Entrevista | 29-12-2024 15:00

“O PS tornou-se um partido enfadonho e VFX não pode ficar agarrada às conquistas do passado”

“O PS tornou-se um partido enfadonho e VFX não pode ficar agarrada às conquistas do passado”
A zona ribeirinha é um dos espaços de eleição de Miguel Prata Roque

Miguel Prata Roque, 46 anos, é um vilafranquense que está na corrida à presidência da Federação da Área Urbana de Lisboa do PS (FAUL).

Jurista, comentador televisivo, ex-secretário de Estado e professor universitário, diz nesta conversa com O MIRANTE que os políticos não podem tratar as pessoas como se fossem crianças, que o populismo se combate com honestidade e que o sistema judicial precisa de saber respeitar-se a si próprio. Defende que o concelho de Vila Franca de Xira precisa de reforçar a preocupação com o desenvolvimento económico para atrair população e deixa um aviso ao executivo de Fernando Paulo Ferreira, para que não adormeça à sombra dos louros deixados por Maria da Luz Rosinha e Alberto Mesquita.

Nasceu em Vila Franca de Xira (VFX) e depois de alguns anos a morar em Lisboa regressou à sua cidade. Porquê? Voltei pela qualidade de vida. Gostei de voltar e ir à praça, falar com a Belinha que vendia frangos à minha mãe e à minha avó e ir comprar legumes à dona Custódia. Ela sabe que gosto de espinafres selvagens e guarda-me sempre um molho. Gosto de ir ao supermercado de VFX e saber que as empregadas da caixa têm tempo para conversar comigo. Em Lisboa, as pessoas estão muito pressionadas pelo tempo e o trânsito, o ritmo é diferente.
Muita gente diz que VFX está vazia e perdeu a vida de antigamente. Não sente isso? Sinto que o fecho do Vila Franca Centro afectou muito a cidade. É fundamental que qualquer autarca no concelho perceba que precisamos de âncoras nas cidades, ter um bom hospital, tribunal e um centro comercial com lojas e supermercados, com cinema e teatro. Isso é fundamental para as pessoas saírem de casa. VFX era uma cidade com uma grande vida cultural e associativa e isso perdeu-se. Não por responsabilidade de um governante mas porque o mundo actual afasta as pessoas. As pessoas saem muito cedo de casa e regressam tarde do trabalho. O problema desta organização social, económica e de trabalho actual é que não dá espaço às pessoas para a interacção. As pessoas são apenas um instrumento na cadeia de produção e tendemos a desconsiderar a dimensão cultural, cívica e associativa das localidades. É por isso que as pessoas se sentem insatisfeitas e amarguradas: porque deixámos de ter contacto presencial. Mas não podemos passar a vida com saudades do passado.
Não podemos ficar no sofá à espera que os autarcas resolvam tudo? Não. É muito importante não ficarmos apenas nos queixumes, a protestar, reclamar e insultar quem exerce essas funções. Exercer funções públicas ao serviço dos outros dá-nos muita modéstia e humildade. Permite-nos perceber que é muito difícil transformar as coisas. É por isso que devíamos todos tentar contribuir para que a vida comunitária seja melhor. Andamos todos muito zangados uns com os outros.
Perante esse descontentamento, não corre o PS o risco de perder as próximas autárquicas em VFX? O concelho é muito heterogéneo e tem bolsas diferentes de eleitorado. Temos a Póvoa, Forte da Casa, Alverca, em que temos população que vem essencialmente cá dormir. Pessoas que foram expulsas do centro de Lisboa e que têm vindo a comprar casa no concelho. São pessoas da classe média que correspondem ao eleitorado do PS. E depois temos as terras com maiores raízes ribatejanas, como VFX, Alhandra, São João dos Montes. As políticas do PS no concelho pedem meças com outros concelhos como Oeiras, Amadora ou Loures. Temos um concelho com boas infraestruturas e bem desenvolvido, mas não podemos ficar agarrados às conquistas do passado. É preciso novas iniciativas.
Não podem adormecer na forma... Exactamente. A Maria da Luz Rosinha ganhou eleições porque apresentou vários projectos que foram importantes para a comunidade. Fez propostas de construção de infraestruturas como o novo hospital. Vivemos um grande progresso em VFX nos últimos anos. Mas as pessoas não vivem só de infraestruturas. E o que tem acontecido em VFX, e na sede de concelho em particular, é a perda de estabelecimentos comerciais e industriais que permitiam criar emprego. E isso também dá qualidade de vida às pessoas: se não forem obrigadas a ir trabalhar para outros concelhos.
Não há nada a melhorar no concelho? A recolha do lixo por exemplo? Há aspectos que têm de ser corrigidos e coisas a melhorar. Para mim deve haver maior preocupação com a dinamização económica. Temos muita indústria logística e armazéns que contribuem para o progresso económico do concelho mas vimos desmanteladas outras indústrias pesadas. Sempre tivemos indústria pesada no concelho e é importante que continuássemos a ser um concelho de ponta nessas indústrias.
Novo aeroporto em Alverca: sim ou não? Essa decisão está tomada e foi bem tomada. Benavente foi bem escolhido. O aeroporto pode ser um centro de criação de riqueza em VFX. É importante que a ponte de VFX possa ser alvo de melhorias infraestruturais para servir de ligação privilegiada ao Ribatejo e ao centro do país. O que pretendo é que o país possa continuar a crescer com critérios de sustentabilidade ambiental. Um aeroporto em Alverca envolvia os mesmos problemas que a Portela: estar numa malha urbana gerando grande desconforto às populações que lá moram e riscos de segurança dos bens e das pessoas. A construção do aeroporto pode também gerar emprego no nosso concelho. Haverá oportunidades para fornecedores, como o fornecimento de refeições, fardamento, produção de peças, entre outras, que possam ser daqui. É preciso que o poder autárquico faça a antecipação a essa avaliação do impacto social e económico que o aeroporto terá para o concelho e que trabalhe com os grupos económicos e forças vivas para nos prepararmos para isso: sermos um entreposto entre Lisboa sul e o norte do país.
Faz sentido VFX estar na Área Metropolitana de Lisboa? Não era melhor no Oeste ou Ribatejo? Essa é uma discussão muito importante. Na região da grande Lisboa, que vai de Setúbal a Mafra, o rendimento per capita é superior à média comunitária. Cascais, Oeiras e Lisboa, que são sede de multinacionais, potenciam esse rendimento global da região mas isso não significa que haja uma distribuição justa e equitativa dos rendimentos e do acesso a fundos de coesão. Continuamos a ter bolsas de grande pobreza, incluindo no concelho, em Vialonga, Povos e São João dos Montes. Como Lisboa está considerada como região desenvolvida, VFX não pode aceder a fundos comunitários para realizar, por exemplo, projectos de inclusão social ou construção de infraestruturas. O que os concelhos devem discutir é se faz sentido que todos os outros, como VFX, mais desfavorecidos e que têm problemas sérios, sejam penalizados por estarem agregados a concelhos mais ricos. VFX tem muito a ganhar com a proximidade com Lisboa. Mas quando negociarmos com a União Europeia temos de reivindicar e mostrar que há grande assimetria dentro desta área urbana.
Se Oeiras e Cascais conseguiram captar essas grandes multinacionais porque é que VFX não conseguiu? Há uma excessiva competição entre os concelhos da AML, que é estimulada pela lei de financiamento das autarquias locais. A localização desses concelhos, próxima do porto de Lisboa, ajudou a fixar algumas dessas empresas. Não temos de rivalizar com eles, temos de procurar os nossos próprios nichos económicos e fazer diferente. A proximidade ao futuro aeroporto deve levar a especializar-nos em áreas da aeronáutica, indústria alimentar, transportes, fardamento, entre outras. Tem de haver uma visão mobilizadora para o concelho.
Como vê a destruição da frente ribeirinha de Alhandra e VFX com o alargamento da Linha do Norte? O país não pode adiar mais esta decisão. A obra não pode descaracterizar as nossas cidades. Aprendi a andar bicicleta no Jardim Palha Blanco e o meu avô esperava por mim nos bancos que agora vão ser deitados abaixo. Sinto isto pessoalmente e têm de ser adoptadas todas as medidas técnicas possíveis para minorar os impactos. VFX e Alhandra conquistaram o acesso ao rio. Por isso a construção da linha não pode significar a perda do que conquistámos nos últimos 20 anos. Tem de haver recompensas para o território e tem de ser negociado com o governo uma compensação para VFX. O executivo da câmara vai ter de ser capaz de o fazer. Não quero acreditar que não o faça.

“Pode fazer-se política sem ser à procura de tacho”

Após 28 anos de militância no PS Miguel Prata Roque anunciou a sua candidatura à PS-FAUL, após a demissão de Ricardo Leão, actual presidente da Câmara de Loures. Enfrenta a eurodeputada e ex-presidente da Câmara da Amadora, Carla Tavares.

Já passou por um governo e disse agora concorrer à FAUL por não ter ambição de ter cargos públicos. Saiu desiludido? Não. Mas há várias formas de servir o país e as pessoas. Não tenho nenhuma intenção de ser candidato a presidente de câmara ou a deputado. Essa visão de que as pessoas só podem contribuir para a resolução dos problemas através de cargos públicos é um preconceito. O PS é fundador do regime democrático e tem a responsabilidade de parar para pensar. Fazer uma reflexão sobre o que andou a fazer desde 1995. O país desenvolveu-se muito, a nossa região também. Mas as pessoas andam mais insatisfeitas, amarguradas, e isso reflecte-se na forma como lidam com os políticos. As pessoas estão fartas de políticos que não são autênticos, não falam com o coração, não lhes explicam as coisas. As pessoas não podem ser tratadas como se fossem crianças.
O PS tornou-se um partido cinzentão? Sim. Tornou-se um partido enfadonho, tecnocrata, que acha que basta dominar bem os dossiês técnicos e executá-los para ter sucesso. Mas a vida não é apenas isso.
Não foi capaz de antecipar o aparecimento do populismo? Já tivemos vários movimentos populistas em Portugal. Sidónio Pais na 1ª República, Otelo Saraiva de Carvalho no PREC, o António Marinho e Pinto recentemente. São movimentos cíclicos. Temos de perceber a causa da insatisfação das pessoas. Anteriormente, as pessoas insatisfeitas concentravam o seu voto no Partido Comunista Português, que era um partido muito baseado nos sindicatos, na reivindicação nas ruas e que compreendia esta necessidade de conversar com as pessoas para servir de pipo da panela de pressão. A pressão social saía às ruas através de manifestações organizadas e dos sindicatos. Mas hoje as pessoas estão fechadas em si próprias. Já não vão às comissões de trabalhadores, aos plenários, vão ao grupo do Facebook ou do WhatsApp e desabafam, dizendo coisas que às vezes não sentem de verdade e que nem diriam se estivessem frente a frente com outras pessoas. Esse ambiente gerou um desfasamento e desligamento das pessoas face aos partidos tradicionais e a realidade das ruas.
A vida dos políticos não se pode reger pela indignação das redes sociais… Sim, que muitas vezes é instrumentalizada por pessoas que querem apenas ganhar patrocínios das plataformas electrónicas e com isso ganhar dinheiro com a indústria da indignação. O populismo não está a crescer, apenas a verbalização de opiniões que sempre existiram na sociedade portuguesa. Só que as pessoas tinham vergonha de dizer essas alarvidades. Hoje, como há políticos que têm a desfaçatez de não ter respeito pela dignidade dos outros, permitem que pessoas zangadas, mal intencionadas, verbalizem opiniões que achamos inaceitáveis. A esmagadora maioria da população portuguesa é educada, bem formada e respeitadora dos outros.
Numa sociedade do imediatismo é mais difícil entender problemas que tardam em resolver-se. A burocracia é maior que a vontade de mudar as coisas? Há uma grande vontade dos dirigentes e funcionários públicos de serem respeitados e terem oportunidade de fazer a mudança. Mas os governantes não têm um caminho projectado e não dirigem, não têm projectos concretos que queiram executar. A administração pública tem sido muito mal tratada nos últimos anos. Há o preconceito de que os trabalhadores públicos estão encostados à parede sem fazerem nada, que saem cedo, entram tarde, e isso é altamente injusto. Há pessoas subaproveitadas e temos de conseguir motivar essas pessoas. Sinto mais burocracia quando lido com o meu banco do que com a administração pública. Muitas vezes não se tomam decisões inovadoras porque os dirigentes têm medo de errar. E nós, na vida, não podemos ter medo de errar. É importante tentar e falhar e os cidadãos têm de ser compreensivos em relação aos governantes, deixando-os errar, porque só errando conseguimos inovar e transformar as coisas.
A FAUL andou adormecida estes anos. O que quer mudar? Enquanto presidente, a minha função será fazer um diagnóstico para perceber como está a relação entre os portugueses e o PS e promover uma reconciliação. Para que se perceba que é possível fazer política sem andar à procura de tacho. É preciso perceber que exercer um cargo público não é ter um tacho. Há pessoas que ganham muito mais na sua vida profissional do que quando exercem cargos públicos. Não venho para o PS para atingir ambições pessoais. A minha ambição é transformar a forma como os políticos lidam com as pessoas diariamente. É muito importante que a FAUL tenha uma voz reconhecida cá fora. É preciso que na região de Lisboa haja uma voz representativa dos interesses locais. Lisboa não é apenas a capital, é toda uma área com dinamismo social, económico e cultural. E é importante que o país perceba as necessidades específicas desta região.
Ainda o vamos ver como ministro? Não é algo que tenha no meu horizonte. Não excluo essa possibilidade, mas não é um objectivo de vida. Não pegarei no telemóvel, como fez Dias Loureiro, e direi “Pai, sou ministro”. Nem o meu pai ficaria satisfeito se isso acontecesse (risos). Sinto que consigo fazer mais coisas e mudar o mundo ensinando os meus alunos na faculdade e quando intervenho civicamente para combatermos a xenofobia e o racismo e defendendo a igualdade.
E autarca? Está disponível para suceder ou enfrentar Fernando Paulo Ferreira? Não tenho isso no meu horizonte mas estarei sempre disponível para o PS de VFX, sempre que o partido precisar de mim.

Tribunais administrativos são os que pior funcionam

Miguel Prata Roque, jurista, professor na Faculdade de Direito e doutor em ciências jurídico-políticas, investigador do Centro de Investigação de Direito Público e que já foi coordenador do Observatório Permanente da Administração Pública, diz que a lentidão dos tribunais administrativos em Portugal é um problema que embaraça a justiça e precisa de ser resolvida. “Os tribunais administrativos são os que pior funcionam em Portugal. Tenho clientes à espera há cinco anos por decisões da primeira instância. Isso é inaceitável, porque quando o Estado abusa do seu poder é fundamental que possamos reagir enquanto cidadãos e empresas a esse abuso de poder. E, infelizmente, ainda não conseguimos fazer isso”, critica.
Para o jurista, a única forma de melhorar a celeridade da justiça é promovendo mecanismos preventivos. “As pessoas ainda acham que é importante ir a tribunal e litigar. Mas é mais importante evitar os conflitos. Uma justiça que não promove meios alternativos de resolução de litígios, que permite o arrastamento dos processos, é uma justiça que não se respeita a ela própria”, lamenta.

Um político que acredita no diálogo e diz o que lhe vai na alma

Miguel Prata Roque nasceu em Janeiro de 1978, é advogado e já foi secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, de 2015 a 2017. Desempenhou funções de assessor do Gabinete de Juízes do Tribunal Constitucional entre 2007 e 2014 e de adjunto do ministro dos Assuntos Parlamentares entre 2005 e 2007. Foi também assessor jurídico do vice-presidente do Parlamento Europeu entre 2004 e 2005.
Sempre estudou em escolas públicas e orgulha-se disso. Em Vila Franca de Xira garante que faz as compras no comércio local e nos supermercados da cidade. “Vou aqui ao ginásio, faço caminhadas no passeio ribeirinho e vou ao mercado aos sábados. Não sou vegetariano mas acho que a alimentação saudável é importante. Sou boa boca mas gosto de comida alentejana, sobretudo migas com carne de alguidar”, confessa.
Não tem uma posição formada sobre a regionalização, embora à primeira vista não pareça ser contra. Considera-se um político genuíno que fala o que lhe vai na alma e gosta de ouvir Bon Jovi e Aerosmith. O verde é a sua cor favorita e é adepto do Sporting Clube de Portugal. Diz que sempre que tem um sonho por concretizar arrisca torná-lo realidade. Viaja bastante em trabalho e por isso confessa não ter um destino de sonho, embora conhecer melhor os Estados Unidos seja algo que gostasse de explorar.

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