“É inevitável quadruplicar a linha de comboio à superfície em Vila Franca de Xira”
Carlos Fernandes, vice-presidente da Infraestruturas de Portugal (IP), diz que o alargamento da Linha do Norte em Vila Franca de Xira vai mesmo avançar à superfície com ou sem acordo dos autarcas e avisa que o projecto que ajudou a desenhar vai ser uma realidade inevitável.
Tal como O MIRANTE já tinha noticiado o projecto de alargamento da ferrovia prevê a demolição da actual estação de Alhandra, a demolição do antigo edifício da Cimpor em Alhandra que incluía as academias de dança da Euterpe Alhandrense, o abate de 160 árvores, a construção de uma nova estação em VFX e a destruição de parte do Jardim Constantino Palha, entre outras consequências.
Com ou sem alta velocidade o troço de ferrovia entre VFX e Alhandra teria de ver as suas linhas duplicadas à superfície?
Há muito que queremos crescer a oferta e isso é impossível hoje com a infraestrutura que existe. Temos em hora de ponta quatro suburbanos, dois regionais e dois longo curso naquelas duas linhas e com isto esgotamos a sua capacidade. Quando cruzamos um comboio de longo curso com um suburbano que pára nas estações todas temos um problema de capacidade complicado. Para se ter uma ideia, na linha de Sintra temos dez a 12 suburbanos por hora e por sentido. Em VFX temos quatro. É uma oferta muito curta. Podíamos ter comboios suburbanos cruzados, de VFX para Sintra ou Alcântara, que não temos porque falta infraestrutura. A construção de duas novas linhas resolve este problema.
Conseguirá a CP garantir essa oferta depois da quadruplicação?
A CP vai conseguir aumentar a oferta pois está a fazer a maior compra de comboios de sempre em Portugal. Quando esta linha estiver concluída a CP terá material circulante para aumentar em muito a oferta. O executivo da Câmara de VFX já questionou a CP sobre isto e a CP confirmou que tem disponibilidade e capacidade, quando houver infraestrutura, para aumentar a oferta neste corredor. Se tivermos os comboios e não tivermos a linha é que não nos serve de nada. Este é um serviço liberalizado e já hoje temos operadores privados a querer fazer serviço entre Lisboa e Porto. A B-Rail, por exemplo, já se candidatou e não há canal. É essencial criar competitividade neste serviço, tirar as pessoas da estrada e metê-las no comboio. Esclareço: mesmo com as linhas para a alta velocidade continuaremos a ter comboios de longo curso a circular na Linha do Norte, para o Entroncamento e Santarém.
Ou seja, cai por terra a ideia de fazer um canal autónomo fora da cidade para a alta velocidade.
Correcto. Mesmo com um corredor novo continuaríamos a ter o problema de congestionamento da oferta na Linha do Norte. Precisamos sempre de quadruplicar a linha. E criar um corredor novo só para a alta velocidade era criar um novo rasgo no território sem resolver o principal problema, que é reforçar a oferta de suburbanos em VFX. E na linha actual a barreira já existe.
Como viu a posição tomada pelo município defendendo o enterramento da linha?
Pareceu-me uma posição muito razoável. O que os autarcas dizem é que concordam connosco. Que esventrar VFX com outro corredor alternativo não faz sentido. Querem que demonstremos que a solução enterrada não é exequível, já explicámos porquê, e presumo que depois desse esclarecimento haja abertura para discutir o resto. Já trabalhámos muito com o executivo e já apresentámos soluções para o enquadramento da estação, etc... É mais um passo no processo.
Por que motivo o túnel não foi considerado?
Em Alhandra a solução túnel é totalmente impossível. Só cortando a circulação na Linha do Norte durante quatro anos e isso é inviável operacionalmente. Em VFX, teoricamente, é exequível embora apresente um conjunto grave de problemas. Construir quatro novas linhas em túnel a uma cota diferente da actual implica abrir uma trincheira de 25 metros ao lado do canal existente, do lado do rio, numa escavação de 4,5 km cravando estacas a 20 metros de profundidade. O rendimento médio de uma máquina para as colocar são seis metros por dia. Significa que a primeira parte do trabalho, sem mexer em mais nada, demoraria anos, sem falar na necessidade de demolir a Fábrica das Palavras e arrasar totalmente com o Jardim Constantino Palha…
Mas também se fez uma estação de metro no Terreiro do Paço.
Não estou a dizer que é impossível. O homem já foi à lua. Mas isto seria das obras mais complexas que teríamos em Portugal. Sem contar com as demolições adicionais de edifícios que seriam necessárias. O túnel é uma obra que pode custar 600 milhões de euros. E todos sabemos o que aconteceu na Praça do Comércio em Lisboa. Os níveis freáticos eram tão altos como em VFX, a água entrou no túnel do metro, tivemos a obra parada durante anos com custos adicionais de dezenas de milhões de euros, até com o Ministério das Finanças em risco de colapsar. O túnel é uma obra com riscos brutais. É preciso ter noção e bom senso sobre este valor. A ponte Vasco da Gama custou 800 milhões. A modernização da Linha da Beira Alta, que são 200 km, custou 600 milhões. Íamos gastar em dois km em VFX tanto como custou o corredor sul de 90 km. Lidaríamos com riscos enormes na construção e operação, com inundação dos túneis, da obra, colapso de terrenos, inundações do lado de VFX quando cortássemos a ligação pluvial ao rio, etc...
O alargamento à superfície é então a solução final que vão apresentar ao Governo?
Sim. A quadruplicação da linha à superfície é inevitável e vai avançar. Um túnel em Alhandra é impossível tecnicamente e em VFX porque os custos e riscos são de tal forma exorbitantes que se torna impossível e inviável para a IP programar uma obra dessas. É preciso ver que os impactos do nosso projecto têm sido muito exagerados e as pessoas têm sido um bocadinho enganadas. É o jogo político, de interesses, era mais fácil para nós vender a solução de túnel, falávamos disso e depois não era exequível. Em Alhandra as pessoas ficarão melhor com uma estação nova com melhores condições e vamos compensar os estacionamentos e as árvores. Em VFX vamos criar uma nova estação e eliminar uma das passagens de nível mais perigosas do país. Não digo que esta solução é melhor que o enterramento, mas a solução que estamos a propor melhora muito o que já lá existe hoje. Se não fizermos nada é pior para VFX.
O estudo de impacte ambiental avança no próximo ano?
Temos de apresentar à avaliação de impacte ambiental as alternativas que consideramos exequíveis para VFX e esta é uma delas. Será este nosso projecto ou não fazer nada e deixar tudo como está. Esperamos ter isto fechado no princípio do próximo ano para apresentar o projecto de execução durante o ano seguinte (2025).
Já que a obra avança à superfície VFX vai ser compensada pelos incómodos?
Somos a empresa pública que trata do projecto, não tratamos das outras compensações. Essa é matéria que o Governo terá de discutir com os autarcas de VFX.
Foi coincidência nunca terem resolvido ao longo de décadas o problema da mortífera passagem de nível do cais de VFX para agora o destacarem como uma das virtudes do novo projecto?
Já houve uma solução em viaduto junto da praça de toiros para acabar com essa passagem de nível mas foi chumbada porque impactava a praça de toiros. Essa passagem de nível preocupa-me muito e isto vai permitir acabar com ela. Com esta quadruplicação vamos eliminar todas as passagens de nível que ainda existem no concelho e criar mais estacionamento junto às estações.
Com lugares gratuitos?
À partida gratuitos ou combinados com o passe para salvaguardar lugar para quem usa o comboio.
Quanto vai custar o projecto de alargamento à superfície?
Não temos presente os números. Mas é mais barato que fazer o túnel.
Então não sabem o valor mas sabem que é mais barato que o túnel?
Todo o investimento na quadruplicação é muito inferior ao que custaria o túnel nessa zona.
Vai dormir sossegado com este projecto? Não teme ser visto como um vilão em VFX?
Estou profundamente descansado com a qualidade do projecto que estamos a submeter. Acho que pode ser ainda mais melhorado com o trabalho que fizermos com as forças vivas locais. Estou tranquilo e disponível para voltar a VFX sempre que formos convidados para falar deste projecto. Estamos disponíveis para voltar a uma reunião de câmara se necessário e durante a avaliação ambiental vamos insistir junto da Agência Portuguesa do Ambiente para que promova uma sessão de esclarecimento em VFX para as pessoas serem novamente esclarecidas.
Viaduto afastado das casas em Vila Nova da Rainha
Uma das preocupações que têm tido os moradores de Vila Nova da Rainha, em Azambuja, é a possibilidade de um dos viadutos do futuro traçado de alta velocidade ficar a 50 metros das habitações. É verdade?
Essa possibilidade já foi resolvida. O viaduto foi afastado para uma distância superior a 300 metros dos prédios que lá existem e o plano alternativo já foi apresentado à Câmara de Azambuja.
Um novo aeroporto em Alverca não seria uma mais valia para a alta velocidade nacional?
Cada macaco no seu galho. O meu galho é a ferrovia (risos). Vai haver notícias em breve sobre o aeroporto e Alverca não está sequer a ser avaliada. Quando andámos a olhar para isto Alverca estava no mesmo alinhamento da Portela e por isso teria de ser um aeroporto dentro do rio, em cima do mouchão…
Em 2016 o Estado foi condenado a pagar 150 milhões ao consórcio do TGV pela obra não ter avançado. O que nos garante que desta vez a obra avança?
Há muitas diferenças entre os dois projectos, o facto da troika ter chegado ao país, por exemplo. Hoje a alta velocidade é perfeitamente consensual. Não há ninguém a dizer que não quer este aumento de capacidade da ferrovia. Vamos ter uma candidatura a fundos comunitários de 729 milhões em Janeiro, com possibilidade de ter mais 300 milhões adicionais para financiar este projecto. Temos de aproveitar.
Não se sentiu responsável pelo atraso civilizacional onde a nossa ferrovia chegou tendo sido desmantelada até ao ponto em que algumas linhas estão praticamente moribundas como a linha do Oeste?
As pessoas que nos governaram tiveram de fazer escolhas e a capacidade do país de investir na ferrovia era diferente há dez ou 15 anos. Na altura optámos por fazer auto-estradas, que também era uma infraestrutura absolutamente necessária. Se calhar fizemos demais mas muitas delas eram essenciais para o país. Não vamos menosprezar esse investimento. Podemos ter feito mais do que precisávamos, mas temos hoje uma das melhores redes rodoviárias do mundo. A rede ferroviária está abaixo do que podia ser e temos de investir nela. Felizmente estamos a fazê-lo de forma construtiva, ouvindo as pessoas, as empresas e as regiões. Investir na ferrovia está a ser uma prioridade.
Não era mais significativo fazer uma ligação decente entre Lisboa e Madrid em vez de poupar alguns minutos entre Porto e Lisboa?
Quem faz o planeamento não é a IP. Há um Plano Nacional de Investimentos que foi sujeito a consulta pública e foi discutido com as várias entidades. A Linha do Norte está completamente congestionada. Nos 1.600 comboios que fazemos diariamente 44% usam a Linha do Norte. Ao não conseguirmos ter mais comboios nessa linha temos um estrangulamento do país. Se falarmos em mercadorias, 92% dos comboios do país precisam da Linha do Norte. A única solução é tirar o longo curso das linhas existentes para uma linha nova e deixar o resto livre. Estamos a propor uma solução de 1h15 entre Lisboa-Porto. Temos hoje 120 milhões de viagens de carro para o Porto, mais de um milhão de viagens de avião e seis milhões de viagens de autocarro e as pessoas só mudam para o comboio se for uma solução competitiva. A nossa estimativa é termos 60 serviços por dia e por sentido na nova linha. É uma diferença da noite para o dia.
E Lisboa-Madrid?
Está a ser construído o maior troço em Portugal nos últimos 100 anos, entre Évora e a fronteira e isso vai permitir, com as obras do lado espanhol, reduzir para cinco horas a ligação entre Lisboa e Madrid. Com a terceira ponte sobre o Tejo reduziremos esse tempo para três a quatro horas que já começa a ser competitivo.
Uma vida ligada à ferrovia
Carlos Alberto Fernandes foi nomeado vice-presidente do Conselho de Administração Executivo da Infraestruturas de Portugal (IP) para completar o mandato de 2015-2017 substituindo José Luís Ribeiro dos Santos e ficou até hoje. Licenciado em Engenharia Civil pelo Instituto Superior Técnico em 1991 e Mestre em Transportes pelo IST em 1995, chegou a ser adjunto do ministro do Planeamento e das Infraestruturas e de Setembro de 2012 a 24 de Novembro de 2015 foi parceiro de gestão da Mobilidade Consultores, desenvolvendo e acompanhando soluções integradas em Parcerias Público-Privadas na área das infraestruturas e dos transportes. Foi CEO da RAVE, empresa pública responsável pelo desenvolvimento do Projecto Ferroviário de Alta Velocidade em Portugal de 2005 a Agosto de 2012. Foi responsável da REFER Património, empresa responsável pela gestão do património, designadamente as áreas de gestão das estações ferroviárias, estacionamento e publicidade. Entre 2001 e 2002 foi consultor financeiro da Parcerias Saúde, agência governamental responsável pelo desenvolvimento de novos hospitais sob modelo de PPP e concessão e foi assistente no Departamento de Engenharia Civil do IST, tendo leccionado as cadeiras de Transportes, Engenharia Rodoviária e Vias de Comunicação. Carlos Fernandes foi também consultor financeiro da NAER SA, empresa pública responsável pelo desenvolvimento do novo aeroporto de Lisboa e pela privatização da ANA entre 2000 e 2002.
À margem - Opinião
O homem que vai mudar a da zona ribeirinha de Vila Franca de Xira
Em entrevista exclusiva a O MIRANTE na sede da IP em Lisboa, com vista para o Tejo, Carlos Fernandes, o homem que enfureceu a comissão de utentes de Vila Franca de Xira dizendo que a alta velocidade não passa na cidade sem fazer sangue, falou sobre o projecto polémico que, em Janeiro, vai avançar para a fase de estudo de impacte ambiental e que, se tudo correr como planeado, chega ao Governo em 2025 para entrar em obra em 2026. Fez-se acompanhar na entrevista por Cândida Castro, engenheira da IP responsável por toda a componente ambiental do que vai ser o estudo de impacte ambiental do projecto. Resumidamente, a população pode contar com uma escolha simples: ou este projecto ou nada. Carlos Fernandes é o homem que ficará na história por alterar totalmente a face da zona ribeirinha de Vila Franca de Xira e de boa parte da vila de Alhandra.
Carlos Fernandes reconhece alguns impactos no projecto agora apresentado mas garante que a IP esgotou todas as alternativas para possíveis soluções e até surpreende dizendo que a ideia de fazer um túnel em VFX até seria teoricamente possível, mas que os riscos associados à sua construção são demasiado graves para o tornar realidade. Numa conversa onde pediu bom senso aos líderes políticos, lembrou que a noção dos impactos junto da comunidade têm sido exagerados por algumas forças políticas locais e garante não ter medo de ficar com a cabeça a prémio no concelho.