“Aeroporto na Ota era a solução e escolha do Campo de Tiro em Benavente é uma decisão criminosa”
José Armando Vizela Cardoso tem 83 anos, é tenente-general piloto-aviador reformado, foi responsável pela construção do aeroporto de Beja e tem um currículo que lhe dá estatuto para falar alto sobre o que se passa em Portugal ao nível político.
Antes da decisão, e durante o debate sobre o novo aeroporto internacional de Lisboa, fez um estudo de borla para um aeroporto no desactivado aeroporto de Tancos, em Vila Nova da Barquinha. Ninguém ligou. As forças vivas da região quase que emudeceram. As outras nem deram pelo estudo e pela pertinência do projecto. Uma entrevista de O MIRANTE com o essencial de um homem que se diz um lutador e patriota que acorda todos os dias para lutar pela verdade.
Qual é a sua visão sobre a localização do novo aeroporto em Portugal, tendo em conta o estudo que realizou sobre o aeroporto de Tancos? Em 2017 fui abordado para ajudar num estudo sobre a possível localização de um novo aeroporto na região Centro. A Câmara de Coimbra pagou 200 mil euros para ver se podia fazer ali um aeroporto internacional e penso que a Câmara de Leiria andou metida nisso também. Aceitei de imediato e realizei o trabalho sem pedir qualquer remuneração, embora pudesse ter pedido até 400 mil euros sem quaisquer problemas de consciência. O projecto foi sugerido por uma autoridade aeronáutica, a AESA, que actualmente é a Aeroquip, uma empresa que constrói e administra aeroportos na América do Sul. Fez-se, nesse mesmo ano, um estudo sobre as necessidades aeroportuárias para Portugal baseado nas seguintes premissas: na projecção que o Papa tinha dado na visita em 2016; no facto de haver quase 1.7 biliões de católicos no mundo e com grande crescimento no sudeste asiático; na hipótese cada vez mais provável da low cost de longa distância; por tudo isto Portugal precisaria de um aeroporto na região Centro para satisfazer as necessidades do turismo religioso e cultural. Antes da pandemia já vinham cá 6 milhões de passageiros por ano com esta tipificação. Só não vinham mais porque Lisboa estava a saturada e não tinha slots para mais gente. Fiz o projecto e apresentei-o ao presidente da Câmara Municipal da Barquinha, Fernando Freire. Disse-lhe inclusive: “tenho aqui a galinha dos ovos de ouro para o seu concelho”. Ele ficou entusiasmado e o estudo foi concluído em Julho de 2017. A localização proposta era Tancos, uma base aérea desactivada que, em 1988, eu próprio sugeri que fosse encerrada no âmbito de um estudo de reestruturação da Força Aérea. O projecto de Tancos era autónomo, destinado a satisfazer as necessidades da região Centro e a atrair o interesse de companhias low cost. Este aeroporto poderia ser altamente competitivo em termos de custos operacionais, possivelmente incentivando a transferência de voos de Lisboa para Tancos, o que, por sua vez, aliviaria a pressão sobre a capital.
O projecto não teve dimensão pública nem apoio político? Quando finalizei o projecto falei com o padrasto do primeiro-ministro, que à data era António Costa, para explicar o potencial do aeroporto de Tancos. A ideia era criar 10 mil postos de trabalho na região Centro, que já estava martirizada pelos incêndios e sofria com a desertificação demográfica. No entanto, quando voltei a contactar para saber do andamento do projecto fui informado de que António Costa não gostava de “coisas feitas pela porta do cavalo”. Foi quando lhe disse que me devia ter explicado mal. Primeiro porque não gosto de trabalhar para aquecer, mas sim para ter resultados. Por consideração pelo povo português sugeri que o projecto fosse remetido para o Ministério das Infraestruturas, liderado por Pedro Marques, mas, desde então, as coisas não avançaram.
A ideia nem era substituir o aeroporto de Lisboa, mas sim tornar Tancos complementar… A proposta em Tancos nunca era substituir o aeroporto internacional de Lisboa. O que me aflige é que as pessoas que andam por aí a mexer neste assunto só olham para a árvore, não são capazes de olhar para a floresta e da interacção que há entre as árvores. Isso é que me assusta. Há um sem número de aeroportos em torno de Madrid, na Península Ibérica, que são periféricos e correm o risco de virem a ser ligados por comboio. Nós perdemos a guerra do aeroporto no dia em que deixámos fazer a Alta de Lisboa. Cortou a hipótese de fazer duas pistas em Lisboa e com isso perdemos a guerra. Hoje está lá uma avenida que podia ser a segunda pista. O terminal internacional ficaria onde hoje é a Alta de Lisboa, o velho continuava a ser o terminal nacional e tínhamos aeroporto para toda a vida. Quando nos vêm falar da cidade aeroportuária gigante para substituir Lisboa eu pergunto para quê? Para ficar às moscas como Ciudad Real. Não tenho dúvidas nenhumas e então quando se vem com a solução de Benavente não lembra a São Pedro.
E o que pensa sobre o actual projecto do aeroporto em Santarém? A localização em Santarém está espartilhada entre duas áreas terminais militares. Não me parece que tenha qualquer hipótese de sucesso.
E a escolha do Campo de Tiro em Benavente? Temos de primeiro falar na reestruturação da Força Aérea, em 1992, que absorveu o Campo de Tiro. Passou do Exército para a Força Aérea. O que primeiro se fez foi uma barragem para se arranjar umas culturas de aveia e trigo para alimentar os animais que andavam por ali, entre perdizes e lebres. Arrancaram-se os eucaliptos todos, neste momento só há pinheiros e sobreiros. Mandou-se fazer um estudo sobre a quantidade de água naquela área. Recordo-me de um dos ensaios com bombas que se fez. O terreno é arenoso, o que é ideal para a balística terminal porque onde bate, fica. Voltando ao estudo sobre a quantidade de água no Campo de Tiro e, para se ter noção, aquela área pode ter à vontade 50 albufeiras de Alqueva submersas. O coronel Mário Garrido, que foi comandante do Campo de Tiro em 1992, deu-me o resultado do estudo. Aos 14 metros de profundidade temos um caudal de água, ininterruptos de 60 metros cúbicos de água por hora; aos 100 metros de profundidade temos 150 metros cúbicos por hora e a 150 metros de profundidade temos 250 metros cúbicos de água por hora. Isto ocorre na generalidade do Campo de Tiro e naquele baixio até Rio Frio. Portanto, se a ideia é construir ali um porta-aviões eu calo-me, mas justifiquem-me como é que vão fazer ali uma pista assente em areia. A escolha do Campo de Tiro é um erro. Aquela zona é basicamente areia, uma área que no passado era um delta que ligava o Tejo ao Sado. A construção de uma pista ali seria extremamente difícil e cara devido à natureza do solo, que é arenoso e contém grandes quantidades de água.
No início desta nova discussão sobre o futuro aeroporto ainda se ouviram lamentos do que se passou na Ota que depois de tantos estudos ficou pelo caminho... Posso estar errado, mas isto são números concretos. Não sei onde anda este estudo, o coronel Mário Garrido ainda é vivo e pode testemunhar. Anda a circular na internet um discurso de Marcelo Caetano em que refere que no “próximo ano” arranca o aeroporto, e seria a Ota se o 25 de Abril não tem acontecido. Por isso em Aveiras está o terminal de combustível que liga com o oleoduto de Sines. Estava também previsto sair a refinaria de Cabo Ruivo, com um oleoduto que abastecia directamente o aeroporto de Lisboa; essa refinaria acaba por sair com a Expo 98 e, portanto, o aeroporto de Lisboa é hoje abastecido por autênticas bombas napalm com 12 rodas. São 90 camiões em média por dia. Felizmente ainda não rebentou nenhuma. A solução era, portanto, a Ota. Até ao Governo de José Sócrates ainda era a Ota; porque é que mudou para outro lado? Veja-se de quem são os terrenos da parte oeste do Campo de Tiro de Benavente. Foi aí que se mudou a agulha. Na Ota há trabalho já feito e colocar-se-ia um aeroporto ao estilo de Newark, com duas pistas paralelas para servir 50 milhões de passageiros por ano. A Ota seria também a solução mais barata fazendo uma matriz de decisão onde se coloca Beja, Vendas Novas, Montijo, Alverca, Santarém e Benavente conjugando estes locais com as necessidades complementares, tais como pontes, auto-estradas, caminhos-de-ferro, terminal de combustível ou condições de nevoeiro.
Acha mesmo que o aeroporto vai ser construído no Campo de Tiro? Na minha opinião, avançar com este projecto será uma decisão criminosa. Não só pelos custos imensos que vão ser enterrados ali, mas também porque é um projecto megalómano que corre o risco de ficar às moscas, tal como aconteceu com o aeroporto de Ciudad Real em Espanha. Além disso, há os custos de manutenção que vão ser astronómicos. Este projecto é uma consequência directa de uma decisão política que já está tomada, e quem assinou vai ter que arcar com as responsabilidades.
Como é que alguém com o seu currículo e experiência, que foi responsável inclusive pelo projecto do aeroporto de Beja, não é tido nem achado neste processo? Tenho a experiência e o conhecimento. Nunca fui ouvido. A única coisa que fiz foi colaborar como cidadão, até para ficar com a consciência tranquila porque amo o meu país.
Sente-se um D. Quixote a lutar contra moinhos de vento? Não luto contra ninguém. A única luta que eu tenho é com a minha consciência e está limpinha. Todas estas obras implicam investimentos e grandes, não é só o custo da obra é depois a manutenção. Noutros tempos dizia-se quanto custava e só custava aquilo sem haver descarrilamentos. Sou cidadão, sou militar, sou apolítico. Gastei muito tempo em que podia estar ao pé da família, vivi sempre daquilo que ganhei para tentar criar um país democrático, livre e progressivo, não progressista. Tenho pena que o país não tenha, de facto, boas políticas, a começar logo na educação que é um verdadeiro desastre. O resultado já está à vista, não há valores.
O percurso de vida à lupa
O tenente-general piloto-aviador José Armando Vizela Cardoso nasceu em 1941, na Lamarosa, Torres Novas. Cresceu na Golegã, onde passou a maior parte da sua juventude. A educação secundária foi concluída em Cernache do Bonjardim e, posteriormente, em Lisboa. Desde cedo, demonstrou interesse pela aviação, o que o levou a ingressar na Academia Militar, onde se licenciou em Ciências Aeronáuticas Militares. Em 1965 foi brevetado na Base Aérea nº 1 (BA1) em Sintra, após completar o curso de Aeronáutica na Academia Militar e concluir o tirocínio em aeronaves T-37. Continuou a sua formação na Base Aérea nº 2 (BA2) em Ota, onde frequentou o curso de Instrução Complementar para Aviões de Caça e o curso de Instrutor, utilizando aeronaves T-33. Em 1969, ofereceu-se como voluntário para servir na Guiné, e em Agosto de 1972 foi destacado para Moçambique. Durante este período, exerceu múltiplas funções, incluindo Comandante da Esquadrilha 702 “Escorpiões”, Oficial de Operações do Grupo Operacional 7001 e Oficial de Ligação da Força Aérea com o Exército. Demonstrando liderança e versatilidade, assumiu também as funções de Oficial de Segurança de Voo da Unidade e, em várias ocasiões, foi Comandante do Grupo Operacional 7001 e do próprio AB7.
Após regressar a Portugal em Outubro de 1974, foi colocado na BA5, onde serviu como Oficial de Segurança de Voo e comandou a Esquadrilha 103, voando aeronaves T-33 e T-38. Entre 1979 e 1983, trabalhou na Divisão de Operações do Estado-Maior da Força Aérea, seguindo-se um período na Base Aérea nº 6 (BA6) em Montijo, onde desempenhou funções de Comandante Interino, Comandante do Grupo Operacional 61 e 2º Comandante da base. De 1985 a 1988, foi destacado para a Divisão de Operações do SHAPE, na Bélgica, e mais tarde, serviu como Chefe da Divisão de Operações do Estado-Maior da Força Aérea.
Em 1992/1993, Vizela Cardoso regressou à BA5 como Comandante, qualificando-se no A-7P Corsair II. Já como Oficial General, assumiu as funções de Adjunto para as Operações do Chefe de Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA), Chefe de Gabinete do CEMFA e Director do Instituto de Altos Estudos da Força Aérea (IAEFA).
Depois de quase 40 anos de serviço e mais de 4 mil horas de voo, José Armando Vizela Cardoso retirou-se voluntariamente da Força Aérea em Maio de 2000. Durante a sua carreira, foi condecorado com 12 distinções, incluindo a Medalha de Serviços Distintos com Palma e recebeu 14 louvores.
Após a reforma, Vizela Cardoso continuou a manter-se activo, envolvendo-se como dirigente na Liga dos Amigos do Hospital das Forças Armadas. Com uma paixão pelos estudos templários, publicou um livro sobre o tema e nesta altura assume que gosta de ser, quando pode, guia turístico no Convento de Cristo, em Tomar.
Dirigente associativo dedicado ao apoio hospitalar e à verdade histórica
José Armando Vizela Cardoso desempenha um papel significativo no apoio aos utentes do Hospital das Forças Armadas através da sua participação na Liga dos Amigos do hospital. A associação tem como principal objectivo garantir uma relação humanista entre os profissionais de saúde e os pacientes. Através de uma equipa de voluntários, a Liga oferece um serviço de acolhimento, que inclui a distribuição de refeições para as pessoas que vêm de longe realizar exames e um acompanhamento próximo dos doentes. Esse acompanhamento, realizado todas as manhãs diariamente, visa identificar sinais de depressão ou saudade excessiva dos familiares, oferecendo suporte emocional e, se necessário, alojamento para os familiares dos pacientes, permitindo-lhes apoiar os seus entes queridos durante o tratamento. Além disso, a associação disponibiliza bancos de ajuda técnica, como cadeiras de rodas, tudo de forma voluntária. Além do trabalho voluntário, José Armando Vizela Cardoso está também envolvido na Associação de História do Estado Novo (ASHENO), uma entidade dedicada a investigar e divulgar a verdade sobre o regime do Estado Novo em Portugal. A ASHENO é uma associação civil e apartidária, cujo foco é a investigação histórica e a promoção de um entendimento mais profundo desse período.