Entrevista | 09-12-2024 10:00

A poluição no Almonda, a Renova e o infindável processo da Fabrióleo

A poluição no Almonda, a Renova e o infindável processo da Fabrióleo
João Trindade é vereador do executivo de maioria socialista na Câmara de Torres Novas, responsável pelo pelouro do Ambiente

Os casos de doença oncológica nos que vivem junto à Fabrióleo, os anos de impunidade e a remoção do passivo ambiental deixado pela empresa e que os contribuintes andam a pagar mostram, para o vereador do Ambiente na Câmara de Torres Novas, uma lacuna do Estado. O valor irrisório que a Renova paga pela água captada, a poluição no rio Almonda e corrida às próximas autárquicas são outros dos assuntos abordados nesta entrevista a João Trindade.

João Trindade tem 43 anos, é natural de Coimbra e vive há 11 em Torres Novas. Uma decisão da qual não se arrepende e que lhe trouxe “qualidade de vida”. Vereador na Câmara de Torres Novas responsável pelas pastas da Mobilidade Urbana e do Ambiente, diz que continuam a existir demasiadas “descargas ilegais, essencialmente de fontes domésticas, para a linha de água” e defende que acabar com esses problemas depende do olhar que os munícipes e as empresas têm perante o rio. Embora Torres Novas seja um dos poucos concelhos do país com dois guarda-rios a monitorizar a qualidade da água e a identificar focos de poluição, afirma que o município nunca conseguirá ter fiscalização 100% eficaz uma vez que “qualquer caixa de água pluvial vai ter ao rio”, o que significa que “qualquer pessoa pode contribuir para a degradação da qualidade da água”.
Engenheiro do Ambiente, define-se como pessoa trabalhadora que gosta de sonhar e projectar o futuro, e com “orgulho” no trabalho que tem desenvolvido com o restante executivo socialista. É por isso, explica, que publica com frequência nas redes sociais as obras e medidas que vão sendo implementadas sem receio de levar com críticas, às quais responde “sem entrar em guerras”. Diz que está na política como na vida, “sem ressentimentos nem vinganças”. Depois explica: “independentemente do que se faça e como se faça as pessoas vêem sempre o lado negativo. É cultural. Temos dificuldade de reconhecer o trabalho do outro e dizer obrigada, e para os políticos ainda pior”.
Casado e pai de dois filhos, ingressou na vida autárquica em 2017 como eleito na Assembleia Municipal de Torres Novas e Assembleia de Freguesia de Brogueira, Parceiros de Igreja e Alcorochel. Antigo escuteiro e com actividade na vida associativa, João Trindade assume que gostava de voltar a integrar as listas à câmara municipal.

Em Agosto uma descarga poluente matou milhares de peixes no rio Almonda mas a culpa vai morrer solteira. É uma promoção à desresponsabilização de um crime? Não desejo que assim seja. O município tem todo o interesse em saber qual foi o poluente, a empresa, a pessoa responsável, mas não vai ser fácil porque foi algo que ocorreu naquele momento que não tinha sucedido antes. Quando temos eventos que só ocorrem uma vez é difícil termos mais dados ou identificar o responsável, mas a investigação continua. As pessoas acusam-nos de querer esconder algo, mas não é nada disso.
Foi descartada a hipótese da morte dos peixes ter sido provocada pelas acções de limpeza que decorreram no rio? Fizemos um abaixamento do rio uma semana antes dum evento [de triatlo] e depois o nível voltou ao normal, ou seja, antes do que aconteceu já o nível da água estava estabilizado. Além disso, no Verão passado, numa acção semelhante baixámos durante mais dias o nível da água e não aconteceu nada. Temos uma análise do dia 31 de Julho e dezenas de amostras onde se pode ver a evolução da qualidade do rio, que nessa zona tem sempre boa ou excelente qualidade, à excepção de uma que nos dá matéria orgânica. Se fosse por baixar o rio nunca daria estes valores.
Além deste episódio de poluição têm ocorrido outros, um dos quais assumido pela Renova. As empresas continuam a ser pouco transparentes e levianas em relação aos impactes que provocam na natureza? As empresas, no global, têm mais consciência do que há uns anos, mas continua a haver questões ambientais provocadas pela indústria. O município tem estado a acompanhar e comunicando à APA e GNR quando há ocorrências, inclusive, numa dessas situações provocadas pela Renova acompanhámos os trabalhos limpeza do rio que estava cheio de resíduos. Mas continuo a achar que a diversidade de entidades que existem no Estado, cada uma com área de fiscalização específica, e o facto de não haver uma entidade supra que consiga conjugar as várias entidades é uma lacuna. Na prática não conseguimos actuar como se deveria e com mão pesada.
Uma reportagem da RTP constatou que a Renova, que num ano capta dois milhões de metros cúbicos de água do Almonda, paga menos de meio cêntimo por cada mil litros. Concorda que uma empresa que factura milhões pague um valor tão irrisório por um recurso esgotável? Quem define os valores não é a câmara municipal. Acho que os valores da água devem estar próximos dos valores que o cidadão comum paga na rede pública que é muito superior. Para os sistemas serem justos o valor deveria estar mais próximo.
Para quando o encerrar do processo de remoção de resíduos perigosos da Fabrióleo? Gostava que estivesse mais avançado. Começámos a remoção mas as dimensões que tínhamos afinal eram maiores o que fez com que houvesse mais efluente. Limpámos três tanques na totalidade, começámos um quarto mas a verba acabou... estamos a falar de 745 mil euros do Fundo Ambiental, dinheiro que é de todos. É um valor muito elevado, mas o perigo que ali estava era tão elevado que era uma irresponsabilidade se não fizéssemos o esforço de remover tudo e proceder à descontaminação do solo. Ainda há muito trabalho para fazer porque as lagoas estão cheias e quando chove continua a haver derrames para a linha de água. Temos de sensibilizar novamente esta ministra [do Ambiente] e a APA.
Não valeu de muito o esforço que fizeram... Não, valeu. Porque havia o risco de os tanques fissurarem e de termos milhões de litros de águas ácidas a ir parar ao rio. E esse perigo acabou pelo menos.
Não devia ter sido a empresa obrigada a custear os trabalhos de remoção do passivo ambiental ao invés de ser o contribuinte? Sim, devia ser a entidade que tem o passivo ambiental a responsável pelo tratamento. Qualquer empresa deve ser responsável pelos seus resíduos.
Neste caso foram anos e anos de irresponsabilidade... Sim, foram anos de irresponsabilidade e deviam ter sido eles a resolver esta situação. Continuo a achar que o Estado ainda tem uma palavra a dizer neste processo todo, o Ministério Público poderia ter uma acção relativamente a esta situação porque não está resolvido este problema. A população, no dia em que aquilo desaparecer na totalidade, fica aliviada. A quantidade de pessoas que sofreram doenças cancerígenas... não há nenhum estudo feito mas as pessoas dizem que no redor das instalações quase todas as casas tem ou tiveram pessoas com doença oncológica. Custa-me compreender como é que o país não olha para estas situações e tenta fazer diferente. Se há processo onde o Estado mostra fragilidades ambientais e sociais é no da Fabrióleo.
A população de Torres Novas já aprendeu a usar as bicicletas de uso partilhado sem as vandalizar? Está melhor. Acho que o facto de logo ao fim de um mês as bicicletas terem saído de circulação fez as pessoas perceber que as devem usar de forma adequada. Mas continua a ver-se duas pessoas a andar na mesma bicicleta. Desde que retomámos a afluência está mais baixa, temos de fazer um esforço de promoção.
Há planos para fazer chegar os Transportes Urbanos Torrejanos (TUT) a todas as aldeias do concelho até final do mandato? Criámos uma linha nova, uma ligação rápida entre Torres Novas e Riachos, que foi grande aposta a nível de mobilidade. Para as aldeias existem alternativas e como não pode haver sobreposição à rede pública, nunca avançámos.
Mas os TUT são gratuitos e a rede pública não. Não cria desigualdade? Cria desigualdade, mas partindo do pressuposto que quem usa os TUT são só os habitantes da cidade e isso não é verdade. Há pessoas que se deslocam para a cidade e depois se deslocam nos TUT. O município deve continuar a lutar para que esta rede seja melhorada e alargada.

Candidato que suceder a Pedro Ferreira vai ter tarefa difícil

Como é ter o vereador do Movimento P’la Nossa Terra, António Rodrigues, sentado ao seu lado nas reuniões de câmara? O vereador António Rodrigues, que foi 20 anos presidente desta autarquia, tem o seu feitio peculiar. Vai-se embora das reuniões, levanta-se e senta-se... mas não posso dizer que temos má relação.
Nunca o vemos levantar a voz mesmo quando aquece nas reuniões de câmara. Sou uma pessoa calma, levantar a voz não faz parte da minha essência e tento ser racional.
Não teme ficar conhecido como o vereador que atirou um carro da câmara para a sucata a um feriado? Não, não vou ficar conhecido por isso porque quem me conhece e trabalha comigo desvaloriza completamente a situação. Quando sair das funções que desempenho sairei sempre de consciência tranquila, sempre com uma atitude positiva porque tudo o que fiz foi sempre com a melhor das intenções. Deixo, nas áreas em que trabalho, o município muito melhor do que o encontrei, digo isto sem arrogância nenhuma.
Quem melhor pode suceder a Pedro Ferreira no cargo de presidente? Não devo responder à pergunta porque o PS ainda não escolheu publicamente. Seja quem foi a pessoa que lhe suceda será sempre um fardo porque não é fácil suceder a um homem como o Pedro Ferreira, que admiro muito. Voltando à pergunta, há pessoas capazes de fazer um trabalho diferente mas também muito bom por Torres Novas e há mais do que uma pessoa capaz de o fazer.

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