Desde que assumiu as funções de autarca a sua opinião mudou muito em relação à política e aos políticos?

Não mudou muito.

Tinha uma boa imagem dos políticos?

Ninguém tem uma boa imagem dos políticos, contra mim falo… (risos) A imagem que muita gente tem dos políticos é que são todos uns mentirosos, que só fazem falcatruas…

E é isso que pensa?

Agora que estou nesta situação não. Há certas ideias que vamos mudando. Muita gente diz que não trabalham, que ganham muito, mas isso também vai de pessoa para pessoa. E temos de fazer a distinção entre os políticos que estão no Parlamento, que estão nas câmaras e que estão nas juntas. Às vezes nós levamos um bocado por tabela porque são todos políticos, são todos mentirosos. Continuo a ser a mesma pessoa, com a mesma humildade. Quando digo às pessoas que arranjo, arranjo mesmo. E não permito que digam que sou mentirosa, pois é coisa que, graças a Deus, não sou. Podem chamar-me cachopa ou miúda à vontade, mas mentirosa não.

Já lhe ligaram ou bateram à porta a pedir favores?

Já. E também já me bateram à porta a ralhar, num feriado às 09h00 da manhã. Foi por causa de um terreno em que os funcionários da junta tinham posto lá qualquer coisa. Noutra ocasião, estava aqui na bomba de gasolina e entrou um senhor que me chamou mentirosa. Com muita calma, disse-lhe que não me voltava a chamar mentirosa porque é coisa que não sou e, em segundo, disse-lhe que a junta ficava ali mesmo do outro lado da estrada e que podia lá ir apresentar as reclamações ou sugestões que entendesse. Sempre fui muito receptiva a receber pessoas e a ouvi-las. Prefiro isso do que as pessoas andarem a falar no café ou a bater-me à porta de casa.

Os jovens têm cada vez mais dificuldade em entrar no mundo do trabalho

Outras gerações de jovens tiveram causas que as identificaram, uniram e marcaram, como a guerra colonial, o fim do serviço militar obrigatório ou a luta contra as propinas. Quais são ou deviam ser as causas dos jovens de hoje?

A falta de trabalho, porque cada vez mais os jovens têm dificuldade em entrar no mundo do trabalho. É aquela coisa do “são miúdos, não sabem”… Devia haver mais empresas a incentivar os jovens a trabalhar. Os jovens entram no mercado de trabalho cada vez mais tarde. E acho que os que não têm um curso superior são um bocado discriminados.

Sobrevaloriza-se o diploma académico?

Acho que sim. Vejo por mim, que tenho o 12º ano. Se calhar um licenciado não fazia o trabalho que faço numa junta de freguesia…

Nunca pensou continuar a estudar?

Agora sim. Na altura, parei de estudar porque me via em diversas áreas e achei que não valia a pena ir gastar dinheiro aos meus pais sem saber bem o que queria. Fui trabalhar com 19 anos, tirei a carta com o meu dinheiro e comprei o primeiro carro. Hoje, que lido com diversas áreas e com imensa gente, já me via a tirar um curso de gestão de empresas, pois é uma área de que gosto.

Dizia que hoje uma das grandes dificuldades dos jovens é arranjar trabalho, mas muitas empresas queixam-se que não conseguem arranjar mão-de-obra, seja qualificada seja menos qualificada.

A maior parte dos pais, quando os filhos nascem, mete na cabeça que os filhos têm que ser doutores ou engenheiros. E ainda há muito a tendência de os filhos irem para aquilo que os pais querem, para não os desiludirem. Os filhos hoje são também muito protegidos. Não lavam um prato, não põem a mesa, não fazem a cama. Muito por culpa dos pais, que cada vez protegem mais os miúdos e tentam dar-lhes tudo. É certo que hoje há mais riscos, também sou mãe e protejo o meu filho. Mas gostava que o meu filho fosse tão autónomo como eu e agradeço a educação que os meus pais deram.

Os jovens de hoje nascem praticamente agarrados às ferramentas tecnológicas como os telemóveis, tablets e computadores portáteis. A realidade virtual está a sobrepor-se à ligação ao mundo real?

Está. Mas também contra mim falo, porque o meu filho com cinco anos já está muito agarrado ao telemóvel. Hoje passamos muito tempo fora de casa e chegamos cansados ao fim do dia. Nós, pais, devíamos dedicar-nos mais tempo aos filhos mas por vezes não temos aquela paciência...

A sua geração é tida como a que, pelo menos no último século, corre o risco de ter um nível de vida pior do que a geração anterior. Como vê esta situação?

Não pensei muito nisso, pois não é uma coisa para agora, mas a tendência será para piorar a longo prazo. Considero-me preparada para isso porque sempre vivi no mundo rural, a produzir as nossas coisas, e muito do que sei foi o meu pai que me ensinou. Os jovens cada vez estão menos preparados para esse futuro. Qualquer dia não temos dinheiro para computadores, para telemóveis, para nada disso e temos de nos dedicar à agricultura, porque temos que comer sempre...

Há uma quebra demográfica acentuada e preocupante. Por que é que os jovens portugueses não estão muito virados para ter filhos? Preferem gozar a vida sem essa responsabilidade?

É isso mesmo. É porque ter um filho é uma responsabilidade, têm que ir trabalhar para o sustentar e acho que os miúdos hoje pensam muito nisso. Cada vez saem de casa dos pais mais tarde, porque ali têm tudo feito. Ter um filho hoje custa muito dinheiro, mas ter um carro custa quase tanto como ter um filho, e nós também temos de ter carro para nos deslocar… Nunca fui uma mãe de ambicionar dar tudo ao meu filho.

Como classificaria a juventude actual em poucas palavras?

Muito gananciosa. Estão sempre a querer muito. Os miúdos hoje são muito ambiciosos e há poucos jovens preocupados em manter as tradições e as culturas locais. Vêem-se poucos jovens nos ranchos folclóricos, por exemplo.

Essa fúria consumista foi gerada por gerações anteriores. Os jovens limitam-se a ir na onda...

Exactamente. Na minha família, por exemplo, ir jantar fora, viajar, passar férias nunca foi visto como uma prioridade. Só a partir dos meus 14 anos é que soube o que era ir a uma loja de roupa. Partilhávamos a roupa de irmã para irmã. As nossas férias era estar em família.

Onde costuma passar férias?

Este ano tirei uns dias para estar em Sesimbra só com o meu marido e depois fomos passar uma semana ao Baleal. Nunca fazemos férias programadas, mas procuramos sempre praias mais tranquilas.

“Qualquer dia não temos mecânicos nem pedreiros”

Simpatiza com algumas causas da juventude actual, como os direitos dos animais, a luta contra as alterações climáticas, o movimento LGBT?

Acho que são todas importantes, mas causas que me despertem mais atenção são mais as campanhas de luta contra a fome, por exemplo. Se bem que as questões climáticas devem ser olhadas com muita atenção.

E se fosse ponderado o regresso do serviço militar obrigatório?

Não era contra. Não tanto tempo como antes, mas acho que o serviço militar obrigatório faria muita falta a boa parte dos jovens em determinada idade.

Os jovens hoje não se interessam pelas profissões mais manuais, mais físicas.

Sim, qualquer dia não temos mecânicos, não temos pedreiros. Quem é que vai construir as nossas casas daqui a uns anos?

Qual é a sua maior ambição na vida?

É mesmo ser feliz, ajudar quem precisa e contribuir para que o país tenha um futuro mais risonho.

O seu marido lida bem com o facto de ter uma esposa autarca e às suas ausências por causa da política?

Ele é muito compreensivo. Tenta acompanhar-me sempre que pode, e sei que gosta, mas há dias em que não é fácil aturar-me (risos). Há situações que testam os nossos limites.

Já alguma vez se ‘passou da cabeça’ na política, para usar um termo popular?

Não. Faço muito trabalho de casa a nível psicológico, muita auto-análise, reflicto sobre como lidar com determinada pessoa ou determinada crítica. Sou habitualmente uma pessoa calma e que tenta pensar duas vezes antes de responder. Não preciso de calmantes nem de comprimidos para dormir.

É daquelas pessoas que nunca se engana e raramente tem dúvidas?

Não, todos os dias tenho dúvidas. Peço a Deus todos os dias humildade para admitir quando estou errada e quando estou certa. Independentemente da idade, devemos ser humildes para aceitarmos tudo.

Deus é importante na sua vida?

Muito! Cada vez mais. Acredito que Deus anda sempre muito perto e que as coisas acontecem porque têm que acontecer e nos estavam destinadas. Todos os dias há situações difíceis para resolver, mas no meu dicionário não há a palavra impossível.

Que mensagem deixa à juventude actual?

Que participem mais nas freguesias, que se envolvam mais em projectos, mesmo que tenham medo de errar. Toda a gente erra e estamos sempre a aprender. Que se envolvam mais na cultura, porque é através da cultura e das tradições que somos o país que somos.

Pode-se definir como uma mulher do campo, sem desprimor?

Sim, sou uma mulher do campo. Não me vejo a ir para outro lado.

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