“A Golegã deixou de ser uma terra elitista agora pertence a todos os goleganenses”
Estamos em plena Feira Nacional do Cavalo e um dos rostos responsáveis pela nova dimensão do certame, que passou a dar lucro, é o vice-presidente da Câmara da Golegã, Diogo Rosa.
Jovem, ambicioso e enérgico, o também jurista e empresário explica nesta entrevista a O MIRANTE o que mudou desde que o movimento independente encabeçado por António Camilo conquistou a autarquia, afirmando, peremptoriamente, que a Golegã deixou de ser uma terra apenas para as elites.
A Câmara Municipal da Golegã tem um vice-presidente que é campeão nacional de triatlo e que quer ficar na história por pertencer a um movimento independente que fez renascer o concelho onde o cavalo é o seu grande ex-líbris. Diogo Alcaçarenho Rosa, 32 anos, é um jovem com energia para dar e vender. É licenciado em Direito, mestre em Ciências Jurídico-Empresariais e pós-graduado em Gestão. Exerceu a sua actividade profissional no sector da saúde, tendo desempenhado funções no Centro Hospitalar do Médio Tejo, no Gabinete Jurídico e como director do Serviço de Gestão da Qualidade. Também trabalhou no Hospital de Vila Franca de Xira e é professor nos Institutos Politécnicos de Tomar e Leiria.
Foi atleta de triatlo de alta competição e diz que o desporto, assim como a família, foram as principais influências na sua formação e desenvolvimento pessoal. Não tem dúvidas de que a Golegã é um concelho com muita margem de progressão e que a aposta na Educação e no Turismo são duas das grandes bandeiras do actual executivo. Por outro lado, reconhece que há muitos problemas na área da habitação e diz que é preciso continuar a trabalhar na oferta cultural do concelho.
Não esconde as ambições políticas, embora sublinhe que António Camilo continua a ser o presidente de câmara ideal para continuar à frente do projecto. Não poupa nas palavras quando questionado sobre o que mudou desde que José Veiga Maltez foi destronado: “o concelho estava parado. Inclusive foi dito pelo ex-presidente que já estava tudo feito. Os investimentos eram todos pensados para uma certa elite, mas esses tempos já acabaram”, afirma a O MIRANTE numa conversa realizada na véspera de começar mais uma edição da Feira Nacional do Cavalo. Uma entrevista onde, entre outros temas, critica os dirigentes políticos que utilizam os cargos distritais como se fossem trampolins para a exposição nacional.
Faz parte de um movimento independente encabeçado por António Camilo com o apoio do PSD. Foi a pessoa certa para devolver expressão à concelhia do partido? Foi uma coisa muito pensada. Começámos a trabalhar, salvo erro, em 2018, porque estavam reunidos vários factores. O mandato que o PS tinha iniciado em 2017 não estava a ser bom. Havia muito aquela aura de que o Veiga Maltez tinha de voltar porque o Rui Medinas fez um mandato fraco, e de facto fez. Depois era o D. Sebastião que tinha de voltar. Voltou, mas não houve evolução. Não há dúvida nenhuma que houve muita coisa bem feita desde 1998, mas também havia muita coisa para fazer. Era preciso mudar. O Camilo é um ganhador de eleições. Obviamente que o PSD teve um papel importante porque apoiou formalmente o movimento, apesar de não ter financiado de forma alguma.
A distrital do PSD tem estado afastada das concelhias e muitas delas estão inactivas. É um problema de liderança? Fui vogal em dois mandatos na comissão distrital. O trabalho da comissão política distrital é muito importante e exige proximidade. O que se tem visto é que há muitas pessoas que se aproveitam dos cargos como se fossem trampolins para chegarem a um lugar mais elevado. As eleições autárquicas são a base de qualquer partido e as câmaras não se ganham a um ano das eleições. É preciso muito trabalhinho…e claro, fazem falta dirigentes políticos na região que tenham peso a nível nacional, como o Miguel Relvas tinha, por exemplo.
O que mudou desde que lideram o executivo? Entrámos num mandato particularmente importante com uma série de fundos comunitários para aproveitar. A Câmara da Golegã é das que tem menos capacidade de investimento do nosso país, com um orçamento que não chega aos 10 milhões de euros. Quando nós chegámos, ao contrário daquilo que era dito pelo ex-presidente, não estava tudo feito. Temos um concelho onde é muito caro comprar casa, há falta de habitação, não há número suficiente de vagas em creches, chovia dentro das salas de aula. Os alunos tinham de ir, no Inverno, com mantas para se taparem porque não suportavam o frio.
Onde eram realizados os investimentos? Tínhamos as prioridades viradas ao contrário. A estratégia do anterior executivo estava muito virada para uma determinada elite. Não tenho medo nenhum de dizer isto. Os investimentos eram direccionados para essa elite. As necessidades das pessoas muitas vezes eram colocadas de parte, mas agora todos os goleganenses importam. Quando entrámos iniciámos logo a obra do cineteatro. É um espaço cultural que faz muita falta. Para mim a obra mais importante é a requalificação da escola, a primeira coisa que fiz.
Como olha para o turismo? Somos o concelho da Lezíria do Tejo com mais alojamentos locais oficiais por 100 habitantes. O turismo equestre é a alavanca disto tudo. A Feira Nacional do Cavalo é secular, tem 450 anos. As pessoas chegam à Golegã e sentem cavalo o ano todo. A feira, para além de ser um dinamizador económico do concelho, é também da região. Também temos um centro de alto rendimento equestre gerido pelo município com cerca de 20 provas anuais. São 20 fins-de-semana em que a Golegã recebe centenas de pessoas. Depois temos outro ponto turístico, o Paúl do Boquilobo. Segundo o ICNF é a reserva da biosfera com mais visitação, que alia a questão do turismo equestre com o turismo de natureza. Já é possível ir a cavalo à reserva com agentes turísticos que estão autorizados.
A falta de habitação é um problema para resolver? É um dos maiores problemas. Se for proprietário nesta terra de três habitações compensa muito mais arrendar a casa por cinco mil euros durante uma semana, na Feira do Cavalo, e tê-la vazia durante o resto ano, do que a arrendar por 300 ou 400 euros por mês e estar ocupada o ano todo. Ainda temos muitas casas devolutas e a Golegã tem espaço para crescer com nova habitação.
O que está a falhar no concelho? Olhe, uma das coisas é a recolha dos resíduos. Muitas vezes temos o nosso centro de transferências atolado de lixo e não faz sentido. Queremos garantir a recolha dos resíduos, depositamos onde é suposto, mas as coisas não funcionam bem. Muitas vezes temos os nossos ecopontos cheios de lixo. São coisas que não podem faltar porque pagamos bem para isso mesmo.
“Tenho capacidade para ser presidente”
Como é que é a sua relação com os funcionários da câmara? São cerca de 150 funcionários e tenho uma boa relação com todos. Não dou tantos beijinhos como o presidente, mas também gosto de criar empatia com as pessoas.
Gostava de ser presidente da câmara? Não sei. Há pessoas que me vêem com essa capacidade e eu também acho que a tenho. Tenho um compromisso com o presidente de o acompanhar enquanto ele tiver vontade de ser o líder da autarquia. O próximo ano eleitoral vai ser nos mesmos moldes das últimas eleições. Vai haver a renovação de alguns quadros, mas a política é de continuidade. Não sei se quero ser presidente no futuro, porque na política o que hoje é verdade amanhã é mentira.
Tem mais amigos hoje? Já conheci muita gente que hoje é minha amiga por causa da política, amizades que considero sinceras. Mas a política também te aproxima de pessoas que se nota logo à primeira que têm segundas intenções. É preciso não lhes dar demasiada confiança e saber filtrar as relações.
Os principais desafios de um autarca na Golegã são… Muita limitação orçamental. É preciso fazer muito com pouco. Há também um grande défice de recursos humanos, sobretudo qualificados. Isso causa muitos constrangimentos nas intervenções que fazemos.
O que se passa com o chumbo das contas da Lusitanus? Somos os maiores accionistas juntamente com a Associação Feira Nacional do Cavalo. Achamos que os estatutos actuais não respeitam o interesse público. Achamos que a empresa pode ser muito mais do que o que é. Que possa ter uma actividade de relevo e que gere riqueza para o concelho. O espaço tem que ser rentabilizado. Julgo que vamos chegar a um entendimento com direcção da Lusitanus porque já existe mais proximidade.
O ensino superior vai ser uma realidade? A estratégia do cavalo passa por três pilares: a formação, o desporto e o turismo. Todos eles estão interligados. Temos as melhores condições do país. Uma das lacunas que sentimos é que há poucas pessoas qualificadas no nosso concelho para trabalhar na área do turismo equestre. Porque trabalho há. Queremos formar as pessoas para elas poderem ficar cá a trabalhar e a viver.
Que importância tem o tecido associativo? Temos a sorte de ter associações muito dinâmicas, que muitas vezes cumprem o papel da autarquia. Fazem melhor do que nós com menos recursos. Têm voluntários e o know-how que é preciso para avançar com as ideias. Aumentámos as verbas financeiras para as associações e temos sempre a porta aberta para os apoios extraordinários. Temos uma política de apoio nos transportes muito vincada também. Olhamos para as associações como parceiras do município.
Como é a relação com as freguesias? Um dos nossos slogans de campanha era diminuir as assimetrias entre as freguesias e tentar proporcionar às pessoas as mesmas oportunidades. Obviamente que é difícil porque tendencialmente quem vive na sede de concelho tem mais vantagens. O que fazemos é ouvir os presidentes de junta e definir o que é prioridade para as freguesias. Isso tem sido bem conseguido e as pessoas sentem isso. Depois começámos a realizar mais eventos do município nas freguesias. Isso traz mais proximidade.
Não queria alguns autarcas a trabalhar na minha empresa
Gosta mais de ser jurista, empresário ou autarca? Autarca. É uma vida muito dura, em que se abdica de muita coisa. Estamos condicionados e há muitas coisas que não podemos fazer. As regras são muito apertadas e a família sofre com a nossa ausência. Se for ao café, por exemplo, passo mais tempo a responder a pedidos de munícipes do que a conviver. Também levo sempre trabalho para casa. A minha namorada, Teresa, compreende esta entrega. A mãe tinha-a avisado (risos).
Como olha para a política? Sempre senti vocação para a política. Fiz parte do JSD, fui presidente da concelhia do PSD da Golegã e fui secretário-geral da Distrital do partido. Acho que a classe política actualmente está muito mal vista. A política não é uma profissão, mas sim uma actividade nobre. Conheço autarcas que são excelentes, mas também conheço outros que são muito maus. Não os queria a trabalhar na minha empresa…a verdade é essa. Fazem falta autarcas que queiram realmente fazer a diferença na vida das pessoas.
A família e o desporto como fontes de inspiração
Tem orgulho nas suas origens? Nasci no Pragal, em Almada. A minha mãe era professora lá e o meu pai estava nos fuzileiros. Viemos para a Golegã quando era muito novo. Os meus avós sempre viveram cá, da parte do meu pai. Os avós maternos são de Angola, onde a minha mãe nasceu, mas na altura do 25 de Abril vieram para cá. Sempre tive uma família muito equilibrada e penso que isso contribuiu muito para a pessoa que sou hoje. Acho que a minha irmã, que é veterinária, pensa o mesmo.
Sentiu pressão da família para ser bem-sucedido? Sempre me disseram para nunca desperdiçar boas oportunidades, mas nunca senti pressão para ser um fora de série. Sempre senti foi necessidade de corresponder aos exemplos que tenho em casa.
O que aprendeu no curso de Direito? Tirei Direito na Universidade Lusófona e fiz mestrado na Clássica, em Lisboa. Também tenho uma pós-graduação em gestão no Politécnico de Tomar. Os estudos são muito importantes porque nos dão conhecimentos e obrigam-nos a prestar provas. Fui para direito muito por influência da minha tia, que já faleceu infelizmente, e que era advogada em Almeirim. Cheguei a trabalhar com ela no início.
Foi o seu primeiro emprego? Foi um estágio. O meu primeiro emprego foi no gabinete jurídico do Centro Hospitalar do Médio Tejo, onde cheguei a ser o director de serviço mais novo. Era director de serviço de qualidade. Depois, quando houve a mudança do conselho de administração, fui para o Hospital de Vila Franca de Xira, onde estive uns meses. Depois ganhámos as eleições para a Câmara da Golegã.
Também deu aulas… Sim, no Politécnico de Tomar e de Leiria. Tudo ligado à saúde, políticas e sistemas de saúde, protecção de dados, em cursos relacionados com a saúde. E também tenho uma actividade empresarial, na área da consultoria, também nestas áreas. Quando entrei para a câmara tive de afastar-me. É o meu sócio que está a fazer esse trabalho.
É um homem do desporto que já fez um Ironman. Como se prepara para uma prova dessas? Sempre fiz muitas actividades. Joguei ténis, basquete, andei de bicicleta, fiz natação. Foi no triatlo que me iniciei na competição a sério, com 16 anos. Comecei no Clube de Natação do Tejo. Depois pelo Núcleo do Sporting CP da Golegã, até que fui mesmo para o Sporting, onde estive quatro anos. Fui campeão nacional de triatlo no escalão Sub-23. O desporto mudou a minha personalidade. Chegava a treinar três vezes por dia quando estava na faculdade. Mas cumpri sempre as minhas obrigações. Há momentos em que queres desistir, mas há objectivos que tens de cumprir e isso forma muito o nosso carácter. Sofre-se muito fisicamente e psicologicamente.
A mudança de paradigma na Feira Nacional do Cavalo
Qual é o ambiente que se vive à volta da Feira Nacional do Cavalo? A Feira está hoje muito melhor, como nunca esteve. Muito mais organizada, profissional e muito mais segura, quer para as pessoas, quer para os animais. A Feira apresenta resultados negativos desde 1999, por aí. Desde que entrámos, em 2021, conseguimos mudar essa realidade. No primeiro ano conseguimos que não desse prejuízo e em 2022 e 2023 teve lucros na ordem dos 160 mil euros. Sem manobra financeira porque o orçamento aumentou. Não passámos despesas para a câmara para dizer que a feira teve melhores resultados. Há uma particularidade de que me orgulho. Em 2023 o município não precisou de colocar qualquer verba financeira.
Tem estabelecido parcerias? Quando chegámos só havia dois patrocinadores. Um deles pagava seis mil euros de patrocínio para ser o segundo maior patrocinador da feira e ocupar espaços que um castanheiro pagava 11 mil euros. Não era um patrocínio, era um desconto. Isto explica por que as coisas eram como eram. Fizemos muitas coisas, entretanto: desenvolvemos plataformas digitais, reforçamos o patrulhamento das autoridades, aumentámos as fiscalizações, investimos em mais veterinários, entre outras medidas.
E recentemente investiu-se mais de um milhão na expansão da feira. A necessidade de ampliar o espaço existe há mais de meio século. Expandir a feira no Largo do Arneiro era fundamental. A feira tem potencial para pagar o investimento. Fizemos um estudo de viabilidade financeira e apresentámos a solução à banca. Agora temos espaços muito mais fáceis de montar e desmontar e conseguimos tirar muitas pessoas das ruas o que dá mais segurança a quem circula, a pé ou a cavalo. O investimento paga-se em 10 anos.