“A minha maior mágoa foi não ter conseguido facilitar a construção de novas habitações na Parreira”
Bruno Oliveira é um autarca de proximidade, que gosta de andar na rua e que o tratem pelo nome. Está a cumprir o último mandato como presidente da União das Freguesias da Parreira e Chouto e, desde que entrou para a política, assumiu sempre uma postura de confronto, sem medos de lutar pelos interesses da população.
Embora tenha sido eleito pelo partido que gere a autarquia, Bruno Oliveira bateu sempre o pé aos poderes instalados e criticou sempre quando se sentiu ignorado pelo município. O caso mais evidente é o facto do autarca estar há anos a tentar que a câmara municipal disponibilize terrenos para construção na Parreira, mas até hoje as preces foram sempre ignoradas. Uma entrevista de O MIRANTE a Bruno Oliveira que, entre outros assuntos, lamenta as consequências para a população do fecho do balcão da Caixa Agrícola da Chamusca.
Já resolveu o seu problema com as insónias? Continuo muito desequilibrado. Há dias que consigo dormir melhor, mas a maioria das vezes é um calvário. Esta noite (sexta-feira) eram duas da manhã e ainda andava a rebolar. Acordei às sete para trabalhar, mas acordei um par de vezes porque o meu filho mais novo vai ter connosco à cama.
Como é que consegue ser produtivo durante o dia? Não tenho sono e gosto do que faço. Não há nada melhor do que isso para nos manter despertos. Estou na Câmara de Alpiarça há vários anos, no departamento da contabilidade e finanças. Trabalhamos com a facturação, apoio à gestão, entre outros serviços.
O que o fez candidatar-se à junta em 2013? Aprendi muito a trabalhar no município de Alpiarça e senti necessidade de estar próximo da população da freguesia. Queria, e ainda quero, ajudar a melhorar a sua qualidade de vida, principalmente porque sei o que custa viver isolado e ter de me deslocar para conseguir qualquer coisa. A experiência de trabalhar na área da gestão e finanças públicas foi um grande embalo.
Manteve sempre boas relações com os presidentes da Câmara de Alpiarça? Tanto com o Mário Pereira como com a actual presidente Sónia Sanfona mantive sempre uma excelente relação. Gosto muito de Alpiarça, é uma terra onde sempre fui bem acolhido, as pessoas são muito dadas e empáticas.
Tem orgulho em ser presidente de junta? Tenho, muito, embora não mostre essa imagem, mas as pessoas já sabem como sou. Não gosto de promover o trabalho que faço. Dou um exemplo: nas autarquias há sempre aquela prática dos presidentes terem as suas fotografias nas paredes. Não há uma única fotografia minha na sede, nem vai haver.
Depois de mais de uma década como autarca, sente-se desiludido com a política? Posso dizer-lhe que muitas vezes sim. É difícil para um autarca de proximidade e que gere uma freguesia conseguir atingir os seus objectivos. Todos os dias sonho com a ideia de conquistar algo novo para a população, mas acabo quase sempre por bater numa parede, o que é frustrante. Tudo o que conseguimos, enquanto presidentes de junta, sai-nos do pêlo. A nível familiar traz muitas consequências. Na última Feira do Chouto fui obrigado a faltar à apresentação de um dos meus dois filhos na escola para apagar um ‘fogo’ na feira. Claro que ele me veio pedir contas e é um duro golpe para o coração de um pai. Eu e a mãe temos que conseguir explicar as razões, mas não é fácil.
Fazer parte da vida associativa ajuda a formar o carácter? Fiz parte do Grupo Desportivo da Parreira. Sempre gostei de fazer desporto. Há muita gente nova a entrar na associação. É importante os mais velhos darem liberdade aos mais novos para trabalharem e implementarem as suas ideias.
Tem orgulho nas suas origens? Sim e gosto de dar esse exemplo aos meus filhos. Lembro-me, quando tinha oito ou nove anos, que a minha mãe saía de casa, levantava-se as quatro da manhã para deixar o almoço preparado e saía para o trabalho, ia trabalhar para o Algarve, e vinha à noite. Eu sentia-me obrigado a fazer alguma coisa. Pegava em foices e cortava erva para os animais, regava a horta, entre outras tarefas. Isso tudo deu-me autonomia e contribuiu para me formar enquanto homem de valores e princípios. Costumo dizer que o que é pobre é nobre. O meu pai, que infelizmente já cá não está, trabalhou muito para me poder pagar os estudos. A minha viagem de finalistas foi a trabalhar.
Um autarca que não tem medo do confronto
É crítico e interventivo nas assembleias municipais da Chamusca, embora pertença ao partido do poder. Deve ser essa a postura de um autarca local? Quando ganhamos a junta de freguesia tivemos mais de 40% dos votos e no mandato seguinte passámos para mais de 70%. Se calhar funcionou bem o trabalho que desenvolvemos porque a população tem que estar sempre em primeiro lugar e acima de qualquer ideologia. Os autarcas têm de lutar pelas suas gentes e estar em desacordo quando se justifica. Tenho a perfeita noção que muitas vezes sou inconveniente no ponto de vista de algumas pessoas, mas estou a lutar pelos meus ideais. Na nossa assembleia de freguesia há oito autarcas do PS e um do PSD, mas discutimos todos os pontos pelo bem comum.
Já sentiu pressão de quem governa o concelho? Nunca senti por uma razão: para mim é claro que o executivo que lidera a câmara precisa mais de nós do que nós deles. A união de freguesias da Parreira e Chouto, em termos de população, corresponde a 18% do total do concelho. Quem está no poder tem de saber distribuir os serviços, as obras e os bens pelas freguesias, se não as coisas não vão correr bem. Se me levam a mal quando peço contas, sinceramente não me interessa, mas crio alguns atritos, é verdade.
Sente-se responsável pela eleição do executivo liderado por Paulo Queimado? Na nossa freguesia o PS passou de ser a terceira força política para ser a primeira, portanto de certa forma existe alguma responsabilidade. Gostava de referir que não sou uma pessoa fundamentalista em termos ideológicos. Revejo-me numa ala de centro-esquerda, um PS em Portugal, um partido trabalhista em Inglaterra, um democrata nos Estados Unidos. Não vejo o PSD como o diabo. Também me identifico muito com o Livre. A moderação é, no fundo, o meu partido.
Se fosse presidente de câmara que medidas tomava que fariam a diferença? Compreendo em certa parte alguns investimentos, mas é preciso ter em atenção a sua dimensão e a importância que os serviços têm para as pessoas. As piscinas municipais, por exemplo, estão fechadas há vários anos e não sei até que ponto a dimensão daquela obra vai ser rentável no futuro. Para além de que, o facto de ser uma grande empreitada, obriga a ter um bem essencial fechado durante tantos anos.
Ou seja, apostaria numa política de investimento mais realista e adequada à realidade do concelho? Não posso falar em concreto de uma coisa hipotética. São sempre opções de quem está no poder. Mas uma coisa eu sei, é perfeitamente compreensível que a população sinta revolta por um espaço tão importante estar encerrado há cinco ou seis anos. A questão é muito simples. Se existirem infraestruturas, mas não existir população, onde é que está o ganho?
A perda de população na última década é a grande derrota do actual executivo? Senti-me frustrado quando saíram os Censos em 2021. Não só eu como todos os presidentes de junta. Perder tanta população em tão pouco tempo é preocupante. Tivemos muito trabalho a fazer regulamentos de promoção para a fixação de população e construção de habitação e depois não conseguimos dar a oferta necessária à procura. Nós temos terrenos para fazer construção, as pessoas querem vir para cá, mas não podemos construir.
O que está a falhar? Sinceramente não percebo. Desde 2014 que comecei esta luta para criar e disponibilizar os lotes dos terrenos que são do município para construção porque muita gente me vem dizer que quer vir morar para a nossa freguesia. As respostas são sempre as mesmas. Hoje é falta de um regulamento, amanhã é a falta de cabimento para a infraestrutura, disponibilidade orçamental... Há sempre alguma condicionante. Faço pressão quase todos os meses, mas não sei se vamos conseguir disponibilizar os lotes.
É uma mágoa que fica? Sem dúvida. Estamos a falar de uma freguesia que perdeu 15% de população em 10 anos. Almeirim teve uma expansão a nível industrial muito grande e podíamos ter ganho com isso. As pessoas não se importam de fazer 10 ou 15 quilómetros para uma uma aldeia vizinha, como a Parreira, onde a câmara tem hectares que podia disponibilizar, mas não o faz. A minha maior mágoa é essa.
Isso também contribui para a falta de proximidade que existe entre a freguesia e a sede de concelho? Isso acontece desde há muito tempo, principalmente devido à falta de transportes. A nível escolar actualmente já está muito melhor, mas no passado não havia qualquer base de transportes para a Chamusca. Ainda hoje uma grande parte dos jovens escolhe Almeirim e Alpiarça para prosseguir os estudos. Dou mais um exemplo. Temos crianças, mas não temos creche. Para onde é que vão todas? Para Alpiarça e Almeirim.
Como é que a Chamusca tem apenas uma creche para toda a população? É uma grande lacuna. Posso confidenciar que recentemente estive a conversar com o presidente de uma IPSS do concelho e ambos concordámos que deve haver uma creche a norte, uma no centro e outra a sul do concelho. As creches são indispensáveis para fixar famílias.
O seu primeiro mandato coincidiu com a lei da agregação das freguesias. Grande parte dos autarcas é a favor da desagregação actualmente. Como é que se posiciona? Tivemos essa discussão no final do ano passado. Fizemos um estudo e percebemos que a desagregação iria prejudicar seriamente as freguesias. Estamos há muitos anos a trabalhar em conjunto, a criar sinergias. Se vamos deitar para o lixo todos esses anos de trabalho íamos ter graves consequências, nomeadamente ao nível dos transportes escolares, obras, investimentos em serviços, transferência de competências, entre muitos outros. Estamos a falar em dezenas ou centenas de milhares de euros que se iria perder por ano.
Como é que gere as críticas de que liga mais a uma freguesia do que a outra? Muito tranquilamente. Fomos muito ponderados nessa questão, relativamente às rivalidades. O que gosto, e sempre gostei de ouvir, é as pessoas do Chouto a dizer que nós trabalhamos mais na Parreira e as da Parreira a dizer que só nos preocupamos com o Chouto. Enquanto estiver assim estamos bem (risos).
Censura na Caixa Agrícola da Chamusca e a “briga” dos empresários da Parreira
Existe uma associação de empresários a querer dinamizar uma zona de actividades económicas na freguesia, mas dizem-se ignorados pelo município. É uma história muito complicada e que já vem desde há muito tempo. Existia a garantia de que se podia lá construir, mas depois parece ter havido problemas ligados a nível de urbanização. Depois quando houve a possibilidade de fazer não havia cabimento orçamental. Já dei a minha opinião: se não há capacidade para fazer tudo de uma vez, tendo em conta que o investimento é de muitas centenas de milhares de euros, é preciso encontrar um caminho mais simples, como já propus para a questão da construção do loteamento. Começa-se a vender e a criar infraestrutura faseadamente. Acho que há muita falta de diálogo entre o município e os empresários. A verdade é que uma zona económica dinâmica traz benefícios para a freguesia como complemento à habitação.
O balcão na Parreira da Caixa de Crédito Agrícola da Chamusca fechou subitamente. Há uma triste tendência para as grandes instituições encerrarem os serviços nas povoações mais isoladas porque estão direccionadas para o lucro. Fomos apanhados de surpresa e não foi digno por parte da instituição fazer aquilo que fez. Fecharam um serviço indispensável sem dar uma palavra. Nós, enquanto autarquia, só trabalhávamos com eles. A maioria da população fechou a conta que tinha na instituição, inclusive eu. O que mais me entristeceu foi ir às reuniões de assembleia-geral para tentar discutir o caso e não me deixaram falar porque tinha de apresentar um requerimento. Há uma ordem de trabalhos que deve ser cumprida, mas deve haver um ponto aberto aos sócios para debaterem os problemas.
Sabe o que vai acontecer ao edifício onde estava o balcão? Pelo menos ainda não o venderam, por isso continuo com a esperança que possam repensar e voltar a abrir. Nós sempre nos disponibilizámos, mesmo em último recurso, a protocolar algum tipo de serviço com eles, mas não se mostraram minimamente à vontade para o fazer porque tinham que contratar pessoas.
Um festival que promove o cogumelo de forma original
O Festival do Cogumelo, na Parreira, quer sensibilizar a população para uma riqueza que precisa de ser preservada e que é fonte de receita que pode ajudar a fixar a população. A apanha dos cogumelos ainda é um modo de vida? Hoje em dia cada vez mais os terrenos são privados, estão todos vedados, o que torna complicado as pessoas poderem desfrutar, quer da natureza, quer da apanha dos cogumelos silvestres. Lembro-me de ser pequeno e de ir com a minha mãe de bicicleta apanhar cogumelos no meio do mato. Muitas vezes era para utilizar em casa, mas a maioria era para vender. Eu lembro-me de ver minimercados e cafés nas aldeias repletos de caixas com cogumelos. Ainda existe essa actividade hoje em dia mas mais moderada, muito mais. Muitos dos cogumelos que se apanham aqui são vendidos para Espanha.
O festival do cogumelo já tem sete edições. Que balanço faz? Muito positivo, sobretudo pela oferta que damos. Fazemos passeios micológicos, onde quase 100 % das pessoas são de fora do concelho. Há duas edições tivemos gente da Lituânia, este ano esteve um inglês. O foco do festival é a cozinha, é o produto. Temos professores universitários presentes. Todos os anos nos reinventamos e criamos um produto novo. Este ano criámos a “melofana”, um produto que, em vez de ser uma bifana, é o cogumelo a imitar o bife. É assim que garantimos que as pessoas vão continuar a visitar o nosso festival.
“Sou o autarca mais bem preparado do concelho”
Quando vai na rua gosta mais de ser tratado por Bruno ou presidente? Peço sempre para me tratarem por Bruno. As únicas pessoas que me tratam por presidente são os meus amigos próximos, mas fazem-no por gozo. Nenhum funcionário da junta me chamou por presidente até hoje. Chamo-me Bruno Oliveira.
Quantas pessoas trabalham na junta? Quando aqui cheguei éramos três, agora já somos pelo menos uma dezena. Não se consegue evoluir sem recursos humanos. Temos apostado na contratação de pessoas qualificadas.
Está satisfeito com o processo de transferência de competências dos municípios para as juntas de freguesia? É um processo que deve ser avaliado anualmente e rectificado quando necessário. Os preços de hoje não são os mesmos de ontem. É preciso deixar claro que as juntas de freguesia substituem-se muitas vezes às entidades do Estado ou municipais e intermunicipais. Muitas vezes andamos a trabalhar fora das nossas competências, mas é para isso que aqui estamos. Dou o exemplo da Águas do Ribatejo. Na nossa freguesia, muitas vezes, executam um serviço e deixam-no por concluir durante meses. Somos nós que temos de andar a tapar buracos.
O executivo liderado por Paulo Queimado está no último mandato. É tempo de mudança? Considero que a renovação deve ser sempre uma constante. Devemos dar oportunidade a outros para mostrarem serviço. Todas as pessoas me perguntam se vou ser candidato ou se faço parte de alguma lista. A resposta que dou é sempre a mesma: actualmente não tenho nenhum interesse, mas amanhã posso ter, dependendo do projecto. Tenho a perfeita noção que, a nível concelhio, enquanto autarca sou a pessoa mais bem preparada. Não sei é se tenho disposição ou vontade de continuar a prescindir da minha vida pessoal.