Preços dos vinhos nos restaurantes são escandalosos e margens de lucro são um abuso
Frederico Falcão, ribatejano de gema nascido na Chamusca e criado em Abrantes, foi eleito há pouco mais de um ano em Santarém para o segundo mandato na ViniPortugal, uma organização privada sem fins lucrativos, fundada em 1996, que trabalha com meio milhar de produtores na promoção dos néctares portugueses no estrangeiro.
Com uma vida ligada sempre ao vinho, Frederico Falcão, que já foi presidente do Instituto da Vinha e do Vinho, fica chocado com os preços das cartas de vinhos nos restaurantes onde chegam a ser praticadas margens de lucro de 400%. Não se envergonha de dizer que já bebeu vinhos de mesa e que um vinho caro não é necessariamente melhor que outro mais barato. É um apaixonado por espumantes e acredita que já não compensa fazer vinho a martelo. Desconfia que a mudança das direcções regionais de agricultura para as comissões de coordenação e desenvolvimento regional vai correr mal porque quando há muitos a mandar não há um rumo.
Um vinho para ser bom tem que ser regional, DOC ou reserva?
Não necessariamente. Mas os vinhos classificados têm a garantia de um controle de qualidade. À partida são vinhos que não têm defeitos porque são mais controlados. Há vinhos não certificados com bastantes defeitos, mas pode haver alguns com qualidade.
Nunca bebe vinho de mesa?
Bebo às vezes. Não com regularidade, até porque o meu trabalho na ViniPortugal é promover os vinhos certificados, que são produzidos em Portugal com uvas portuguesas. Os vinhos de mesa podem ser misturas com vinhos importados. Mas já bebi alguns bons.
O que é para si um vinho bom?
Essa é uma pergunta muito difícil. Sou técnico, fiz vinhos durante 18 anos. A minha percepção de um vinho bom não é necessariamente igual à percepção da generalidade das pessoas. Um vinho bom é aquele que um de nós bebe, gosta e repete. É uma questão de gosto.
Ainda se faz vinho a martelo?
Hoje em dia já não compensa, atendendo ao preço do açúcar e ao facto de haver uvas tão baratas. Não compensa estar a adulterar vinhos, quer pelo custo, quer pelo resultado final. E o mercado está tão competitivo que se os vinhos não forem bons e bem produzidos são difíceis de vender.
Quando vai a um restaurante o que pensa quando vê os preços dos vinhos?
Os preços dos vinhos nos restaurantes começam a ser um escândalo, sobretudo em Lisboa, que se vale do efeito turismo e de os estrangeiros terem poder de compra superior ao nosso. Ao subirem demasiado os preços estão a castigar o sector. Há uns anos os restaurantes praticavam cerca de 100% de margem e achávamos muito. Agora vêem-se margens de 200%, 300% ou 400%. Já é demais. Pegam em vinhos que compram relativamente baratos e metem nas cartas a preços astronómicos, é um abuso. Isso prejudica bastante o sector porque baixa o consumo. Parece que é o vinho que tem que pagar o que não ganham na refeição.
Qual é que tem de ser a estratégia para o futuro dos vinhos portugueses?
Estamos a trabalhar em 21 mercados e vamos ter alguns ajustes, mas em termos de linha de actuação não vai mudar muito daquilo que estamos a fazer. Já estamos relativamente bem posicionados no trabalho com os líderes de opinião, com jornalistas, com importadores. Temos que fazer um trabalho um bocadinho mais profundo para chegar aos consumidores, às pessoas que vão ao supermercado, ao restaurante ou à loja de vinhos.
É estranha a passagem das direcções regionais de agricultura para as CCDR
Estamos num edifício que pertence ao Instituto da Vinha e do Vinho. É inevitável perguntar se faz sentido o IVV ter acabado com os serviços que tinha a nível regional e local e ter deixado o património ao abandono.
Fui seis anos presidente do IVV. Quando aderimos à União Europeia o instituto perdeu bastantes funções e mais tarde, em 2004, houve bastantes alterações em termos de estrutura. É um instituto público que se mantém na dependência do Ministério da Agricultura, que não tem verbas do Orçamento de Estado, e é o sector que paga o IVV. O sector tem dois interlocutores: o IVV enquanto entidade pública e a ViniPortugal, enquanto entidade privada, que trabalham em estreita articulação.
Afinal qual é o papel hoje do IVV?
Gere o cadastro da vinha em Portugal, embora não tenha delegações por todo o território nacional. Gere o programa comunitário do sector com apoios de 62 milhões de euros anuais. Controla a medida da destilação voluntária.
Concorda com a passagem das direcções regionais de agricultura, como a de Lisboa e Vale do Tejo, para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional?
Achei muito estranha esta passagem. Desconfio que possa não vir a funcionar muito bem porque neste momento as direcções regionais de agricultura têm várias tutelas e acho que quando um organismo tem várias tutelas torna-se mais complicado ser gerido. Quando há vários chefes a mandarem é muito difícil gerir, perceber o caminho, o rumo.
A Chamusca que perdeu as vinhas e a importância socio-económica das cooperativas
Como é que era a Chamusca da sua infância?
Era muito mais divertida, um pólo de atracção das terras à volta. Lembro-me que vinham pessoas das terras vizinhas à noite e aos fins-de-semana à Chamusca. Hoje a vila está mais parada. Na infância íamos para o Tejo, para o clube agrícola que também já não existe, fazíamos carrinhos com rolamentos e descíamos a rampa do bairro. Era uma infância mais perigosa, fazíamos disparates incríveis, enquanto hoje em dia os miúdos estão agarrados aos computadores. Enfim, nem sei como é que esta geração conseguiu sobreviver a tantos disparates.
A Chamusca tinha uma adega cooperativa que há anos se está a degradar.
O meu gosto pelo sector do vinho vem da adega cooperativa, que tinha algumas colheitas emblemáticas. Lembro-me das de 80 e de 83. A minha avó tinha vinhas no campo da Chamusca e recordo-me de ir com o meu pai à adega ver as fermentações dos vinhos. Cheguei a trabalhar nas vindimas nas férias. Foi uma experiência de que gostei bastante.
As exigências na apresentação e imagem dos vinhos coaduna-se com as estruturas cooperativas?
As cooperativas são muito importantes em termos de suporte a esta actividade, que tem muitos pequenos viticultores. A viticultura faz parte da economia de muitas famílias. Já temos demasiadas marcas e se cada um destes viticultores não tivesse onde entregar as uvas, nomeadamente nas adegas cooperativas, seria muito mais caótico. Viu-se o que aconteceu quando a adega da Chamusca desapareceu. Hoje quase não há vinhas no campo.
As vinhas da sua família também despareceram com o fecho da adega?
Os terrenos foram a partilhas. A minha mãe ficou com uma parte, a minha tia com outra, o meu tio com outra, mas ninguém tem vinhas.
Como é que vê o trabalho das adegas cooperativas de Almeirim e do Cartaxo?
São duas adegas que consolidaram a sua imagem em termos de qualidade começaram a ter vinhos com gamas mais altas. Estas cooperativas têm estado a ajudar, talvez o Cartaxo um bocadinho mais, a posicionar os vinhos num segmento mais alto para conseguir trazer mais sustentabilidade económica ao sector. Quanto mais caros conseguirem vender os vinhos, melhor vão conseguir pagar as uvas.
Tantas marcas de vinhos confundem os consumidores e não dão visibilidade internacional
Um vinho bom tem de ser necessariamente caro?
A realidade não é essa. É verdade que as pessoas olham para os vinhos e acham que os mais caros são os melhores. Muitos no acto da compra, apesar de considerarem isso, acabam por comprar os mais baratos. A verdade é que os vinhos custam muito a produzir e os custos com garrafas, fertilizantes, tratamentos, mão-de-obra, também subiram, mas o aumento dos preços dos vinhos são inferiores, o que tem implicações na sustentabilidade.
Mas a ideia que se tem é que o vinho dá dinheiro…
Muitos viticultores perdem dinheiro e só estão agarrados à profissão por tradição, por amor ao terreno e por amor às vinhas. As uvas desses agricultores têm de ser bem remuneradas e isso só se consegue se conseguirmos vender melhor os vinhos e subir os preços.
Em que medida é que a existência de muitas marcas de vinhos afecta o sector?
Confunde claramente o consumidor. Estou ligado à área dos vinhos desde que saí da universidade e considero-me uma pessoa que conhece relativamente bem o que se passa no sector e quase diariamente sou confrontado com uma marca que nunca vi. Para o consumidor é o caos tentar conhecer marcas. Tantas marcas acabam por não dar visibilidade internacional aos nossos vinhos. Trabalhamos com mais de 500 produtores na promoção em 21 países. No fundo passamos o nome de Portugal, mas depois algumas marcas não têm visibilidade. Falta a Portugal ter marcas um bocadinho mais fortes com um grande volume para conseguirem ser conhecidas lá fora. Se tivermos duas ou três marcas de grande dimensão com orçamentos para se promoverem, isso ajuda muito à visibilidade do país e a puxar pelos pequenos produtores.
A forma como estão divididas as regiões vitinícolas é a melhor?
Temos 14 grandes regiões… Os critérios de delimitação das regiões são muito mais políticos do que propriamente técnicos ou científicos. É mais uma designação ou uma delimitação estratégica política. Por exemplo na região do Tejo, os vinhos que são produzidos no Sardoal ou em Tomar têm um perfil muito diferente daqueles que são produzidos em Coruche ou em Almeirim porque têm condições climáticas, de solo. Se faz sentido estarem dentro do mesmo chapéu, não faz. Mas se fossemos delimitar as regiões por características especificas seria o caos.
Até há uma região de Lisboa que, como diz o povo, não tem vinhas.
Foi uma jogada inteligente da região que se chamava Extremadura e que não dizia nada a ninguém. O nome da capital dá muito mais reconhecimento.
Como é que viu a questão da mudança da designação de vinhos do Ribatejo para Tejo?
Estive envolvido nisso. Causou alguma polémica. Lembro-me de artigos de O MIRANTE sobre isso. Mas acho que a jogada foi boa. O Ribatejo, apesar de há muito tempo já produzir vinhos de grande qualidade, tinha uma conotação negativa junto dos consumidores. O Tejo caracteriza e é uma marca da região, uma região mais moderna a produzir vinhos num estilo mais internacional e longe daquilo que foi o Ribatejo que fornecia vinhos para as tascas de Lisboa.
O gosto pelo vinho que nasceu na Chamusca
Frederico Falcão nasceu na Chamusca, a terra da sua mãe, e viveu a infância e juventude na terra do pai, Abrantes. As férias eram passadas na Chamusca onde chegou a vindimar nas vinhas da família e onde ganhou o gosto pelos vinhos quando ia à adega cooperativa da vila com o pai ver o processo das fermentações dos vinhos. A família já não tem vinhas, mas quando tiver tempo pensa comprar uma vinha na região do Tejo ou do Alentejo para criar e voltar a ser enólogo, profissão que desenvolveu em vários produtores como Esporão, Companhia das Lezírias, onde também foi director do departamento vitivinícola e oleícola, Pegos Claros e Fundação Abreu Callado. Não é vitivinicultor agora porque com as funções que tem entende que deve ser equidistante.
É primo do cantor José Cid mas a música não é o seu forte e costuma dizer que se quiserem acabar com uma festa é meterem-no a cantar. Licenciado em Agronomia, pela Universidade de Évora, com uma pós-graduação em Enologia, pela Universidade Católica do Porto, Frederico Falcão foi reeleito para o segundo mandato como presidente da ViniPortugal em Santarém, na assembleia-geral que se realizou no Cnema em 17 de Março do ano passado. Antes tinha sido administrador delegado da Bacalhôa, uma das empresas de maior referência em Portugal, presidente do Instituto da Vinha e do Vinho e vice-presidente da Associação Portuguesa de Enologia.
Para além dos vinhos o que sabe fazer bem é cozinhar e gosta de pratos sofisticados. Vive em Alcochete, é divorciado e tem uma filha e um filho, a quem costuma dar a cheirar os vinhos que abre em casa. Estudou em Abrantes e era bom aluno até ao 12º ano “que foi uma desgraça” por causa do namoro. Depois do curso fez um estágio para o Esporão, durante seis meses, e acabou por ser nessa empresa que entrou no mercado de trabalho em 1995 e esteve por lá seis anos tendo chegado a director de qualidade. Nascido em 26 de Janeiro de 1970, nunca viveu em Lisboa e a sua base pessoal e familiar é em Alcochete. Continua a ir à Chamusca, agora menos desde que a mãe morreu. A Abrantes já ia muito poucas vezes porque já há poucas ligações familiares, que se resumem a uns primos.
Pessoa de fé, católico, tanto bebe tintos, como brancos, rosés ou verdes. Mas os seus vinhos preferidos são os espumantes. Em termos gastronómicos diz que passou a vida a gostar mais de carne e hoje é um adepto de peixe. Gosta de uma refeição gourmet, mas também já se sentou à mesa de tascas. Assume que gosta da festa brava e que se conseguir vai à Festa da Ascensão na Chamusca.