Entrevista | 12-09-2023 15:00

António Camilo: “o concelho da Golegã estava a precisar de uma grande mudança”

António Camilo: “o concelho da Golegã estava a precisar de uma grande mudança”
António Camilo tem 63 anos e está nos seus planos recandidatar-se a um novo mandato

António Camilo vai completar dois anos como presidente da Câmara da Golegã e assume ter todas as condições para continuar a liderar os destinos da autarquia durante muitos anos.

Turismo, educação e habitação são os principais desafios que tem pela frente, sem esquecer muitos outros, como tornar a Feira Nacional do Cavalo auto-sustentável. Uma conversa sobre o percurso de um homem que se diz do povo e que tem na família o seu porto de abrigo.

António Camilo é um homem tranquilo, de fácil trato, e gosta de olhar nos olhos das pessoas quando fala com elas. O seu aspecto físico, corpulento, contraria o que é em termos emocionais: uma pessoa que assume ter muitas fragilidades, embora as tente ultrapassar diariamente com força de vontade e com a procura incessante de ser um melhor pai e homem de família. Tem quatro filhas, duas delas gémeas. A conversa com O MIRANTE começa com um desabafo incomum para alguém que é presidente da Câmara da Golegã há dois anos, embora leve mais de uma dezena enquanto autarca, oito dos quais como presidente da Junta da Golegã: uma das suas filhas sofre de problemas graves de saúde e passar a mensagem de que a saúde mental é a doença do futuro tem sido uma das suas missões enquanto representante político.
António Camilo nasceu em Angola, onde viveu até aos 16 anos. Os seus pais eram fazendeiros. Quando veio para Portugal, contra a sua vontade, foi estudar para Aveiro onde viveu em casa de uma tia. Um ano depois chegou ao Ribatejo quando um dos seus irmãos comprou o café/restaurante Santo António, onde trabalhou enquanto estudava. Antes de ir para a tropa, o seu tio, que era presidente da Câmara de São João da Pesqueira, proporcionou-lhe um estágio naquele município. Conheceu a primeira mulher, casou, e entrou na câmara da Golegã em 1980 na área da dactilografia. Mais de quatro décadas depois, e após cumprir funções sobretudo na área administrativa e finanças, é eleito presidente do município por um movimento independente, embora apoiado pelo PSD. Pelo meio foi dirigente em várias associações do concelho, destacando-se a presidência do Futebol Clube Goleganense e a direcção dos bombeiros voluntários.
Diz que não tem arrependimentos e que dorme descansado durante a noite. A presidência da autarquia deu-lhe alguns quilos a mais, que anda a tentar perder com uma alimentação mais equilibrada. Não se descai muito em relação à sua vida amorosa actual, embora revele que tem alguém “muito especial” que lhe dá muita força para encarar o dia-a-dia.
A conversa com O MIRANTE decorreu no seu gabinete, situado paredes-meias com o salão nobre do edifício dos Paços do Concelho, às 11h00 de uma quarta-feira…

Como tem sido o seu dia? É engraçado, julgo ser a primeira vez que me perguntam isso numa entrevista. Os meus dias são muito repetitivos nos últimos dois anos. Levanto-me todos os dias por volta das 06h30 e meto o correio em dia, olhando para alguns emails e respondendo a outros. Procuro estar todos os dias às 8h00 no estaleiro para dar uma palavra aos funcionários que vão para a rua. Muitas vezes dou-lhes referências de coisas que têm para fazer porque recebi mensagens de munícipes a alertarem-me. Por volta das 9h chego ao gabinete, embora nunca marque reuniões para antes das 10h00 de forma a ter tempo de planear o dia.
Hoje, por exemplo, tem a agenda preenchida? Já estive na Azinhaga e Golegã a acompanhar o projecto “Just a Change”, uma associação de voluntários que recupera habitações para atribuir a famílias carenciadas. Tenho uma reunião com a Casa do Povo do Pombalinho; vamos lá almoçar para ouvir e perceber quais as dificuldades. À tarde tenho de assinar despachos da divisão financeira e vou reunir com algumas colectividades. Gosto é de estar com pessoas.
Não leva trabalho para casa? Evito trabalhar em casa à noite. Moro com uma das minhas filhas gémeas e ela está a passar por alguns problemas de foro psicológico. Precisa do meu apoio e tenho de estar disponível para isso. Prefiro começar a trabalhar de manhã cedo para poder passar tempo com ela, nomeadamente quando tenho de preparar algum discurso.
A doença mental ainda é tabu? Desde que estamos a viver esta situação que vejo as coisas com outros olhos. Julgo que as pessoas estão a modificar a sua forma de viver com a doença mental, até porque vai ser a doença do futuro, no meu ponto de vista. Inclusivamente falo nisso em reuniões com autarcas da comunidade intermunicipal. Recentemente recebemos o ministro da Saúde e alertei para o facto de ser uma péssima decisão encerrar a Urgência de Psiquiatria do Hospital de Santarém. A saúde mental é primordial para haver saúde e bem-estar no seu todo. O Estado tem de ter um foco muito grande nesta situação.
O que mudou desde que é presidente de Câmara da Golegã? Fui presidente de junta durante oito anos e adorei. Acho que o presidente de junta está mais perto dos cidadãos, embora aqui tente fazê-lo todos os dias. Fico feliz quando as pessoas me dizem que não sentem que tenha mudado em relação ao que era, porque também sinto isso. Sinceramente acho que ter sido presidente de junta me ajuda a ser um melhor presidente de câmara porque compreendo as dificuldades das pessoas. Ainda assim, reconheço que as papeladas e burocracias do dia-a-dia roubam-me tempo para estar com as pessoas.
Falta tempo aos presidentes de câmara para serem autarcas? As burocracias absorvem muito tempo, mas o facto de pertencer a conselhos de administração de empresas intermunicipais, à comunidade intermunicipal e comissões de acompanhamento, como é o caso daquela que está a estudar a localização do novo aeroporto, tira-me a possibilidade de ser o ‘verdadeiro’ autarca que anda na rua a resolver problemas e a ouvir as pessoas.
Sente-se com mais estatuto? Nunca senti isso, pelo contrário. Posso partilhar que até as minhas filhas comentam que chego ao restaurante ou a um café e tenho a mesma postura informal que tinha e que, acho, sempre vou ter. Tenho quatro filhas, duas do primeiro casamento, e duas gémeas com 23 anos de uma segunda relação. Uma delas está a trabalhar no estrangeiro.
É conhecido por ser um homem do povo. Revê-se nessa classificação? Perfeitamente, até porque quando estou com as pessoas falamos todos a mesma linguagem. Não falo de alto, mas quando estou com pessoas de uma classe mais elevada tento sempre acompanhar, sempre defendendo os interesses do povo.
Tem mais amigos hoje? Tenho mais conhecidos, os amigos mantêm-se. Posso ter pessoas, duas ou três, que não me olham da mesma forma, mas também não tenho inimigos. Quando tomei posse como presidente da câmara houve uma pessoa com quem eu não falava há muitos anos que veio dar-me os parabéns.
Dez anos como autarca é tempo suficiente para perceber se ganhou ou perdeu mais com a política? A nível pessoal e emocional ganhei. Há uns anos quando era presidente de junta, no início do segundo mandato ou no final do primeiro, um aluno de uma das nossas escolas perguntou-me se gostava mais de ser presidente de junta ou do Futebol Clube Goleganense. Hoje perguntam-me se gosto mais da câmara. Vou ser sincero: gosto muito do que faço agora, e faço-o com sentido de missão, mas gostava mais de ser presidente de junta pela ligação que tinha às pessoas. Embora saiba que agora trabalho para elas com outro sentido de responsabilidade e tenho mais influência na sua qualidade de vida.
Quem manda na Câmara da Golegã? Sou eu, o presidente de câmara, sem a mais pequena dúvida. Tenho o privilégio de trabalhar com dois vereadores excelentes, o Diogo Rosa e a Manuela Veiga. É claro que eles também tomam decisões nas suas áreas, mas mesmo assim tenho sempre uma palavra a dizer.
Há quem diga que o seu chefe de gabinete é uma pessoa difícil… Tem um feito especial, que não agrada a todos, mas trabalhamos juntos há muitos anos e entendemo-nos muito bem. A nível de aconselhamento tenho muita confiança nele e ajuda-me sempre quando é preciso redigir algum texto e falar em público. Mantemos uma relação de respeito.
Costuma dar murros na mesa? Muito raramente. Há 10 ou 15 anos, em muitas situações, já tinha partido a loiça toda, mas agora tenho outra maturidade. Tenho 63 anos e já penso três ou quatro vezes antes de tomar qualquer atitude. Mesmo quando falamos de opções políticas prefiro pensar muitas vezes para não me precipitar. Às vezes não consigo, como já aconteceu, e depois fico com peso na consciência. Prefiro não o ter porque não gosto de viver assim.

Educação, habitação e turismo

Quais são os principais desafios enquanto autarca na Golegã? Quando tomámos posse fizemos uma radiografia à casa para saber onde começar. Uma das coisas que acho que estava a ser muito mal explorada, embora tenhamos a Feira Nacional do Cavalo, era o sector do Turismo. Quando criámos há dois anos a marca ‘Visit Golegã’ foi com a intenção de vendermos todo o concelho e o que de melhor tem para oferecer. O cavalo é o ex-líbris, mas também temos a Biblioteca Municipal José Saramago, a Casa-Estúdio Carlos Relvas, a Reserva Natural do Paul do Boquilobo, o Museu da Máquina de Escrever, o Museu Rural, o Museu Municipal Martins Correia…
O museu municipal não está subvalorizado? Sim, bastante até, porque está mal localizado. Estamos a estudar a hipótese de o deslocar para junto da Igreja Matriz, na zona do pelourinho. Estamos na parte de orçamentação, uma vez que é necessário fazer um conjunto de obras e investimentos para acomodar as obras do mestre Martins Correia.
Voltando aos desafios como autarca…. Quer queiramos quer não, o Turismo é a alavanca do mundo e conseguimos realizar investimento para o dinamizar na Golegã. A Educação não é menos importante e, também por isso, decidimos melhorar as condições da comunidade escolar que, na minha opinião, estavam deploráveis. Investimos na requalificação e no reapetrechamento das escolas, nomeadamente com a aquisição de quadros interactivos, nos transportes escolares, na criação de um curso profissional de gestão equina, entre outras.
A habitação é um problema na Golegã? A Golegã tem muito espaço para crescer, até porque a nossa Estratégia Local de Habitação aponta para isso. Não havendo casas devolutas, a Golegã tem muitas segundas habitações que só são utilizadas na Feira Nacional do Cavalo. Há casas que podiam ser arrendadas durante o ano, mas isso não acontece porque as pessoas querem tê-las disponíveis para a Feira, onde conseguem ganhar muito dinheiro com o arrendamento. Surgiu-nos há pouco tempo a possibilidade de adquirir terrenos para construção de casas com rendas acessíveis, através do PRR. É disso que precisamos para captar e fixar famílias.
Tem conseguido arranjar trabalhadores para trabalhos menos qualificados? Tem sido uma grande complicação. Tentamos ir buscar pessoas ao fundo de desemprego, mas não querem trabalhar. Quando vêm pedir emprego quase que exigem uma função que lhes permita trabalhar das 09h00 às 17h00, com ar condicionado se possível. Quando falamos em trabalhar em alguns fins-de-semana fogem com o rabo à seringa. Parece que falta humildade a algumas pessoas.
A sinalização na vila parece dificultar a vida aos condutores. É para alterar? Tem que ser feito trabalho para facilitar a vida às pessoas que circulam dentro da vila. O nosso engenheiro da divisão de Obras, o engenheiro Acácio, está a terminar um estudo para garantir isso mesmo. A Dom João IV, que é a rua principal, tem todas as condições para funcionar nos dois sentidos. Não digo a todos os veículos, mas pelo menos aos ligeiros, e isso vem dar muito melhores condições aos residentes.
As lagoas da Golegã são para preservar? Preservar. Inclusivamente temos um estudo feito pela divisão do Ambiente para que as lagoas tenham um papel importante nos níveis freáticos dos terrenos, também por causa da agricultura que é um dos sectores mais importantes da nossa região.
Já pensa em recandidatar-se à presidência da câmara? Está nas minhas previsões recandidatar-me. Em dois anos só agora é que estamos a começar algumas obras que tínhamos projectadas e não as quero abandonar a meio, até porque está no meu horizonte ser presidente de câmara oito anos. Penso que os 12 anos é esticar um bocadinho a corda e sei sair na altura certa. Não gosto de me eternizar nos cargos.

A ponte da Chamusca é uma aberração

Como é que olha para o problema da ponte da Chamusca? É um entrave para o desenvolvimento da região. É um tema debatido em 90% das nossas reuniões da CIMLT. A minha opinião é a mesma: façam uma ponte onde quiserem, junto à Chamusca, em Constância, em Abrantes, mas façam-na e retirem o trânsito pesado desta. A ponte da Chamusca é uma aberração, aliás, nem devia existir algo parecido no mundo civilizado em que vivemos. Acho que há falta de vontade política do Estado para alterar o cenário e melhorar a vida das populações e das acessibilidades em vários concelhos.
Como quer ver daqui para a frente a Feira Nacional do Cavalo? Queremos fazer a Feira Nacional do Cavalo auto-sustentável, porque não tem sido e tem potencial para isso. Fazemos isso angariando patrocinadores e expositores que podem pagar mais pelo espaço. No ano passado implementámos um novo espaço de refeições que resultou na perfeição e que não existia. Foi mais uma fonte de receita. Aumentámos também a fonte de receita das pessoas que se queriam inscrever com os seus cavalos. No futuro vamos ter que encontrar um espaço para retirar a maior parte das barracas do largo da feira. Vai ter que ser um espaço atractivo. Queremos que no largo da feira se circule com mais facilidade e segurança.
Os caminhos de Saramago na Golegã deviam ser potenciados? Falei com O MIRANTE há uns tempos nessa necessidade e estamos a trabalhar para conseguir torná-la realidade. Falei nisso recentemente com o novo presidente da Entidade Regional de Turismo do Ribatejo e Alentejo, José Santos, e também achou que tem de ser algo que deve constar no plano de actividades e na parceria que iremos desenvolver no futuro.
Um aeroporto internacional na região era… A cereja no topo do bolo (risos). Tenho participado em reuniões da comissão de acompanhamento com os municípios de Torres Novas, Santarém e Alcanena, e acredito que a nossa localização é a melhor, principalmente pelo projecto que é suposto implementar. A Golegã seria beneficiada atraindo pessoas e investimentos e acredito que temos todas as condições para que isto aconteça. Ficaria super feliz por ver o meu concelho como parte integrante das rotas internacionais. Se tivermos que lidar com uma crise de crescimento brutal…venha a crise de crescimento!.

O funcionário que fez frente ao presidente da câmara

Foi funcionário da câmara durante 40 anos. Há algum momento que queira partilhar? Trabalhei sempre com os presidentes de câmara, respeitei todos e dei-me sempre ao respeito. Trabalhava na parte de administração, finanças e contabilidade, e sei perfeitamente como se faz um orçamento de câmara. Acho que não ter rabos de palha e ser uma pessoa consensual é uma das coisas de que mais me orgulho.
Como ganhou confiança para fazer frente a um dos seus mentores? O José Veiga Maltez [anterior presidente de câmara] tem um feitio muito próprio. Posso partilhar que votei nele uma vez nas várias que se candidatou à câmara. Considero que um dos seus maiores defeitos enquanto liderou esta autarquia foi escutar pouco a opinião dos outros. Depois também o vi, e não fui só eu, demasiado acomodado ao cargo e pensei que o concelho da Golegã estava a precisar de uma grande mudança.
Se se cruzar com José Maltez cumprimenta-o? Sem problema nenhum. Há pouco tempo estive com ele e cumprimentámo-nos cordialmente.
Como é a sua relação com as freguesias? Com o Pombalinho não tem sido fácil… A Junta de Freguesia do Pombalinho é a mais distante do concelho e é natural que queiram mais atenção porque também sentem essa distância. Foi uma freguesia que ganhámos e que está muito próxima de Santarém, sede distrito, e isso também não ajuda. Tem sido difícil por vezes, mas acho que melhores dias virão.
As freguesias precisam de mais investimento? A delegação de competências nas juntas de freguesia foi uma grande medida, porque executam melhor algumas tarefas que o próprio município. Sou um defensor da delegação de tarefas quando é para melhor, e as juntas conhecem melhor os seus territórios e sabem o que fazer para os melhorar.

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