Gerir um clube não é o mesmo que gerir uma equipa de médicos
Pedro Patrício, 46 anos, é um dos homens do momento em Santarém. No ano passado assumiu a presidência da União de Santarém e este ano viu arrancar as obras do Hospital da Luz na sua cidade natal, um grande projecto que tem muito de si. Gestor hospitalar no Grupo Luz Saúde, divide o seu tempo por diversas actividades, como a produção de vinhos e a paixão pelo futebol como dirigente, praticante e adepto. As ambições políticas existem, mas estão reservadas para mais tarde.
É gestor hospitalar do Grupo Luz Saúde, presidente da União Desportiva de Santarém (UDS), empresário e produtor de vinhos. Como é que consegue desdobrar-se por tanta actividade? Porque trabalho sete dias da semana e porque hoje em dia, através da tecnologia, é mais fácil estar nos sítios através do telemóvel ou do computador. Há muitas reuniões remotas e consigo estar em vários sítios. Depois, tenho equipas muito boas e pessoas nos sítios certos.
Ser presidente da UDS estava entre os seus planos de vida ou foi um acontecimento circunstancial? Foi um acontecimento completamente circunstancial. Em 2019 convidaram-me para duas funções na cidade. Uma delas foi para presidente do conselho de administração do Hospital Distrital de Santarém, que era impossível de aceitar pela actividade que tenho no Hospital da Luz Lisboa.
Não pensou duas vezes? Não, nunca pensei. Agradeci muito o convite às pessoas, mas nunca me passou pela cabeça aceitar, até porque estou na gestão de saúde privada e é aí que gosto de estar e onde me sinto bem. Em 2019 também me convidaram para vir ajudar a UDS, mas na altura não foi possível. Numa conversa que tive com o meu conselho de administração, achámos por bem eu estar focado nos projectos hospitalares que tinha. Em 2023 voltámos a conversar e aqui estou eu.
O que mudou entretanto para a decisão ser diferente? Mudou pouco. Mudou a minha maturidade, fiquei mais velho; a minha experiência, sempre importante quando se gere qualquer área de negócio; e também a paixão pela cidade. E a paixão que sempre tive não só pelo Benfica mas também pela União de Santarém fez-me vir ajudar e tem corrido bem.
Imagine que voltavam a convidá-lo para administrador do Hospital Distrital de Santarém, ou melhor, da agora designada Unidade Local de Saúde da Lezíria do Tejo, já que se antevêem mexidas na administração? Daria a mesma resposta negativa que deu em 2019. Neste momento sim, de certeza absoluta. No futuro não sei.
A União de Santarém praticamente não tem património, a não ser um autocarro e carrinhas. Se não fosse a Câmara de Santarém o clube já não existia? Se não fosse a ajuda da Câmara Municipal de Santarém, sobretudo na gestão das infraestruturas, seja na Ribeira de Santarém, seja aqui no Chã das Padeiras, seria muito difícil existir.
Os apoios dados pela Câmara de Santarém, a nível de instalações e também financeiros, deixam-no satisfeito? Nunca estamos satisfeitos com o que temos. Normalmente, o ser humano é assim. Mas primeiro que tudo devemos ter uma palavra de gratidão, porque, sobretudo neste último ano, a Câmara de Santarém, a Viver Santarém e outras entidades, nomeadamente a União de Freguesias da Cidade de Santarém, têm feito quase tudo o que estava ao seu alcance para nos ajudar. Este ano foram feitas importantes obras no Campo Chã das Padeiras; agora há um trabalho muito importante para fazer, nomeadamente no coração do clube, que é a Ribeira de Santarém onde temos 300 crianças a jogar todos os dias. As condições são más, o relvado é muito mau…
A Câmara de Santarém já anunciou obras nesse campo. Há um projecto muito grande da câmara para fazer uma intervenção, que têm dito que vão fazer esta época, que é fundamental para melhorar as condições de trabalho. Se tivéssemos outro campo relvado tínhamos o dobro das crianças.
A cidade precisa mesmo de um estádio novo, conforme está previsto para a zona do complexo aquático municipal? É fundamental. Santarém é uma capital de distrito que não tem um estádio para poder jogar na Liga 2, por exemplo. Imaginando que a UDS sobe à Liga 2 este ano, não temos neste momento estádio. Com as condições que o Chã das Padeiras tem é praticamente impossível jogar na Liga 2. Também acho que os escalabitanos não iam gostar que a sua equipa principal tivesse que ir jogar para outra cidade, se calhar Rio Maior. Não faz sentido uma capital de distrito não ter um estádio. O projecto é bom para Santarém mas acho que vai demorar muitos anos e antes disso temos que preparar o Chã das Padeiras com bancadas diferentes, com balneários completamente diferentes, com acessos muito melhores. Temos algumas ideias, estamos a discuti-las com quem devemos de discutir, vamos ver o que vai acontecer.
O que pensa do projecto de requalificação do Campo Infante da Câmara, espaço que abrange o Campo Chã das Padeiras? Acho que se perde uma oportunidade de ouro de fazer um conceito como o estádio universitário de Lisboa no coração de Santarém, envolvendo o Chã Padeiras requalificado para estádio, com um miradouro por trás com uma vista magnífica sobre a lezíria. E construir vários campos de vários desportos no próprio largo, envolvendo a praça touros, com grande arvoredo. Ou seja, criar ali um grande centro de desporto e lazer e utilizar as barreiras adjacentes para trilhos para BTT, trail, running, etc... em vez do mato actual. A implementação de um parque verde urbano é correcta, mas devia ter vida desportiva e actividade de promoção de exercício e vida saudável, senão vai transformar-se em mais um jardim sem vida, sem pessoas.
“Santarém e a região merecem uma equipa na 1ª Liga”
A subida à Liga 3 por decisão administrativa foi polémica. O clube tem condições para se manter nesse patamar? É que a primeira experiência durou apenas um ano. O clube tem condições e o grande objectivo é a manutenção na Liga 3. Não estava cá quando foi a última participação na Liga 3, mas sei que este ano preparámo-nos de forma diferente, mais estruturada, com jogadores com outra capacidade. Arrancámos bem o campeonato, não prometemos que vamos subir, mas prometemos muito trabalho para alcançarmos a manutenção o mais rapidamente possível.
Tem traçado objectivos ambiciosos a médio prazo, como chegar aos campeonatos profissionais. Santarém e o distrito têm que ter uma equipa nas ligas profissionais. Esse é o primeiro ponto. Os jovens desta região que fazem a opção de serem jogadores profissionais de futebol não podem jogar cá. Isso não faz sentido nenhum. Por outro lado, Santarém e esta região merecem uma equipa na 1ª Liga. Pessoalmente, tenho a convicção de que se todas as entidades, todos os patrocinadores, sócios e adeptos quiserem a União de Santarém pode ser essa equipa nos dez primeiros lugares do futebol português.
Isso não é sonhar demasiado alto? Acho que não. Se não sonharmos e não tivermos a ambição alta, os objectivos tornam-se mais difíceis de serem cumpridos. Acho que é passo a passo. Com as condições actuais que o clube tem é completamente impossível lá chegar.
Santarém tem base social e económica para sustentar um clube num patamar desses? Tem. Hoje, quase todas as equipas das ligas profissionais são sociedades anónimas desportivas (SAD) com investidores e nós não somos diferentes. Temos, felizmente, procura de vários investidores que querem estar em Santarém por diversas razões e querem estar neste clube também pela organização que tem.
A SAD tem tido novos investidores? Estamos a trabalhar nisso, sim.
Ser presidente do clube e agora também da SAD é uma dupla responsabilidade. Sim, é diferente. Gerir uma SAD é gerir uma empresa, gerir um clube é gerir uma organização de pessoas viradas para a competição. São objectivos diferentes. Mas no fim do dia há um só clube e todos nós, seja SAD seja clube, temos órgãos sociais muito bons e que trabalham muito.
Ser gestor a nível profissional ajuda a navegar nessas águas? Evidentemente que sim. Com a experiência em gestão é mais fácil gerir recursos humanos, gerir orçamentos, infraestruturas, equipamentos. Gerir jogadores não é o mesmo que gerir médicos, gerir balneários não é o mesmo que gerir blocos operatórios, todas são engenharias de processo complexas, com pessoas muito diversas.
E como é lidar com os empresários dos jogadores? Foi uma experiência nova que tive este ano, melhor do que pensava. Tal como na vida profissional que sempre tive, é muito importante falar de uma forma o mais honesta e sincera possível. Tínhamos um orçamento para cumprir e cumprimos. Perdemos alguns jogadores por poucos euros mas não quisemos ultrapassar o nosso tecto salarial. Fiquei com uma relação muito boa com todos os empresários.
“O maior erro na saúde nos últimos anos foi acabar com as PPP”
Como é que um gestor hospitalar de um grupo privado vê o estado actual do Serviço Nacional de Saúde (SNS), com falta de médicos de família e de outras especialidades? O grande problema do SNS, na minha opinião, não é a falta de pessoas mas sim falta de organização e falta de coragem política para tomar uma série de decisões que podiam ser estruturantes.
Nomeadamente? Não tenho a certeza absoluta que a falta de médicos apregoada seja assim tão grande, acho é que a distribuição não será a mais correcta, sobretudo no interior. Desde há dois anos começou-se a resolver os problemas do SNS aumentando loucamente sistemas de incentivos às listas de espera, sejam elas cirúrgicas, de exames, entre outras. Não sei qual vai ser o peso negativo que isso vai ter no futuro da saúde e no bolso dos contribuintes. Percebo que gerir hospitais e gerir centros de saúde não é fácil, mas acho que Portugal está muito melhor do que há uns anos atrás, independentemente da cor política e de quem está no Ministério da Saúde. Está muito mais bem organizado, embora ainda haja um longo caminho a percorrer que pode ser feito com os privados e também com as misericórdias. Assim como foram feitas há uns anos as parcerias público-privadas (PPP) em dez hospitais com os resultados magníficos que tiveram. Infelizmente, dessas só resta uma, em Cascais.
Como viu a decisão de um anterior Governo de acabar com essas parcerias, como a que existia no Hospital Vila Franca de Xira? O maior erro na saúde nos últimos anos foi acabar com as PPP. Não tenho a menor dúvida. Eu estava ligado à PPP de Loures, um hospital fantástico, com uma organização muito boa, com gestão privada que funcionava bem, e hoje é uma desgraça.
Até que ponto é que o sector privado não contribui para as dificuldades do SNS, nomeadamente devido à sangria de médicos para o privado? O problema da gestão de recursos humanos, no fundo da segregação de recursos humanos entre público e privado não é bem essa. O problema neste momento é que - e eu tenho essa experiência porque contrato médicos e outros profissionais de saúde – a geração que está agora a acabar as especialidades com 30, 31, 32 anos tem uma filosofia de vida diferente e trabalha muito menos horas que as gerações da minha idade ou dos meus pais. Ou seja, até há uns anos atrás, os médicos, os enfermeiros, os técnicos de saúde tinham dois ou três empregos, trabalhavam 60 ou 70 horas. Hoje, esta nova geração quer trabalhar apenas num sítio, 30 ou 35 horas. Querem muito mais tempo para eles e, como eles lhe chamam, qualidade de vida. Isso faz com que haja muito menos horas no mercado. Portugal tem que se preparar para receber profissionais qualificados de outros países.
O que viu o Grupo Luz Saúde em Santarém para querer construir um hospital nessa cidade? E até que ponto é que há aí também um dedo seu? Há dez dedos. Como é evidente, a minha presença na gestão do Hospital da Luz e ser de Santarém deu uma ajuda forte nisto, neste trabalho conjunto entre a Luz Saúde e a Fidelidade. Vimos uma região do Ribatejo em franco crescimento, com cerca de 430 mil habitantes nos vários concelhos, e por outro lado nós, no Hospital da Luz em Lisboa, temos muitos clientes da zona de Santarém e do Ribatejo. O que quisemos fazer foi uma medicina de proximidade, ir para junto das pessoas. O processo foi muito complexo, com algumas questões políticas difíceis que depois, felizmente, foram resolvidas.
E vamos ter hospital da Luz em Santarém quando? O hospital está em construção, vamos já no piso 1. As obras estão a correr muito bem. Contamos abrir ao público em meados de 2026. Acho que vai ser um hospital de grande sucesso. É um hospital de média dimensão e de complexidade avançada, com quatro salas de bloco operatório e cerca de 50 camas para os doentes. Vamos ter três ressonâncias magnéticas. É um hospital já de uma dimensão muito grande, são 12.500 metros quadrados, 300 lugares de estacionamento, um acesso muito bom. São quase 60 milhões de investimento num projecto que achamos que vai ser muito bom para os ribatejanos.
E relativamente ao investimento que têm em curso em Vila Franca de Xira? Em Vila Franca é uma clínica ambulatória, sem bloco operatório, sem internamento, mas com urgência. Vai abrir ao público em Março de 2025.
Santarém passa a ter dois hospitais privados e um público. Há mercado e profissionais para todos? Mercado há de certeza absoluta. Quanto a profissionais, vai ser uma gestão difícil. Acho que as três instituições têm que trabalhar em conjunto para conseguirem angariar recursos humanos qualificados de outras zonas do país. A vantagem de Santarém é que está muito perto de Lisboa. Continuo a achar que é uma oportunidade. Temos que nos preparar e capacitar para trazer recursos humanos para cá e não nos andarmos a digladiar. Ninguém ganha com isso.
Candidatura à Câmara de Santarém é possibilidade daqui a uns anos
O seu pai, Francisco Patrício, para além de ter sido vice-presidente da União de Santarém foi também presidente de junta de freguesia, na Póvoa da Isenta. Não herdou dele o gosto pela política? Tal como o meu pai, o meu gosto não é pela política é pelas pessoas. Herdei essa capacidade dele, de estar junto das pessoas. A minha forma de gestão é muito operacional, gosto de estar junto das pessoas e fazer as coisas acontecer.
Se o convidassem para ser candidato à Câmara de Santarém ia pensar no assunto? Já me sondaram, mas não vou dizer quem. Foi nestes últimos tempos, o que é natural pois tenho mais exposição em Santarém, estou mais presente. Nas próximas eleições não serei de certeza candidato à câmara. Estou completamente empenhado nos projectos tanto do hospital como da União de Santarém. E, por outro lado, acho que um candidato à câmara tem que ter mundo, maturidade e experiência a gerir pessoas, a gerir negócios, a gerir problemas.
Falta-lhe algum desses atributos? Não, mas acho que daqui a mais uns mandatos já tenho mais maturidade e mais experiência. Tenho um horizonte temporal de quando é que isso pode vir a acontecer, e até tenho conversado isso com a minha família. Mas neste momento não faz sentido. E não tenho partido, a ser candidato teria que ser independente, isso é ponto assente.
A Câmara de Santarém mudou recentemente de presidente. Tem boas expectativas em relação ano novo presidente, João Leite? Tenho. Aliás tenho boa relação com todos, seja o presidente, vereadores ou as áreas administrativas e técnicas da câmara.
Se algum candidato lhe pedir apoio público como vai ser? À partida não poderei dar esse apoio público, até pelas funções que tenho como presidente da UDS e no hospital. Acho que seria mais útil a dar apoio de ideias, de como fazer coisas e como desenvolver a cidade e o concelho do que propriamente a aparecer em fotografias ou escrever sobre isso.
É irmão do mediático advogado Rui Patrício. Como é a vossa relação? É excelente. Aliás agora até temos uma brincadeira. Antes eu era o irmão do Rui Patrício e agora ele diz isso ao contrário, é o irmão do presidente da União de Santarém. Temos uma relação muito boa desde crianças, sempre fomos muito amigos e unidos. Uma relação muito alimentada pelos nossos pais. Falamos todos os dias e estamos muitas vezes juntos.
Gosta da exposição pública, de ser o homem de quem se fala? Não penso muito nisso. O importante é a UDS ganhar os jogos, Santarém desenvolver-se, o Hospital da Luz ser um sucesso nesta cidade. Santarém merecia um investimento destes.
Um homem de vários ofícios
Pedro Patrício nasceu no dia 22 de Novembro de 1977 em Santarém. Tem formação superior em radiologia e em gestão, desempenhando funções de gestor hospitalar no Grupo Luz Saúde. É divorciado e tem quatro filhas. Nunca trabalhou no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e no Grupo Luz Saúde tem responsabilidades na gestão hospitalar.
Benfiquista ferrenho, é desde o ano passado presidente da direcção da União Desportiva de Santarém e também da sociedade anónima desportiva que gere o futebol sénior do clube, que milita na Liga 3. Jogou futebol federado nos escalões jovens da União de Santarém. Admite que não passou ao lado de uma grande carreira, mas também não era ‘pé de chumbo’. Chegou a jogar pelas selecções distritais mas aos 17 anos fez a opção de ir estudar para Lisboa e deixar o futebol de competição.
O seu maior orgulho é a UDS não ter dívidas, uma realidade bem distante doutros tempos. “Um dos grandes objectivos em que estamos a trabalhar muito no clube é a sede de ganhar, incutindo esse espírito logo desde os escalões de formação”, diz, acrescentando que o objectivo é trabalhar para que a UDS não seja só um clube formador de jogadores para ser também um clube formador de seres humanos, num processo em que os pais são envolvidos. Acha que os clubes da cidade e da região deviam trabalhar mais em conjunto para o distrito ter mais representatividade no futebol português.
É também produtor de vinhos, na zona de Estremoz, Alentejo, com a marca própria “Já te disse”, nome de um cão rafeiro e de caça do avô de Alcanhões. Não sabia nada da poda mas foi aprendendo nos últimos seis anos e participa não só na poda mas também na vindima. O projecto que começou como um hobby transformou-se num negócio à séria. Também gosta de cinema, de ler e de ver e jogar futebol.