Catarina do Vale: a psicóloga que tem vindo a ganhar poder na Câmara de Benavente
Catarina do Vale licenciou-se em Psicologia Clínica e foi nesta área que entrou para estagiar na Câmara de Benavente, em 2005.
Foi depois psicóloga no Agrupamento de Escolas de Samora Correia e acabou por ser convidada para integrar as listas da CDU. É vereadora há uma década, actualmente com responsabilidades de substituir o presidente nas suas ausências, e não descarta a possibilidade de ser candidata à liderança do município. Aficionada confessa, casada com o crítico tauromáquico Maurício do Vale, é também presidente do Centro de Recuperação Infantil de Benavente.
Afeiçoou-se ao cargo de presidente de Câmara de Benavente nos cerca de quatro meses em que presidiu às reuniões do executivo devido à doença do presidente?
Não me afeiçoei ao lugar. Foi um período difícil para todos porque o presidente estava doente e a grande preocupação centrava-se nele. Tive uma equipa muito boa que nos acompanhou e acho que correu bem, dentro do possível. Tenho um sentimento de dever cumprido.
O que pensa da decisão do presidente Carlos Coutinho querer levar o mandato até ao fim?
Teve um período de doença mais complicado mas neste momento está perfeitamente em condições e por isso vai levar o mandato até ao fim. Está nas suas plenas capacidades e tem projectos e ambição. Vamos cumprir com o que dissemos à população.
Se a CDU a convidar para ser cabeça-de-lista à Câmara de Benavente aceita?
Estou concentrada no projecto que assumi até 2025. Essa é a minha preocupação. Fomos a eleições com um caderno de encargos ambicioso e o meu foco é terminar o mandato com o que me comprometi fazer.
O vereador Hélio Justino (CDU) tem perfil para ser o próximo presidente da autarquia?
A CDU, ao longo dos tempos, tem tido uma forma particular de escolher os candidatos por auscultação de todos os simpatizantes, militantes e pessoas próximas do partido. Para mim faz muito sentido avaliar o trabalho feito e analisar as potencialidades de cada um para o futuro. É claro que o vereador Hélio tem capacidade, mas a escolha não depende dele nem de nenhum de nós mas da estrutura colectiva que vai definir, a seu tempo, quem será o candidato.
A CDU perdeu todas as câmaras municipais que tinha no distrito de Santarém à excepção de Benavente. As divergências internas podem contribuir para que a CDU perca a que lhe resta?
A decisão é sempre da população e acho que o que está em causa é a avaliação que a população faz do trabalho realizado por esta equipa ao longo dos anos. Riscos todos temos. Mas a convicção de quem está no projecto é fazer melhor.
Acordo com o PS tem corrido bem
Quem vão ser os principais adversários da CDU nas próximas legislativas?
Não estamos focados no futuro. O PSD já anunciou a candidata publicamente mas o resto não sei. Estamos a dois anos das eleições e ainda há muito para discutir nos partidos.
Teme uma escalada do Chega no concelho?
Não estou convicta de que possa acontecer. O Chega tem eleitos na assembleia municipal e uma vereadora que passou a ser independente. É um partido novo mas não creio que possa chegar a um patamar de gerir os destinos do município, com todo o respeito.
O acordo pós eleitoral com o PS saiu melhor que a encomenda?
As coisas têm corrido bem. O vereador do PS tem vindo a fazer um bom trabalho com o apoio do executivo CDU e dos serviços.
Então se fosse eleita presidente de câmara não tinha problema em fazer nova coligação com o PS?
Olhando para o que acontece hoje teria tomado as mesmas decisões que foram tomadas.
Por que é que nunca abdicou da sua condição de independente e não se filiou no PCP?
Sempre estive ao lado daquilo dos objectivos desta equipa. Identifico-me com o projecto autárquico da CDU mas entendi que devia ser independente e assim me vou manter. Mas isso não retira nada aos princípios da CDU neste projecto autárquico e que são importantes para a população.
Apenas 9% das mulheres estão à frente de câmaras municipais no país, menos três que no mandato anterior. A vida política continua a ser talhada por homens e para os homens?
É uma questão histórica. A lei da paridade veio tentar equilibrar as coisas mas ainda é um mundo onde há mais homens. As mulheres ainda têm uma indisponibilidade maior, associada à vida familiar, e acho que é esse o motivo. Mas existe respeito e consideração pela mulher autarca. Pessoalmente, sempre me senti acolhida pelos colegas com quem lido directamente e com quem me cruzo.
O que faz falta às mulheres ou à sociedade para que o sexo feminino cresça em lugares de poder?
A lei da paridade devia estar nos 50/50 e ainda não está. Mas se olharmos à nossa volta existe um conjunto de mulheres, vice-presidentes, e que de futuro podem vir a ser candidatas. Tem de haver apoio nas estruturas municipais porque são muitas horas que passamos em serviço. Trabalhamos dez, 14 horas, e a família sai prejudicada.
Passa a ideia de ser de pulso firme. É só fama ou também tem o proveito?
Gosto de ser assertiva e tenho valores que me permitem ser correcta. Na nossa vida tem de haver assertividade no que fazemos e dizemos. Essa postura pessoal é transportada para a minha vida profissional.
Faz sentido para si a freguesia de Samora Correia ser concelho?
O nosso município tem esta característica e acho que o concelho, da forma como se divide, levanta problemas de gestão porque temos dois pólos urbanos. Mas a sede de concelho está bem onde está.
Quando se faz uma obra em Benavente tem de se fazer outra em Samora Correia e vice-versa. Ter esta política não é alimentar o bairrismo e a rivalidade entre as duas freguesias?
Não concordo com esse tipo de política. O que faz sentido é dar a resposta certa em função das necessidades que cada localidade tem. Ambas as freguesias têm um crescimento demográfico acentuado, o que leva a serem criadas as mesmas infraestruturas mas não na perspectiva de fazer igual nos dois lados. Continua a existir bairrismo mas vou lutar para que não exista. Recuso-me a fazer essa divisão geográfica.
Benavente foi o concelho do distrito que mais cresceu em termos populacionais. A autarquia acautelou este crescimento demográfico?
Temo-nos vindo a preparar para este crescimento. Mas tivemos um fenómeno migratório. No Agrupamento de Escolas de Samora Correia temos mais de 600 alunos estrangeiros com cerca de 30 nacionalidades diferentes. Estamos atentos e a crescer em função disso. A carta educativa, que vai agora à assembleia municipal, acautela já estas questões. Estamos preparados para as dores de crescimento.
Se fosse hoje teria tomado outras opções para solucionar o problema dos pais que não têm vagas nas creches para os filhos?
O modelo de actuação em Benavente é de parceria com as IPSS, que têm mais conhecimento na área da infância e idosos. Em relação às creches municipais, a legislação não permitia que o programa Creche-Feliz fosse implementado neste modelo. Agora a lei mudou e já é possível, mas o que acontecia, caso a opção fosse essa, era que os pais iam pagar um valor significativo. Foi uma opção política consciente de que é este o caminho.
Mas novas creches têm verbas do PRR…
Numa análise breve que fiz ao diploma percebi que os valores que estão a ser financiados têm uma percentagem de comparticipação muitíssimo baixa. Por exemplo, uma creche em Benavente com 84 vagas não será um investimento inferior a um milhão e 650 mil euros. De acordo com as nossas contas 84 utentes vezes quatro mil euros, que é a comparticipação, dá 360 mil euros. Quem paga um milhão e 300 mil euros. Quando nos dizem que existem avisos de abertura e que não concorremos esta é a realidade, incomportável para as instituições. O financiamento do PRR não é suficiente para suportar os custos.
“Estamos preparados para o desafio do novo aeroporto”
Um aeroporto no campo de tiro da Força Aérea é a solução para pôr Benavente no mapa? Acredita que é desta que a infraestrutura é construída?
É importante não apenas para Benavente mas para a região. O estudo da comissão técnica independente foi muito assertivo e parece-nos que não há outra solução senão o campo de tiro. Permitirá a ferrovia passar no nosso concelho e estamos preparados para este desafio. Queremos manter a nossa identidade e não vir a ser um conjunto de betão. Do ponto de vista económico somos um concelho atractivo e mesmo antes do aeroporto já estávamos a ser procurados.
Uma das criticas a este mandato é a falta de resposta aos munícipes. Ainda são efeitos negativos da pandemia?
Fazemos esforços para responder a todos os municípios mas é difícil porque o volume de solicitações tem vindo a aumentar. Nas obras particulares temos uma equipa que trabalha arduamente para dar resposta em tempo útil. Em alguns momentos não corresponde ao que o requerente pretende, mas alguns dos processos que entram precisam de aperfeiçoamentos técnicos. Mas temos margem para progressão…
Existe uma aposta na desburocratização dos processos?
Temos uma plataforma online em que houve um período de adaptação. Às vezes é confusa e nós próprios tivemos de nos adaptar. Mas temos capacidade para melhorar.
A Câmara de Benavente é muitas vezes acusada pela oposição de falta de estratégia e visão. Revê-se na critica?
Cada um tem a sua forma de ver o futuro. Aos nossos olhos, a nossa é a forma correcta mas entendemos que os outros partidos políticos tenham uma visão diferente. Não me revejo.
A insolvência da Benagro é um sinal de que apostar as cartas todas num produto agrícola, como o arroz carolino, pode não ser a melhor estratégia para o desenvolvimento do turismo?
Não podemos fazer essa leitura. Estamos a falar de uma cooperativa de agricultores em que a gestão correu mal. Não podemos misturar isso com aquilo que é a nossa estratégia na promoção e valorização de um produto, que vai para além da Benagro e que tem um impacto económico importante.
Dorme descansada com mais de oito mil pessoas sem médico de família no concelho?
Este executivo municipal tem feito tudo o que está ao nosso alcance para resolver o problema. Conseguimos colocar um médico a servir Foros da Charneca, Foros de Almada e Santo Estêvão e queremos que vá também à Barrosa. Este é um problema do país e que tem a ver com estratégias mal implementadas e agora não temos médicos para contratar. Temos muitos jovens a querer tirar Medicina mas é-lhes vedada a oportunidade de ir para a universidade. Não é um aluno com valores de 17 ou 18 que vai ditar se será um bom médico. As políticas que foram adoptadas têm de ser revistas.
As Unidades Locais de Saúde (ULS) vão solucionar alguma coisa?
As ULS têm mais alguma capacidade de acção e autonomia…vamos ver. Em Janeiro passam para a câmara os assistentes operacionais, os vigilantes e a requalificação e manutenção do edificado. A nossa ideia é delegar as competências para a gestão do centro de saúde. Tal como fizemos para as escolas em que delegámos o pessoal aos directores dos agrupamentos.
Que experiência é que lhe trouxe a gestão do Centro de Recuperação Infantil de Benavente (CRIB)?
Foi algo que surgiu naturalmente na minha vida. Para mim é mais do que uma Instituição Particular de Solidariedade Social porque cresci no CRIB. A minha mãe foi educadora-de-infância na instituição. No dia em que o então presidente da Câmara de Benavente, António José Ganhão, me convidou fiquei surpreendida. O CRIB dá-me mais do que lhe dou. Em termos pessoais tem sido uma grande experiência. Penso todos os dias como posso fazer os jovens felizes durante mais tempo.
Nunca se arrependeu de entrar para a política?
Nunca pretendi ser política. As coisas foram acontecendo na minha vida. Não era um objectivo mas que ao longo destes dez anos tem-me trazido uma experiência extraordinária. O saldo, em termos de crescimento pessoal e profissional, é muito positivo.
Já se desiludiu?
Não. São processos naturais. Fazemos coisas com muito empenho e umas vezes funcionam bem e outras menos. O importante é ter convicção que fazemos de acordo com a nossa visão e responder às necessidades da população. Mas, na verdade, desilusões macro nunca tive, só coisas normais do dia-a-dia.
Paixão pela festa brava já vem de família
Catarina Pinheiro do Vale nasceu a 11 de Abril de 1979 em Lisboa, onde passou parte da infância. A paixão pelo mundo tauromáquico já vem de família. O avô era campino e o pai e irmão foram forcados. É casada com Maurício do Vale, conhecido crítico tauromáquico, e não tem filhos. Diz que os 30 anos de idade que os separam nunca foram um problema, até porque vivem como se a diferença não existisse.
Licenciou-se em Psicologia Clínica e foi nessa área que entrou para estagiar na Câmara Municipal de Benavente em 2005. Antes de entrar na política foi psicóloga no Agrupamento de Escolas de Samora Correia onde a equipa multidisciplinar que integrava deu lugar mais tarde ao plano Salute.
Mantém-se presidente do Centro de Recuperação Infantil de Benavente, um cargo não remunerado, e para o qual foi convidada por António José Ganhão. Em 2013 entrou para o seu primeiro mandato enquanto vereadora na Câmara Municipal de Benavente e está há uma década enquanto autarca independente eleita pela CDU.