Entrevista | 23-07-2024 10:00

A segunda oportunidade de viver com a medula doada pelo irmão

A segunda oportunidade de viver com a medula doada pelo irmão
TEXTO COMPLETO DA EDIÇÃO SEMANAL
João Vitorino, bombeiro profissional em Almeirim, fez um transplante de medula óssea quando tinha 17 anos

A leucemia de João Vitorino há 30 anos agitou as consciências da cidade de Almeirim, numa altura em que pouco ou nada se falava de transplantes de medula óssea.

Contamos a propósito do Dia Nacional da Doação de Órgãos e da Transplantação, a 20 de Julho, a história do bombeiro profissional, filho do ex-comandante das corporações de bombeiros voluntários de Almeirim e Salvaterra de Magos e dos municipais de Santarém, que sobreviveu à doença e ao azar de lhe terem rompido a pleura durante a colocação de um cateter com a força de vontade e gosto de viver.

A juventude de João Vitorino foi-lhe roubada por uma leucemia linfoblástica aguda. Uma nova vida foi-lhe dada pelo irmão, na altura com 13 anos, num transplante de medula óssea. Estávamos em 1995 e João estava a iniciar as funções de telefonista nos Bombeiros Voluntários de Almeirim, onde hoje, passados 30 anos, é um dos mais antigos profissionais da corporação. Uma vez por ano vai à consulta no Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa com felicidade e orgulho pelo que fizeram por ele e por muitos outros, apesar de ter sido nesse hospital que passou os piores momentos da vida durante a preparação para o transplante em que gastava um litro de creme hidratante por dia para evitar que a pele ficasse queimada pela bomba de químicos que lhe entravam no corpo. Hoje diz que vive um dia de cada vez e encara a morte como algo natural, aconselhando as pessoas a aproveitarem a vida com a contenção necessária.
Os primeiros sinais de que algo não estava bem num jovem cheio de vida era o cansaço cada vez maior. O aparecimento de gânglios nas axilas aumentaram os receios. Deu entrada no hospital e sem ter feito exames ficou logo internado. Cinco dias depois ainda não havia um diagnóstico e é transferido para o Hospital dos Capuchos em Lisboa, onde a doença é identificada e começa de imediato a fazer tratamentos de quimioterapia, primeiro em internamento e depois em ambulatório. O mundo desabou quando foi chamado ao gabinete da médica assistente no hospital que o informou que tinha tido uma recaída e que a doença podia afectar a zona do encéfalo ou - que foi o que aconteceu - os testículos.
João Vitorino foi encaminhado para o IPO onde começou um novo ciclo de quimioterapia e radioterapia, enquanto fazia exames e testes de compatibilidades com os pais e o irmão, que veio a revelar-se ser um dador 100% compatível. Esteve um mês em isolamento num quarto com um vidro através do qual via a mãe que sempre o acompanhou diariamente e com a qual falava através de um intercomunicador. Havia uma televisão que manteve desligada porque nada interessava. O pensamento estava permanentemente ocupado com interrogações, com receios. A vida era dormir, pensar e resistir à quimioterapia com força de vontade. O tratamento era de tal forma violento que há zonas do corpo onde nunca mais lhe cresceu um pêlo.
A vida do jovem bombeiro viria a estar novamente em risco, quando já estava a recuperar no lar do IPO, onde viveu cerca de seis meses. Apareceu um dia com febre e depois de vários exames clínicos concluiu-se que tinha uma infecção num pulmão. Foi necessário voltar a colocar-lhe um cateter para receber os tratamentos e nesse acto o médico provocou-lhe um rompimento das pleuras. Esteve uma semana nos cuidados intensivos e conseguiu recuperar. Durante este tempo todo muitos dos que estiveram como ele a lutar contra a doença morreram, como o amigo de 9 anos que também se chamava João e com quem falava quando estava no isolamento, sem se verem, e de quem ainda hoje se recorda com frequência.
Quando João Vitorino regressou a Almeirim, sem cabelo e de máscara, teve que lidar com uma nova realidade que era começar aos poucos a adaptar-se a uma nova vida com muitos cuidados e com a sequela que a doença lhe provocou: a hipertensão. Mas também teve que lidar com a curiosidade ou os sentimentos de pena das pessoas. Tornou-se mais revoltado. Os medos, as dores da doença e sobretudo a dor psicológica são difíceis e João Vitorino diz que as combateu com a grande vontade que tem de viver.

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