“Tinha receio de que não me levassem a sério por ser jovem”
Beatriz Martins, 29 anos, é a vereadora mais jovem do executivo da Câmara de Santarém. Ainda não está há um ano em funções e tem-se assumido como uma autarca discreta na acção mas pragmática na hora de tomar decisões.
Tem em mãos pelouros sensíveis, como os dos Recursos Humanos e da Habitação, e assume que gostaria de continuar como vereadora no próximo mandato. A jovem advogada admite que não gosta de dar nas vistas, confessa que é sovina e um bocadinho teimosa e não tem papas na língua para falar do estado da justiça em Portugal. Uma entrevista feita pouco antes do Dia Internacional da Juventude, que se assinala a 12 de Agosto.
Muitos jovens que saem de Santarém para estudar já não regressam para viver e trabalhar. Como vê essa situação? Vejo com alguma pena e também com alguma compreensão. Esses jovens muitas das vezes não regressam porque não existe oferta laboral na área deles. O que felizmente tem vindo a inverter-se. Conheço muitas pessoas que foram estudar para Lisboa, Porto, Coimbra e outras cidades que em virtude das novas formas de trabalho, nomeadamente trabalho remoto, têm voltado para as suas terras. Santarém é uma cidade com futuro.
Tem um irmão mais velho, emigrado em Inglaterra. Nunca pensou emigrar? Já pensei em emigrar, mas mais na perspectiva de crescimento pessoal do que por crescimento profissional. Estudei Direito português, pelo que o desempenho da minha profissão está sempre relacionado com ficar em Portugal.
E em Santarém? Sim, porque sempre quis regressar à minha terra. Gosto de viver em Santarém, nasci cá, cresci cá, estudei cá, só saí para ir para a faculdade. Gosto da qualidade de vida que tenho em Santarém.
Este país não é para jovens? Não digo que não seja para jovens, pois acho que o país é para todos, mas concordo que há mudanças a fazer para o tornar mais apetecível para os jovens.
Pede conselhos a pessoas mais experientes ou aos pais? Peço sempre, apesar de ser um bocadinho teimosa e de nem sempre seguir a opinião que me dão. Mas procuro sempre perceber a opinião das pessoas que me rodeiam.
Sente que a sua juventude é uma mais valia no executivo camarário? Sinto. Ao início tinha algum receio de que não me levassem a sério por ser jovem, mas depois percebo que ser jovem me traz mais-valias. Como as pessoas não sabem o que hão-de esperar de mim qualquer coisa que faça acaba sempre por ser uma surpresa. A sensação que tenho é que acaba por ser uma lufada de ar fresco. Ser jovem não me dá o peso da experiência que algumas pessoas mais velhas terão, mas sinto que as pessoas vêem com bons olhos terem alguém mais jovem.
Nas reuniões de câmara mantém uma postura discreta e só intervém quando tem de prestar esclarecimentos. Por que não aproveita esse momento para revelar o que tem andado a fazer como fazem outros colegas de vereação? Gosto sobretudo de ser discreta e acho que é uma das grandes vantagens que tenho a nível profissional. Consigo fazer muito mais coisas não fazendo alarido delas - e não se entenda alarido no sentido pejorativo. Sinto-me mais confortável fazendo as coisas sem dar grande nota pública disso, apesar do meu trabalho ser público. Prefiro que as pessoas saibam que fiz A, B ou C por conhecerem o meu trabalho e reconhecerem alguma competência naquilo que fiz, do que ser eu a dizer que fiz.
Mas, assim, muita gente fica sem saber efectivamente aquilo que fez ou anda a fazer. Também é verdade. Parece que não faço nada e que não vou a lado nenhum, porque não apresento um relatório de actividades.
Gostaria de continuar como vereadora no próximo mandato? Sim gostaria. Estou aqui há pouquinho tempo e sinto que até final do mandato não tenho tempo suficiente para imprimir a mudança que gostava nos serviços e com a qual me comprometi quando aceitei funções executivas.
A Câmara de Santarém vai ter forçosamente um novo presidente no próximo mandato. Quem gostava que fosse? Gostava que fosse o actual vice-presidente, João Leite.
E como vê a possibilidade de o presidente Ricardo Gonçalves sair em breve da câmara? Vejo a situação com alguma naturalidade. Acho que o senhor presidente irá aceitar um desafio que é importante para ele, portanto vejo essa possibilidade com bons olhos desde que toda a gente se sinta bem e confortável com a decisão.
Vai ter saudades dele? Claro que sim.
Há quem diabolize as juventudes partidárias e as veja como agências de emprego. O cartão do partido ajuda a abrir portas? Não, pelo contrário.
Mas no seu caso não ajudou? Integrou a lista do PSD à câmara na qualidade de líder da concelhia da JSD. Fui na lista porque era líder da concelhia da JSD, mas não foi uma coisa que eu quisesse. A minha vontade foi sempre manter a política como uma parte da minha vida, mas não no sentido do desempenho de funções ou de fazer dela carreira profissional. Ou seja, se me tivesse sido proposto fazer parte da lista não sendo líder da JSD eu não teria aceitado. Aliás, se por um lado se pode entender que o cartão de um partido pode ajudar a abrir algumas portas, por outro também pode fechar muitas. Talvez seja por isso que muitos jovens hoje não se filiam em partidos, com receio de represálias futuras na sua vida laboral.
Será só por isso ou também por desinteresse dos jovens em relação à política? Os jovens não estão afastados do fenómeno político, pelo contrário. Os jovens hoje discutem muito mais política do que há uns anos. Podem fazê-lo sem terem a noção que aquilo que estão a discutir é conteúdo político, mas discutem mais política, estão mais abertos para as questões política que há uns anos, ainda que não se associem com os partidos ditos tradicionais.
Projecto para requalificação da zona ribeirinha pode estar pronto até final do mandato
Tem em mãos pelouros sensíveis, como o dos Recursos Humanos. Como é gerir quase mil funcionários? Não é fácil. O que dá mais trabalho é termos a capacidade de ouvir as pessoas e tentar resolver os problemas delas, que nem sempre são relacionados com o trabalho. Muitas vezes têm outro tipo de problemas que impactam directamente com o seu trabalho.
Por vezes também tem de ser psicóloga e conselheira? Exactamente. Muitas vezes confundem-se os papéis entre o de vereadora dos Recursos Humanos e o de psicóloga em part-time, mas é dos pelouros mais gratificantes para mim.
É pessoa de dar reprimendas quando as coisas não correm bem? Não. Dou reprimendas quando tenho de dar. Faço tudo para não ter de as dar, mas quando vejo que alguma coisa não está a correr bem aviso logo. Se, ainda assim, insistirem em fazer as coisas menos bem, aí sim já dou a reprimenda.
As coisas estão mais pacificadas com os bombeiros municipais? Estão relativamente pacificadas. Há aqui uma série de entendimentos em que as posições dos bombeiros municipais e da câmara municipal não convergem. O que é normal. Havendo duas cabeças há sempre interpretações diferentes. Alguns diferendos já foram resolvidos e outros vamos caminhando a passos largos para os tentar resolver e para que as situações fiquem todas sanadas.
Esses diferendos laborais têm colocado em causa a resposta operacional dos bombeiros municipais? Essa é outra questão, que passa pela dificuldade na construção dos turnos e das equipas, pela falta de recursos humanos. Mas essa falta não existe só nos bombeiros municipais, existe na câmara toda.
Mas houve um concurso aberto, supostamente para colmatar essa falta de operacionais. Sim, houve um concurso aberto, que entretanto não teve grande desenvolvimento e que está suspenso. O senhor presidente já disse isso em reunião de câmara, estamos à espera de um parecer sobre a viabilidade da manutenção daquelas equipas e de qual é a melhor forma para as gerir; e quando vier o parecer voltaremos a pensar de que forma é que vamos organizar os bombeiros municipais.
Há quem diga que os técnicos do urbanismo no município têm muito poder e mandam mais do que os políticos. Os técnicos do urbanismo não mandam mais do que os vereadores ou que o senhor presidente. É normal que as pessoas, muitas vezes, tenham essa sensação, porque é com os técnicos que elas lidam em primeira-mão. São os técnicos que dão a cara pelo município, mas não mandam mais.
Mas influenciam decisões? Não. A questão é se existe ou não existe razão. Se o particular tem razão, a decisão é-lhe favorável; se o particular não tem razão por algum motivo, a decisão não pode ser favorável, independentemente daquela que seja a influência da pessoa que a atende. Os técnicos do urbanismo não mandam mais nem influenciam as decisões que têm que ser tomadas. As decisões são sustentadas em pareceres técnicos. Não sendo técnica da área, não posso fazer a sindicância das informações técnicas elaboradas pelos serviços. Confio nelas e não tenho nenhum motivo para não confiar.
O que gostava de ver resolvido ainda neste mandato pela Câmara de Santarém? Gostava de ver resolvidos alguns dos problemas que temos ao nível da oferta de habitação pública, que é um dos meus pelouros.
A Câmara de Santarém vai ter capacidade para investir os tais 22 milhões de euros de fundos europeus para habitação até 2026? Neste momento não consigo dizer. Apesar de não estar a ser fácil, tenho esperança que sim. Pelo menos de executar uma boa parte.
Qual é o ponto da situação? Ainda não construímos casa nenhuma porque no Plano Local de Habitação, onde se incluem os milhões de euros do PRR e do programa 1º Direito para gastar, só uma parte desse valor é para construção. Outra parte é para aquisição de habitações para reabilitar e destinar a habitação pública. Já adquirimos algumas, mas temos sentido muita dificuldade porque não existem casas no mercado. Não é por incompetência nossa mas por uma questão de mercado. Não há imóveis para vender. A Estratégia Local de Habitação foi criada há alguns anos, quando ainda não existia esta dificuldade.
Qual é o objectivo plausível até 2026? Acho que pode ser cumprida uma meta de cerca de 50 fogos. Em termos de investimento será cerca de 70% do valor total.
O Tejo continua desaproveitado em Santarém. Enquanto autarca não sente uma pontinha de culpa por essa situação, apesar de só estar em funções há alguns meses? Posso sentir alguma culpa, ainda que muito diminuta. E apenas porque estou num lugar em que posso ter capacidade de mudar alguma coisa, embora o rio Tejo não se enquadre no âmbito dos meus pelouros.
A questão está mais relacionada com a inércia de sucessivos executivos ao longo de décadas. Acho que foi passando a oportunidade de aproveitar alguns programas que existiram ao longo dos tempos e que permitiram a outros municípios investir nas zonas ribeirinhas.
Fala-se agora num projecto para reabilitar a zona ribeirinha da cidade. Temos em mãos um estudo prévio e a intenção é dar continuidade a esse projecto para podermos lançar a empreitada de requalificação da zona ribeirinha. Tenho esperança de que possamos ter o projecto concluído antes do final do mandato, para que o possamos apresentar à população.
A justiça não é para pobres
É uma jovem advogada na fase inicial da carreira. Há quem diga que a justiça em Portugal não está ao alcance de todos, que é só para quem tem posses. O que pensa disso. De facto a justiça não é para pobres. E não está a ser capaz de se mudar por forma a permitir o acesso de mais pessoas à via judicial. Senti e ainda sinto que o pagamento de taxas de justiça afasta muitas vezes as pessoas de recorrerem à justiça para resolverem os seus problemas.
A nossa justiça precisa de uma reforma estrutural? A justiça precisa de levar um abanão.
Como tem visto os casos mais ou menos recentes que envolvem o Ministério Público e alguns protagonistas políticos? Pela sensação que tenho, parece-me que o Ministério Público está mais tempo a perder tempo, passe a redundância, em parangonas políticas do que propriamente a fazer o seu trabalho de investigação, como lhe compete. O Ministério Público é quem tem o domínio do processo de inquérito no âmbito do processo penal, mas neste momento acho que a perseguição política, chamemos-lhe assim, que é feita pelo Ministério Público deve ser de alguma forma sindicada.
Porquê? Porque não me parecem muito correctas as situações a que temos assistido na comunicação social: o veicular de notícias; a mobilização de membros de investigação para determinadas situações e depois não se reúnem indícios sequer para proferir uma acusação. Acho que se trata um bocadinho de um golpe de julgamento em praça pública e de ataque ao carácter das pessoas. Os danos reputacionais são os mais difíceis de reparar. E mesmo que o inquérito ou o julgamento não dêem em nada os danos reputacionais estão feitos. Para a opinião pública serão sempre uns malandros, independentemente de serem ou não.
E como é que vê as constantes quebras do segredo de justiça? O diagnóstico mais importante é saber de onde vêm as fugas. Eu não sei de onde vêm mas gostava bastante que se pudesse fazer alguma coisa nesse sentido. Descredibiliza o sistema e pode, de alguma forma, condicionar a actuação da justiça.
Uma jovem discreta que não liga às aparências
Beatriz Santos Martins nasceu em Santarém em 18 de Fevereiro de 1995. É licenciada em Direito e Mestre em Ciências Jurídico-Forenses pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Frequentou na mesma instituição o IX Curso de Pós-Graduação em Contratação Pública do Centro de Estudos de Direito Público e Regulação. Concluiu a agregação à Ordem dos Advogados no ano de 2021 e exerceu a profissão de advogada em Santarém até assumir o cargo de vereadora com pelouros na Câmara de Santarém, em Novembro de 2023.
Solteira mas com namorado, Beatriz Martins assume-se como uma pessoa empenhada no trabalho, discreta na acção e sovina na relação com o dinheiro e o consumo. É uma jovem simples e ponderada. Não é refém das aparências, não liga a marcas e compra habitualmente a roupa em saldos. Gosta de bricolage, de andar de mota, tanto a conduzir como à pendura, e tem na leitura um dos seus escapes. Lê vários livros ao mesmo tempo e actualmente tem em mãos dois clássicos: Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, e Siddartha, de Hermann Hesse.
Frequentou o Conservatório de Música de Santarém durante nove anos da sua infância mas daí não nasceu uma estrela. Dá uns toques no piano e tem algum jeito para cantar, “pelo menos ao nível de não fazer rachar copos”. Confessa com humor que gostava de ter capacidade para praticar algum desporto de forma decente. Deus faz parte da sua vida, embora não professe uma religião, e diz que pretende casar e ter filhos. Ser uma boa pessoa, imprimir mudanças com a sua acção e deixar marcas da sua passagem são ideias fortes do seu guião para a vida.
A ligação à política começou aos 14 anos por opção pessoal, quando se filiou na Juventude Social-Democrata (JSD). A mãe obrigou-a a ler os estatutos dos vários partidos quando a adolescente Beatriz lhe disse que queria filiar-se num partido. Assim o fez e escolheu a via da social-democracia, garantindo que decidiu pela sua cabeça e que a mãe, Cristina Santos, militante do PSD, não teve qualquer influência.
As funções de autarca não mudaram muito as suas rotinas pessoais, com excepção para a agenda mais carregada ao fim-de-semana. De resto, continua a ter tempo para viver a juventude, estar com o namorado e com os amigos, sair à noite, ir a uma discoteca ou a uma festa. Tal como viveu bem a parte lúdica da sua vida académica em Coimbra.
Classifica a juventude actual como “determinada” e simpatiza com algumas causas da actualidade, como os direitos dos animais, a luta contra as alterações climáticas, o movimento LGBT, referindo que devem ser lutas de todas as gerações e não apenas das mais jovens. Já quanto a um eventual regresso do serviço militar obrigatório, recorda que a JSD lutou para a sua abolição e considera que não está na agenda política do seu partido para esta legislatura.