Ernesto Ferreira: “Alenquer ainda está a pagar o fracasso da construção de um aeroporto na OTA”
Ernesto Ferreira, vereador da CDU, tem sido uma voz crítica na Câmara de Alenquer desde 2017. Com um longo percurso sindical, aponta a falta de aplicação prática das propostas da CDU e lamenta a gestão da maioria socialista nas áreas da água, habitação e educação. O autarca defende mudanças estruturais, como a criação de uma empresa municipal de água e recolha de resíduos e uma revisão urgente do plano de habitação.
As propostas e recomendações da CDU têm sido aceites pela maioria socialista na Câmara de Alenquer, mas sem aplicação prática. Ernesto Ferreira é o rosto de algumas dessas propostas desde Outubro de 2017, quando assumiu funções de vereador da CDU na autarquia. Vindo da área sindical, e após ter sido vereador na Câmara de Vila Franca de Xira, mudou-se para Alenquer onde assume uma postura de crítica construtiva e responsável. “Nas questões essenciais, como a água, fomos a única força política a opor-se à privatização, e hoje mostramos que tínhamos razão”, afirma.
Ernesto Ferreira é crítico em relação à Águas de Alenquer (ADA) e ainda mais ao facto do executivo camarário não exigir à empresa, que detém a concessão da água em Alenquer, a concretização dos investimentos necessários na rede de abastecimento. As roturas na rede têm sido mais que muitas e o concelho continua a ter uma das águas mais caras do país, com a factura a pesar ainda mais aos consumidores em 2025. “Defendo a criação de uma empresa municipal, como acontece em Vila Franca de Xira ou Torres Vedras, que permita investir nas infraestruturas em vez de canalizar lucros para os accionistas. Rescindir o contrato de concessão com a ADA seria oneroso, mas o executivo devia começar a preparar o regresso da água para a sua esfera”, reiterou. O mesmo defende em relação à recolha de resíduos sólidos urbanos.
O vereador diz ainda que os munícipes não têm a culpa de o aeroporto não ter sido construído na Ota, concelho de Alenquer, relembrando que durante anos houve muita especulação imobiliária e terrenos que foram ocupados indiscriminadamente a contar com a construção da infraestrutura. A ideia de um aeroporto na Ota foi abandonada em 2008 e hoje a população ainda está a pagar por uma decisão que não passou do papel. “O Plano Director Municipal já devia ter sido revisto há muitos anos. O aeroporto veio de facto trazer muitos problemas e com isto tudo Alenquer não tem habitação disponível, nem para vender, nem para alugar”, refere.
A freguesia do Carregado enfrenta preços altíssimos das habitações enquanto que as aldeias têm casas desabitadas e a precisar de obras. Em caso de catástrofes naturais como as cheias ou até um terramoto, Alenquer não tem locais para alojar as pessoas. Ernesto Ferreira aponta ainda para a falta de visão estratégica do executivo, que não aproveitou os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), e critica as “decisões feitas em cima do joelho”, as vistas curtas em matérias de habitação, educação e as demoras nos processos.
Escolas sobrelotadas e falta de auxiliares
Ernesto Ferreira acredita que a Câmara de Alenquer apresenta um saldo negativo em relação a algumas competências que lhe foram transferidas, especialmente na área da educação. Tem gasto mais do que recebe, resultado de uma lei negociada entre o PS e o PSD, que não salvaguardou questões essenciais.
A alegação de que a câmara cumpre o rácio de assistentes operacionais não é suficiente, já que há um elevado número de baixas médicas. “Sendo esta uma área maioritariamente ocupada por mulheres com filhos, que frequentemente necessitam de acompanhamento, é essencial prever estas situações. Sem contabilizar o absentismo, cumprir o rácio não reflecte a realidade. A solução seria prever um reforço de 5% ou 10% para compensar estas ausências inevitáveis”, considera o autarca da CDU.
As escolas das freguesias de Alenquer e Carregado estão sobrecarregadas e há uma necessidade urgente de uma nova escola secundária. A CDU defende que o Carregado tem condições para acolher uma secundária, aliviando a pressão sobre Alenquer. No entanto, a solução apresentada pelo PS é a criação de uma “superescola”. Apesar de o aumento do número de crianças no concelho ser evidente, não se têm feito projecções para as futuras necessidades educativas. “A revisão da Carta Educativa, tal como o PDM, está atrasada há anos, prejudicando o desenvolvimento estratégico do concelho”, diz.
Outro exemplo de má gestão apontado por Ernesto Ferreira é o caso do Centro Escolar de Cabanas de Torres, construído sem a devida garantia de acessos. Até hoje, o transporte público não é adequado para a zona sendo mais um processo que continua a ser adiado sem solução à vista.
“Alguns dizem-me: és bom rapaz é pena é seres comunista”
Está disponível para voltar a ser cabeça de lista da CDU à câmara de Alenquer nas próximas autárquicas? Estamos a trabalhar nisso, já demonstrei a minha disponibilidade, mas se houver outras possibilidades ou outros candidatos com condições, tudo bem. Ainda não há uma decisão, está a ser analisado internamente. Se fizer mais quatro anos acabo o mandato com 73 anos.
Está cansado? De alguma forma. Quem não está todos os dias na câmara tem de andar a correr e muitas coisas não são ditas, vamos sabendo pela comunicação social ou pelo site da autarquia. As coisas estão melhores, mas houve sempre uma tentativa de nos deixarem de lado das iniciativas e de não nos convidarem. O executivo PS não convida a oposição.
Mas já pensou “atirar a toalha ao chão”? Às vezes as baterias vêm abaixo e sinto-me desmotivado, mas depois consigo ultrapassar. Tenho um feitio em que às vezes fervo em pouca água, mas estou cá e trabalho. Não me limito a falar e ir-me embora.
Sendo vereador único da CDU tem mais dificuldades… Sim, saí de Vila Franca de Xira com um gabinete de apoio com três funcionários e uma estrutura bem montada, com três ou quatro vereadores. No último mandato em VFX estive como vereador em regime de substituição praticamente todo o mandato e depois fui convidado para abraçar este projecto em Alenquer.
Já sabia que ia ser difícil? Teve o apoio da estrutura da CDU? Não tinha ideia. Lamento muito dizer isto, mas no meu primeiro mandato estive quase sempre sozinho e com pouco apoio. É evidente que aqui a nossa estrutura é mais frágil e temos dificuldades, além do envelhecimento...
O envelhecimento do eleitorado da CDU é um dos maiores problemas? Não é só em Alenquer, é geral. Não sou politólogo nem sociólogo, mas tem a ver com a campanha que é feita. Se não alinhamos com um tipo de discurso e caminho somos marcados. Como é que na minha aldeia, por exemplo, onde o PCP sempre ganhou as eleições, uma força política que veio do zero (Chega) consegue 50 votos? E o que me apercebo é que é sobretudo malta nova e que se calhar até já tinha votado no Ernesto.
Acha que o partido pode desaparecer? Desaparecer não acredito, mas é óbvio que perde influência. Quando não se quer a mensagem mata-se o mensageiro. Admito que em questões como a Guerra na Ucrânia a comunicação pode não ter sido a melhor, até mesmo para nós. Mas o que as pessoas queriam era que disséssemos o que todos disseram. Que a guerra tinha começado ali e não em 2014. Por dizermos isto quer dizer que apoiamos o Putin? O caminho do PCP é mais difícil, é verdade. Mas também somos o partido que mais iniciativas tem e aquilo que aparece na comunicação social é praticamente zero.
Mas o PCP também tem dificuldades de comunicação… Sim, há alguma dificuldade. Mas sempre manteve a mesma linha de intervenção e comunicação que não é populista. Pode ter havido erros, não digo o contrário, mas o grande problema do PCP é geral. É dos partidos comunistas da Europa que mais resistiu e tem resistido. Se algum dia desaparecer quem vai ficar a perder é a população portuguesa e os trabalhadores deste país. Nós fazemos, não andamos é todos os dias a mostrar nas redes sociais e a fazer vídeos. Em Alenquer os comentadores são PS e PSD e eu estou cá também todos os dias a trabalhar mas é como se não interessasse.
Sente-se discriminado por ser comunista? Sim, desde sempre, isso tem a ver com o poder e com dinheiro. Mas não faço política de terra queimada. A CDU tem uma postura institucional e fazemos o que deve ser feito. Eu costumo dizer que pago para andar aqui. Quando vou tratar de alguma coisa relacionada com Alenquer sou eu que pago do meu bolso, a gasolina, as refeições e vou às iniciativas. Mas faço bem, bom e barato (risos). Mas não é fácil chegar às massas e aos eleitores. Alguns já voltaram a dizer que os comunistas comem criancinhas ao pequeno-almoço. Depois ainda há aqueles que dão palmadinhas nas costas e dizem: és bom rapaz é pena é seres comunista.
Obras adiadas e investimentos mal planeados
Ernesto Ferreira denuncia uma série de obras paradas ou mal planeadas. O parque de pesados no Carregado, com um investimento municipal superior a um milhão de euros, é descrito como “um elefante branco”. Já tem iluminação, mas não há projecto e o trânsito de pesados continua desorganizado no Carregado.
Além disso, o autarca questiona por que razão Alenquer não conseguiu implementar soluções viárias como Vila Franca de Xira, que proibiu a circulação de pesados no centro da cidade. Aponta ainda para a falta de visão política e de estratégia do executivo em adquirir terrenos e preparar infraestruturas, deixando Alenquer estagnada em comparação com outros municípios. “Alenquer nunca teve peso político no poder central e com governos da mesma cor política”, critica.
Para a antiga fábrica da Chemina, localizada no centro de Alenquer, a CDU não defende um hotel, mas sim um espaço que deve albergar serviços camarários, estacionamento, sala de espectáculos, restauração e talvez mais alguma habitação. Quanto à gestão financeira do município, diz que não passa cheques em branco, por isso votou contra o pedido de empréstimo de 6 milhões de euros, proposta já aprovada em reunião de câmara. “Como chegaram a este valor? O que vai ser feito com 2,5 milhões na Passinha? Não conhecemos os projectos”, afirma.
O eleito da CDU conclui referindo que o seu papel na oposição não se limita à crítica, mas a apresentar propostas concretas. “A nossa estratégia de habitação local foi acolhida, assim como o direito de retorno dos pagamentos às Águas do Atlântico, mas falta acção concreta. A Câmara diz ‘sim, sim’, mas nada acontece”, lamenta.
Um antigo operário com muita experiência política
Ernesto Simões Ferreira, 68 anos, é casado, tem dois filhos e dois netos. Natural do Bairro, Freguesia de Abrigada, Alenquer, foi operário durante 46 anos na antiga Tudor (Exide), em Castanheira do Ribatejo, e já está reformado. Desde 2017 que é vereador na Câmara de Alenquer, mas já foi eleito na Assembleia de Freguesia de Abrigada, na Assembleia Municipal de Vila Franca de Xira, na Assembleia de Freguesia de Vila Franca de Xira, vereador na Câmara Municipal de Vila Franca de Xira e candidato à Assembleia da República.
Foi membro da Comissão de Trabalhadores da Tudor/Exide, membro do Comité Europeu do Grupo Exide e do seu Comité Restrito. Foi membro e coordenador da Comissão Coordenadora das Comissões de Trabalhadores da Região de Lisboa, membro da Direcção do Sindicato das Indústrias Eléctricas do Sul e Ilhas, da Direcção Nacional da FIQUIMETAL.
Desempenhou ainda o cargo de presidente da mesa da assembleia geral da Cooperativa de Olivicultores da Foz do Cobrão/Vila Velha de Rodão e presidente da mesa da assembleia geral do Grupo de Amigos da Foz do Cobrão/Vila Velha de Rodão (IPSS).