Entrevista | 08-06-2024 12:00

Francisco Jerónimo: o engenheiro que quer deixar obra na Associação de Futebol de Santarém

Francisco Jerónimo: o engenheiro que quer deixar obra na Associação de Futebol de Santarém
Francisco Jerónimo, presidente da Associação de Futebol de Santarém, diz que a empreitada de construção da Academia de Futebol arranca ainda este ano

Chefiou o departamento de obras municipais da Câmara de Santarém e esteve ligado a diversas obras relevantes na cidade, que gostava de ver como um grande pólo de atracção da região.

Francisco Jerónimo tem uma empresa de engenharia civil e é presidente da Associação de Futebol de Santarém, que celebra 100 anos com um recorde de atletas inscritos. Um dos seus focos é acompanhar até ao fim a construção da academia de futebol, que vai nascer na capital de distrito em parceria com o município. Diz que falta representatividade e força política na região e que o estado em que o rio Tejo se encontra é reflexo disso.

A Associação de Futebol de Santarém (AFS) está a celebrar 100 anos. A construção da Academia de Futebol em Santarém é a prenda com que sonhava? Era um sonho de muita gente, não só meu. Hoje não há mais atletas inscritos na AFS, quer em futebol quer em futsal, por insuficiência de infraestruturas desportivas. Fizemos um estudo exaustivo das 103 infraestruturas que os nossos clubes utilizam, o estado em que estão, o nível de ocupação.
E que realidade encontraram? Fundamentalmente de escassez. O rácio de população do distrito em termos de infraestruturas desportivas é baixíssimo; mesmo em relação ao número de atletas inscritos também é baixíssimo. É natural haver pavilhões e campos ocupados das seis da tarde até quase à meia-noite. E o futebol feminino é um dos que está a pagar mais o preço dessa falta de equipamentos, tal como o futsal.
A Academia do Futebol vai ajudar a mitigar essa carência? A Academia do Futebol é um projecto pensado aproveitando a porta que a Federação Portuguesa (FPF) abriu às associações de futebol distritais e regionais. Fez um fundo para ser utilizado a fundo perdido, mediante candidatura. A partir do momento em que isso foi aprovado, desafiámos a Câmara de Santarém para uma parceria. Temos 600 mil euros a fundo perdido, decidimos fazer um projecto em conjunto e definimos regras de utilização em protocolo, assinado em Janeiro de 2023. Estamos em fase de entrega de propostas do concurso para a empreitada, até dia 8 de Junho. Esperamos que o processo administrativo corra bem e que no próximo semestre seja marcado o início da empreitada.
Vamos ter obras este ano? Mal seria se não houvesse obras ainda este ano. O processo está a andar.
Tem sido fácil trabalhar com a Câmara de Santarém? Tem sido exaustivo, um trabalho muito árduo. Vamos fazer um campo de futebol de 11, um campo de futebol de nove, quatro balneários, uma sala de formação de agentes desportivos, balneários para árbitros, um bar, instalações sanitárias, arrecadações e posto médico. É uma academia, não é um estádio.
A Academia do Futebol é a primeira fase de um projecto mais amplo de criação de uma cidade desportiva na cidade, aí já sob a batuta da Câmara de Santarém. Uma das condições debatidas na fase de estudo sobre a nossa proposta de parceria é que a academia nunca seria feita no meio de um olival qualquer. Tinha que ser enquadrada na cidade. Houve longas discussões e na procura das melhores alternativas foi escolhida a zona junto ao complexo aquático. É bom que fique claro que a academia é apenas a primeira fase de um projecto da cidade desportiva de Santarém, que vai ter um estádio, um centro de treinos…
Se a Câmara de Santarém não tivesse aceite essa parceria já tinha outra autarquia debaixo de olho? Claro, houve várias interessadas, mas não vale a pena estar a dizer quais, até por respeito às mesmas. Mas fui sempre muito claro nessa matéria: este projecto não era viável sem a parceria com uma autarquia. O nosso modelo de gestão do empreendimento, desde a construção à exploração, foi pioneiro no país. A academia vai ser gerida pelo município e a AFS tem um tempo de utilização atribuído, durante 30 anos, que está definido em protocolo. O importante é criar mais uma infraestrutura que dinamiza e cria condições para desenvolver a nossa actividade, quer das selecções distritais, do centro de treinos ou da formação de agentes desportivos.
A cooperação que as autarquias têm com federações, associações e clubes de futebol não alimentam aquela ideia de que há uma promiscuidade excessiva entre o mundo do futebol e o mundo da política? Falo por Santarém: nunca senti tentativas de interferência na vida da nossa associação nem tal coisa me passou pela cabeça. Temos o nosso projecto desportivo e elegemos como parceiros de excelência os 21 municípios do distrito. Temos vários projectos em articulação com as autarquias, como um dedicado ao futebol feminino que está a decorrer. Tem sido fácil trabalhar com elas e nós procuramos também descentralizar as nossas iniciativas. Tudo o que é possível trazer de jogos das selecções para o distrito nós trazemos. Sem os investimentos dos municípios nos últimos 20 ou 30 anos não teríamos a realidade desportiva que temos.
A política nunca o atraiu? Não.
Nunca foi convidado ou desafiado? Essa é outra questão…
O convite nunca foi demasiado apelativo? Não se tratou de ser apelativo. Trabalhei na Câmara de Santarém com presidentes de cores diferentes, nunca isso me perturbou, mas também achei que a minha área não era essa. O associativismo sim, desde pequenino, muito por ‘culpa’ do meu pai. E tenho o privilégio, do ponto de vista profissional, de gostar daquilo que faço.

“O dirigismo associativo devia ser reconhecido pelo Estado”

O Centro Desportivo de Fátima está de regresso ao Campeonato de Portugal depois de recomeçar do zero no futebol sénior, após o descalabro da sociedade anónima desportiva (SAD). Outros clubes, como o U. Almeirim e o Rio Maior, também tiveram más experiências com as SAD. Esse modelo empresarial não é adequado ao futebol amador? Há sempre bons e maus exemplos. Acho que para o futebol amador puro é um exagero, não faz sentido. Mas temos que ressalvar que há situações, como a SAD da União de Santarém, que tem funcionado. Nesse caso não foi ninguém que caiu aqui que resolveu tomar conta de uma SAD. São pessoas de cá, que têm rosto.
Mas o facto de ser uma SAD que depende quase exclusivamente de uma pessoa não é um risco, se essa pessoa se fartar do projecto, por exemplo? É sempre um risco, mas sabemos quem são as pessoas. Houve casos em que não se sabia quem eram os investidores. No futebol amador acho que as SAD são dispensáveis. O associativismo tem de ser mais dignificado e atrevo-me a dizer que o Estado deve dignificar os dirigentes associativos benévolos, aqueles que andam aí todos dias, com um estatuto que dê algum reconhecimento pelo trabalho desenvolvido.
Nomeadamente benefícios fiscais ou outras regalias? Isso fica para os especialistas na matéria e que encontrem os melhores caminhos. É necessário haver um reconhecimento ao fantástico serviço público que esses dirigentes fazem em prol da comunidade. O grau de exigência para um dirigente associativo amador é muito elevado.
Muitos dirigentes desportivos tendem a eternizar-se nos cargos. É presidente da AFS desde 2012. Ainda pensa ficar mais uns aninhos? Há ciclos na vida que têm de se fechar. E nisso não hesito. O que posso dizer é que neste momento o foco desta fantástica equipa que trabalha aqui está em duas vertentes. Uma é conseguir marcar dignamente aquilo que é um século de vida de uma associação das mais representativas do distrito. E a outra é ultrapassar todos os aspectos administrativos necessários para que a academia seja uma realidade. Não podemos ser injustos: se nos metemos neste grande investimento que é a academia, entregar isto assim para alguém vir resolver não… não enjeitamos responsabilidades.
Numa entrevista realizada há alguns anos dizia que o associativismo necessitava de se renovar. Na AFS essa renovação não é necessária para já? Disse isso na altura e não disse agora o contrário. Disse que é necessário fechar ciclos. Agora, não é justo, não é sério a gente meter uma associação com este impacto em projectos e deixá-los pendurados. Esta equipa tem esses dois focos e vai resolvê-los com a maior dignidade, empenho e entusiasmo.
Aquele jogo de futsal no ano passado entre clubes de Mação e Benavente, que acabou com um resultado de 60-0, foi o caso mais insólito que viveu nestes seus mandatos? Foi o momento mais triste. Como foi possível aquilo ter acontecido, alguém contribuir para aquilo? Acabou com a desclassificação da equipa de Benavente. Também nunca me passou pela cabeça que tivesse o impacto que teve. Não tivemos vergonha disso e na nossa revista dos 100 anos está mencionado esse caso, porque os momentos maus também servem para marcar, não são só as coisas cor-de-rosa. Esse foi o momento até hoje, e espero que não haja outro, mais difícil e triste da minha vida associativa.

Francisco Jerónimo é natural da aldeia de Pintainhos, Torres Novas

“O Tejo é um bom exemplo da falta de força política da nossa região”

Nasceu no concelho de Torres Novas mas reside e trabalha em Santarém há muitos anos. A Feira Nacional de Agricultura/Feira do Ribatejo diz-lhe alguma coisa? Diz como certame e acontecimento importante, de carácter nacional, que tem que ser aproveitado para projectar a nossa região. Tem melhorado. O CNEMA [Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas] é um projecto que conheço bem, fiz parte da equipa projectista que fez aquilo na parte de engenharia.
Várias vozes diziam que o CNEMA era uma obra faraónica. O que acha? Não acho que seja, tem é que se rentabilizar. E sinto que tem sido mais rentabilizado. É evidente que tem que haver uma interligação entre a própria cidade e o CNEMA. Também sinto que há pessoas que têm dificuldade em perceber que aquilo é a Feira Nacional de Agricultura e continuam na sua cabeça a ver a Feira do Ribatejo. Há uma diferença e é a Feira Nacional de Agricultura que tem que se impor e projectar.
É um adepto das tradições ribatejanas? Costuma assistir a corridas de toiros? Não sou aficionado, mas não sou contra. Estou a fazer conta de ir a uma tourada este ano aqui em Santarém.
Olha hoje para Santarém e o que vê? Vejo uma cidade em que falta uma centralidade global que marque uma região. Uma região sem um pólo forte nunca será uma região forte.
E o que é que tem faltado nesse sentido? Tem faltado, primeiro, capacidade de criar essa cidade. É uma cidade que neste momento não tem um multiusos, não tem uma biblioteca, tem um arquivo de obras literárias e uma sala de leitura. Não tem equipamentos de utilização colectiva que dinamizem essa cidade. Mas não passa só por obras, passa por uma política de desenvolvimento e uma política de atracção de meios que possa criar nela essa força.
O Campo Infante da Câmara é o local ideal para criar esses equipamentos de que falou? O Campo Infante da Câmara tem que ser inevitavelmente a nova centralidade da cidade. Tem que ter um multiusos, seja na praça de touros ou não. Não há actualmente um auditório, sem ser o do CNEMA, com 1.200 lugares. O outro auditório tem 190 lugares, é o Teatro Sá da Bandeira. Falta outro. Santarém está no limite da influência directa de Lisboa e tem condições para ser uma alternativa com qualidade de vida e que atraia quadros médios e superiores. Santarém tem que ser um pólo de atracção que puxe por esta região. Também tem tido a nível nacional falta de representatividade em termos de poder político e depois temos projectos adiados eternamente.
A decisão sobre a localização do novo aeroporto foi benéfica para Santarém ou não? Para a região foi. Fica bem a quem é de Santarém dizer que em Santarém é que tinha que ser. Mas depois de ouvir a exposição que foi feita pela Comissão Técnica Independente em Santarém e de conhecer os dados, percebi que o aeroporto não iria ser em Santarém e que os argumentos que apareceram em público não eram suficientemente fortes.
E em relação ao Tejo e à frente ribeirinha o que se pode fazer? O Tejo é um bom exemplo da falta de força da nossa região para impor ou pelo menos para trazer para cá uma obra de requalificação e regularização do vale do Tejo. É o exemplo de não sermos capazes, ao contrário do que aconteceu no Mondego. Sobre a zona ribeirinha da cidade, já houve alguns passos para uma viragem da cidade para o Tejo, que passa pela requalificação e agilização dos processos na Ribeira de Santarém. É isso que estamos a precisar, de criar investimentos para a zona.
Trabalhou na Câmara de Santarém quase 30 anos. Qual foi a obra em que participou que considera mais relevante? O saneamento básico - uma obra de impacto e que não se vê - que culminou com a Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de Santarém, que continua a trabalhar e não se ouve falar nela. É o melhor reconhecimento da eficácia do sistema. Tirou-me muitas horas de sono. Também a ETAR de Pernes, que foi a alavanca para as ETAR construídas nas freguesias.
Há mais obras que o tenham marcado? Do ponto de vista viário, a circular urbana Rua O e a Estrada de São Domingos. Relativamente a edifícios, a obra mais difícil de executar foi a do Teatro Sá da Bandeira. Deu-me particular gozo e foi a obra de despedida da câmara.
Gostaria de ter feito o mesmo no Teatro Rosa Damasceno? Já fiz no Círculo Cultural Scalabitano. Na altura ainda se equacionou se era requalificado o Teatro Sá da Bandeira ou o Rosa Damasceno. A decisão foi pelo Sá da Bandeira, que foi uma obra particularmente difícil.

Estudava na universidade e dava aulas no liceu

Francisco Jerónimo nasceu no dia 5 de Junho de 1954 no seio de uma família humilde da aldeia de Pintainhos, no concelho de Torres Novas. O pai era operário e trabalhava numa carpintaria, a mãe era doméstica. Ambos já faleceram. Os progenitores investiram com sacrifício na educação dos dois filhos, que concluíram cursos superiores.
Quando estudava Engenharia Civil no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, Francisco Jerónimo deu aulas de Matemática e Trabalhos Oficinais no Liceu D. Pedro V. Fez o bacharelato em Lisboa e a licenciatura em Coimbra. Trabalhou quase 30 anos como engenheiro na Câmara de Santarém, onde ocupou diversos cargos de chefia. Foi viver para a capital de distrito no início da década de 80. Reformou-se antes da idade limite e foi trabalhar por conta própria. Tem uma empresa ligada a projectos e fiscalização de obras com trabalhos em vários pontos do país.
A sua primeira experiência no associativismo foi em 1981 como presidente da assembleia-geral da Sociedade Recreativa Pintainhense. Hoje, para além do cargo na AFS, é presidente da assembleia-geral do Círculo Cultural Scalabitano, de que já foi presidente da direcção.
Casado e pai de duas filhas, jogou futebol e futebol de salão como passatempo durante largos anos e diz que tinha dotes de goleador. É benfiquista de ir ao estádio e assiste também com regularidade a desafios da selecção nacional, a convite da FPF. Vai ver o primeiro jogo da selecção no Europeu deste ano, esteve no Mundial do Qatar e teve o privilégio de assistir ao vivo, em Paris, à vitória de Portugal no Europeu de 2016. Tem a paixão por viajar e aproveita para juntar o futebol ao turismo.

Recorde de atletas inscritos no ano do centenário

A Associação de Futebol de Santarém está a celebrar 100 anos de vida e a atravessar um momento de grande vitalidade, como atesta o recorde de atletas inscritos, quase a chegar aos 10 mil, e também a construção da Academia do Futebol, em Santarém, prestes a começar. Duas realidades que constituem motivo de orgulho para o presidente da AFS, Francisco Jerónimo, que está no cargo há uma dúzia de anos e deverá concorrer a mais um mandato de quatro anos. “A AFS está pronta e em condições para enfrentar os novos desafios”, diz.
Tal como o algodão, os números não enganam: na temporada 2019/2020, a última antes da pandemia, a AFS tinha 8.202 atletas inscritos nas modalidades de futebol e futsal; na temporada que agora termina chegou aos 9.691 atletas (mais 967 do que no ano passado), em representação de 78 clubes filiados. A AFS está no 7º lugar do ranking nacional de atletas inscritos. Tem ainda 200 árbitros em actividade. Nesse universo, destaque para o crescimento do desporto feminino, que passou de 200 atletas há dez anos para 740 na presente época. O futsal quase duplicou na última década, subindo de 872 para 1.584 atletas inscritos. Para isso muito terão contribuído os incentivos concedidos pela AFS aos clubes, nos anos da pandemia, como a gratuitidade de inscrições e de seguros e outras benesses, que ascenderam aos 380 mil euros. Esse investimento foi um factor de motivação para dirigentes e clubes.

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