Entrevista | 28-11-2023 15:00

Nuno Serra: “não tenho saudades da Assembleia da República”

Nuno Serra: “não tenho saudades da Assembleia da República”
Nuno Serra é o novo secretário-geral da Confagri tendo sido deputado à Assembleia da República pelo círculo de Santarém durante oito anos

Nuno Serra assumiu recentemente o cargo de secretário-geral da Confagri - Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal. Afirma que a renovação geracional é um dos grandes problemas da nossa agricultura e que sem imigração a nossa produção agrícola ficaria comprometida. Para trás ficou um percurso político como deputado à Assembleia da República, vereador da Câmara de Santarém e líder concelhio e distrital do PSD. Diz que esteve demasiado tempo no Parlamento e garante que está hibernado da política partidária.

Nuno Serra, 50 anos, foi deputado durante duas legislaturas (2011-2019), vereador na Câmara de Santarém, líder concelhio e distrital do PSD, é presidente do Rugby Clube de Santarém há alguns anos e recentemente assumiu o cargo de secretário-geral da Confagri. A vida tem-lhe corrido bem e ele próprio o admite, ressalvando que há sempre momentos altos e outros mais baixos. Fez carreira no sector privado tendo até este ano trabalhado numa multinacional na área da consultoria e tecnologia. Assume-se como um executor. Não parece ter saudades da política partidária e foca-se agora nas questões do mundo rural. Nesta conversa assume um discurso institucional decorrente das funções que agora desempenha evitando controvérsias.

É formado em Engenharia e Gestão Industrial e trabalhou até há pouco tempo como consultor numa empresa de tecnologia da informação e serviços. Foi a política que lhe abriu a porta de entrada na Confagri?
Acho que teve as duas partes. A política fez-me conhecer muitos dos actuais administradores e o presidente da Confagri, mas, efectivamente, para ser contratado para este cargo tinha que ter um percurso em termos profissionais que o justificasse. Fui contactado para me candidatar ao lugar e a partir daí cumpriram-se todos os trâmites do recrutamento normal.
E está satisfeito com a opção tomada?
Muito satisfeito. O ambiente do mundo rural é completamente diferente do mundo das tecnologias. É um ambiente muito saudável, onde acreditamos e trabalhamos para que os outros acreditem que o que produzimos é bom. Só conseguimos estar no mundo rural e nestes cargos se acreditarmos que o que Portugal produz é bom e que devemos produzir mais para alimentar a nossa gente.
Já tinha ligações ao sector agrícola?
Não. A minha ligação à agricultura é de viver em Santarém. Todo o meio ambiente que me rodeia está ligado à agricultura, a maior parte dos meus amigos estão ligados ao sector. Quando fui para o Parlamento surgiu a oportunidade de integrar a comissão de Agricultura e acabei por tomar contacto mais aprofundado com o sector. Já conhecia muita gente das feiras que frequentava de uma forma lúdica, mas sedimentei esses conhecimentos a partir do momento que comecei a trabalhar com eles enquanto deputado. Na Câmara de Santarém também tive o pelouro da Agricultura onde me relacionei com muitas instituições e tudo isso acabou por trazer esse conhecimento.
Qual é o papel da Confagri numa altura em que Portugal atravessa problemas graves na agricultura?
O primeiro papel é conseguir que o sector agro-alimentar seja mais reconhecido. Porque sendo reconhecido as pessoas vão comprar mais do que é nosso, obrigam-nos a ter mais produção nacional e tudo isso gera valor económico.
Muita gente opta pelo mais barato e não tanto pela origem do produto. Como se dá a volta a isso?
Isso traz um problema que cada vez mais temos que equacionar e que parte também do perímetro europeu onde estamos inseridos. Existem exigências internas para que os nossos produtores não utilizem determinados fito-fármacos, que cumpram o bem-estar animal, etc… E isso encarece o produto. Mas depois estamos sujeitos a uma concorrência desleal, que a Europa permite, de produtos de países terceiros, de fora do espaço europeu, que não cumprem essas regras. Só em termos de segurança social e de protecção aos trabalhadores Portugal é um dos países onde a legislação é mais proteccionista. O que é bom. Mas tudo isso são custos para os empresários e para os produtores que depois vão concorrer com países que não protegem os seus trabalhadores, que não dão férias aos seus trabalhadores e que por isso têm o produto mais barato. Existe aqui uma concorrência desleal com que a Europa não tem conseguido lidar.
Se não fosse a imigração a nossa produção agrícola estaria comprometida?
Estaria. Hoje dependemos muito dessa imigração que vem para cá trabalhar.
E há sensibilização dos vossos associados para que sejam observados os direitos laborais dessas pessoas?
Que eu saiba nunca houve problemas com qualquer associado da Confagri. Partimos do princípio de que isso está na consciência de cada um e que todas as pessoas têm perfeita noção do que devem fazer. Mas há sempre quem passe essas linhas vermelhas. Destratar o próximo ao ponto da quase escravatura, para nós, é inqualificável. As pessoas têm de ser todas respeitadas e ter os direitos que merecem à luz da nossa legislação. Quem entra em Portugal para trabalhar deve ter os mesmos direitos dos que já cá estão.
Quais as vossas principais preocupações enquanto grande organização ligada ao mundo rural?
A primeira grande preocupação é que os agricultores mantenham o seu rendimento. A produção agrícola é muito volátil. A agricultura está sujeita às alterações climatéricas; está sujeita às guerras que causam problemas nas cadeias de abastecimento e que vão implicar directamente com os factores de produção; está sujeita às inflações, está sujeita aos covids. Isto tudo condiciona aquilo que é o preço. Geralmente, temos uma pressão enorme para que não subam o preço ao produtor. Quando o preço de um produto no supermercado se mantém, aumentando isto tudo, alguém está a reduzir margens. O nosso grande objectivo é que os agricultores mantenham os seus rendimentos. Só isso nos garante a segurança alimentar e que temos bons produtos na mesa. E se existir a noção de que a actividade agrícola é rentável também vamos ter jovens a querer entrar na agricultura porque a renovação geracional é um grande problema actualmente.
Nunca pensou dedicar-se à agricultura?
Gostava muito e se calhar, um dia, poderei experimentar…
Já teve alguma experiência nessa actividade?
Sim, em jovem, nas férias do liceu, ia para a apanha do tomate, para a vindima, acompanhava um veterinário em Santarém. É um trabalho muito são, de contacto com a natureza.
Há aquela ideia feita de que os nossos agricultores estão sempre a queixar-se e a reclamar apoios. A nossa agricultura não vive sem os subsídios?
A agricultura consegue viver sem os subsídios, os consumidores é que acho que não iriam conseguir viver sem esses subsídios. Porque o dinheiro que vem não é para o agricultor, é para que os produtos sejam mais baratos ao consumidor. Se tivermos que incorporar todos os custos inerentes à produção de um determinado produto num hectare de terra sem uma ajuda para isso os custos vão ser muito maiores. As ajudas são para que possamos ter produtos de qualidade a preços acessíveis.
A Confagri é uma grande associação de produtores que, no entanto, a CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal) diminuiu ao afastar da direcção do CNEMA – Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas, em Santarém. Como estão as relações entre as duas entidades?
Estão bem. Temos a perfeita consciência que somos complementares e que juntos seremos mais fortes. E serão sempre mais as coisas que nos unem do que aquelas que nos separam.
Esse acto de hostilidade por parte da CAP, no final de 2019, já foi reparado entretanto?
O acto de hostilidade foi no passado. Tenho responsabilidades na Confagri desde Fevereiro deste ano como secretário-geral adjunto e desde Outubro como secretário-geral. O que posso dizer neste momento é que as relações com a CAP são cordiais e de comunicação. Temos a consciência que só trabalhando em conjunto, seja com a CAP, a CNA ou a AJAP, conseguimos ultrapassar os obstáculos.
A Confagri gostava de voltar a ter assento na administração do CNEMA?
Isso é uma questão que só a nossa administração poderá responder. Mas não vejo nenhum problema. Já lá esteve no passado e se nos voltar a ser posta essa questão tenho quase a certeza que dirão que sim. Mas essa não é uma questão fulcral da nossa actividade. O CNEMA é uma empresa onde nós somos accionistas e onde podemos estar na administração ou não.
O assunto merece ser aflorado porque a Confagri esteve sempre na administração do CNEMA, onde têm assento poucos accionistas, até, em 2019, ser afastada pela CAP.
Houve efectivamente questões no passado que levaram a isso e das quais penso que não faz sentido estar a dissecá--las. O que nos interessa é o futuro. E neste momento temos boas relações com a CAP e trabalhamos em conjunto nas situações em que é possível.
Enquanto accionista do CNEMA como é que a Confagri vê o facto de a CAP não ter convidado a ministra da Agricultura para a Feira Nacional de Agricultura nem para a Agroglobal, dois grandes certames do sector, ao contrário do que vinha sendo prática?
A administração do CNEMA tem toda a legitimidade.
Considera natural que não se convide a ministra do sector para feiras tão importantes?
O que diria é que, independentemente das nossas lutas políticas e reivindicações, achamos que devemos ter uma posição institucional. Cada um tem o seu papel na defesa do mundo rural: a CAP mais numa óptica sócio-profissional; nós numa óptica mais sócio-económica. Temos os nossos espaços e temos as nossas formas de luta e de reivindicação. É legítimo ao CNEMA ter feito o que fez e que foi decidido pela sua administração; do nosso lado consideramos que as posições institucionais estão acima de determinadas querelas.

Projecto Tejo é essencial

Que opinião tem sobre o trabalho desenvolvido pela ministra da Agricultura?
O problema do Ministério da Agricultura é que não tem uma estratégia clara para o que queremos para o nosso mundo agrícola nos próximos anos. As medidas são tomadas ad-hoc, há uma postura de reacção. Não temos também uma estratégia clara para a água, por exemplo. Devíamos estar preocupados com a água que cai do céu e que não aproveitamos porque não criámos infraestruturas para isso.
O chamado Projecto Tejo, que é falado já há alguns anos, poderia ser uma solução?
Era essencial. E é por isso que digo que não tem havido uma estratégia clara por parte do Governo. Devíamos ter apostado mais no regadio. Só podemos ter boas produções, só podemos ter agricultura competitiva, se houver regadio. E estamos pouco virados para isso. Precisamos de criar reservatórios, de ter mais água armazenada...
Custa-lhe ver o rio Tejo tão desaproveitado face ao seu potencial?
Custa. O Tejo tem um potencial enorme em diversas áreas. Há zonas ribeirinhas que conseguiram aproveitar mais essa proximidade.
O poder autárquico também tem a sua quota parte de responsabilidade...
Aqui em Santarém sempre estivemos condicionados pela linha de caminho-de-ferro. Tivemos alguns momentos em que pensámos que nos iríamos libertar dessa cruz que Santarém tem, mas não foi possível.
Tem esperança que um futuro Governo possa rever as prioridades e voltar a inscrever a variante ferroviária a Santarém no plano de investimentos?
Claro que sim. Um dos princípios que os governos devem ter é potenciar as diferentes regiões através de infraestruturas, para que possam crescer. Espero que no futuro haja um Governo que olhe para esta região com uma atenção especial e que se consiga aproveitar muito melhor o rio Tejo.

“Acho que já tive a minha dose na política”

Foi deputado pelo PSD durante duas legislaturas, de 2011 a 2019. Ficou com saudades da Assembleia da República?
Nenhumas. Foi uma experiência e acho que cumpri. A minha vida até 2011 foi sempre no sector privado. Surgiu a oportunidade de ser deputado e não disse que não. Gostei de ir e de exercer o primeiro mandato, mas estive tempo de mais como deputado. Provavelmente não devia ter feito o segundo mandato. Foi um erro. Devia ter regressado mais depressa para a área onde gosto de estar. Tive boas experiências mas não tenho saudades. Sou muito mais executivo. Gosto de ver fazer acontecer e no Parlamento não se faz acontecer, faz-se aparecer. O Parlamento é a arte da percepção.
Mas sempre dá currículo…
No estado em que estão as coisas não sei se será bem assim (risos)… Tem havido uma degradação daquilo que é a função política ao longo dos tempos.
Continua a haver aquela ideia de que na política se ganha bem para aquilo que se faz.
Acho que é uma má ideia. Diz-se isso porque muitas vezes se compara o ordenado de um deputado com o ordenado de um professor ou de um médico. Mas não são os políticos que ganham assim tão bem, são os professores ou os médicos que ganham mal. Somos um país onde os salários são baixos. Temos é que criar condições no país para que todos ganhem melhor. Os políticos têm uma função muito nobre e importante. Se queremos ter os melhores na política temos que criar condições para isso e uma das condições é que se sintam devidamente recompensados.
Desinteressou-se da política ou continua a andar por aí?
Gosto de política e continuo a acompanhar a política. Tive o meu tempo como deputado, como dirigente partidário, e quando voltei à área empresarial senti que devia fazer uma paragem porque vi alguma degradação na política. No sector privado temos que sentir todos os dias que estamos a criar mais valias, que estamos a acrescentar valor. O tempo político é diferente e não se sente que estejamos a criar esse valor imediato. O tempo da economia, de dar oportunidade às pessoas que querem investir, é muito mais rápido do que o tempo da política a decidir. E muitas vezes a oportunidade desaparece porque o tempo da política não acompanhou o tempo da economia.
O seu partido (PSD) vai ter forçosamente que apresentar um novo candidato a presidente da Câmara de Santarém. Tem alguma preferência?
Não. Apesar de ter partido, religião e clube de futebol, neste momento, nas funções de secretário-geral da Confagri, decidi estar hibernado da política partidária. Não me vou envolver no processo e só espero que, seja qual for o candidato, tenha uma visão de futuro importante para Santarém e que continue a desenvolver o potencial que o concelho tem.
Esta solução governativa na Câmara de Santarém, uma aliança entre PSD e PS, foi do seu agrado?
Na altura não foi do meu agrado, mas não me expressei sobre isso. Quem foi eleito teve a legitimidade para decidir. Penso que os diferentes partidos políticos devem constituir-se como alternativas aos outros, tem que haver alternância. E só em casos de força maior é que deve haver acordos de regime totais. Penso que não era o que estava a acontecer em Santarém. O PSD tinha o seu caminho a percorrer e na altura achei que não faria sentido, mas é legítimo e, pelo que sei, as coisas têm estado a funcionar.
Custou-lhe digerir a derrota na eleição para a distrital do PSD contra João Moura em 2018?
Não me custou a digerir porque foi uma oportunidade de fazer o by-pass para o meu mundo. Sou muito democrata, o João Moura ganhou e teve toda a legitimidade para assumir os destinos da distrital. Na vida democrática uns dias temos derrotas, noutros temos vitórias. Acima de tudo, espero que o distrito tenha ficado mais bem servido e se as pessoas pensam assim…
Foi difícil ver alguns companheiros de partido aqui de Santarém ao lado do outro candidato?
Sou muito transparente, sou leal e tenho um respeito enorme por toda a gente. São valores que trago do rugby. E se houve pessoas que acharam que deviam deixar de apoiar o Nuno Serra para apoiar o João Moura, e tinham razões substantivas para isso, que o tenham feito. Sei bem quais são os meus valores e os meus princípios, cada um trata dos seus. Se essas pessoas se sentiram realizadas, óptimo! Mesmo que isso não se coadune com os valores que defendo.
Perdeu algumas amizades na política?
Acho que ganhei mais do que perdi.
João Moura tem sido o líder distrital que o PSD de Santarém precisa?
Temos visões diferentes da forma de fazer política. Tal como na gestão e em tudo na vida temos caminhos e visões diferentes. Cada gestor gere da sua forma e o mesmo se passa na política, onde cada um faz política da forma que acha mais correcta.
Há pouco dizia que estava hibernado da política. Pensa um dia voltar?
Não se deve dizer nunca a nada e não sabemos os desafios que poderemos enfrentar no futuro. Mas acho que já tive a minha dose na política. Gosto muito do que faço hoje no mundo empresarial, estou concentrado nestas funções que estão também a exigir muito de mim e a dar-me um gozo enorme. Estou comprometido com isso e espero tão cedo não voltar à política partidária.

O rugby é uma segunda família

Apesar das novas funções como secretário-geral da Confagri Nuno Serra ainda consegue arranjar tempo para continuar a ser presidente do Rugby Clube de Santarém (RCS). O rugby é uma paixão. Foi praticante, é presidente há alguns anos e diz ser gratificante ver o crescimento do clube. Nos últimos seis anos a equipa sénior masculina foi duas vezes à final do campeonato e esteve a um pequeno passo de subir à divisão maior do rugby nacional. Nuno Serra diz que enquanto puder irá tirar sempre um bocadinho do seu tempo para o rugby, que considera uma segunda família e um escape para a rotina do dia-a-dia.

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