Entrevista | 22-01-2025 21:00

“Todos nascemos dependentes; não podemos negligenciar que as adições envolvem prazer”

“Todos nascemos dependentes; não podemos negligenciar que as adições envolvem prazer”
Luís Simões, psicólogo em Santarém e trabalha no Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD)

Luís Simões é psicólogo em Santarém e também trabalha no Ministério da Saúde, no Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências. Afirma que ninguém fica dependente de um dia para o outro e que não se pode negligenciar que as adições envolvem um potencial de prazer.

Diz que o álcool é a droga mais protegida e que, em média, um alcoólico pede ajuda ao fim de 25 anos de consumo. Luís Simões também trabalha em contexto escolar, revelando nesta conversa com O MIRANTE que as adições mais comuns nos jovens são o tabaco, álcool e a cannabis.

Todos nascemos dependentes, começamos a vida dependentes da nossa mãe. A frase é de Luís Simões, psicólogo clínico, natural de Riachos, que aceitou o convite de O MIRANTE para falar sobre adições. Aos 54 anos, o especialista tem um consultório privado no centro de Santarém e trabalha no Ministério da Saúde, no Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD). “Sempre fui da relação, do estar com o outro, estar ligado. Sou assim nas relações familiares e de amizade, ser psicólogo permite-me, também no trabalho, ter esse privilégio. Não me custa ir trabalhar”, afirma, com um sorriso.
Luís Simões tem dedicado a sua vida profissional a promover a saúde mental e diz que não se vê a fazer outra coisa porque o desafio é constante. O psicólogo explica que as adições são uma doença do cérebro que provocam alterações de comportamento e que têm consequências negativas. “Muitas vezes tenho a pessoa à minha frente, em consulta, e até pode reconhecer que tem um problema mas há uma compulsão a consumir substâncias psicoativas ou manter um comportamento aditivo sem substância, como por exemplo Gaming (videojogos) ou Gambling (jogos a dinheiro como a raspadinha ou placard). Não podemos negligenciar que as adições envolvem um potencial de prazer”, vinca.
Existem factores-chave nas adições relacionados com a pessoa, como o sexo, o peso, as motivações para consumir. Há outros factores relacionados com a substância, por exemplo a frequência, as propriedades químicas da substância, a quantidade, ou relacionados com o comportamento. Há também factores relacionados com o contexto, como a disponibilidade, o custo, a legalidade, ou onde reside a pessoa. “Cstumo dizer que a melhor forma de perceber os sintomas é valorizar os eventuais sinais de alerta dados pelos familiares, amigos, colegas de trabalho. Alterações dos ritmos de vida, desinteresse por coisas que lhe davam prazer, faltas e ou atrasos ao trabalho ou escola no caso dos jovens, mudanças bruscas de humor, isolamento, gastos ou ganhos inexplicáveis de dinheiro, quebra do rendimento escolar, entre outros”, refere, exemplificando: “existe tratamento para as adições. Não posso dizer que existe uma cura. Um caso que comecei a acompanhar há dois anos, recaiu há pouco tempo. Estava sem consumos de álcool há um ano, mas numa festa começou a beber. Teve uma recaída imediata. Recordo-me de um caso, na Unidade de Alcoologia, que recaiu após 13 anos de abstinência. Uma mulher que foi consumidora de heroína e recaiu no álcool”, conta ao nosso jornal.

Uma relação bipolar com o álcool
Luís Simões afirma que as adições mais comuns que acompanha são o álcool e o jogo. “São duas faces da mesma moeda. Quando trabalhei na UAL senti que havia muito a transição de uma para outra. Tive casos em que o paciente deixava o álcool e passava a ter problemas de jogo. Também acontece perder dinheiro no jogo e ir beber para esquecer”, refere. O psicólogo não tem dúvidas em afirmar que o álcool é a droga mais protegida. “O alcoolismo é uma doença primária, existe por si só, não é secundária a outras doenças. Instala-se independentemente de existir ou não outras doenças. Também acho que temos uma relação bipolar com o álcool. Assistimos a incentivos para beber, é o amigo ou o taberneiro que até paga uma rodada se os clientes estão a fazer um bom consumo, mas se alguém fica muito alcoolizado e já causa mau ambiente são os primeiros a protestar ou a abandoná-lo”, salienta, adiantando que em média um doente alcoólico pede ajuda ao fim de 25 anos de consumo. “A melhor ferramenta que prescrevo para esta doença são as reuniões dos Alcoólicos Anónimos (AA)”, frisa.
No caso dos jovens, e em relação ao contexto escolar, Luís Simões diz que as adições que estão mais próximas são o tabaco, o álcool e a cannabis. “Claro, os videojogos são uma realidade mas eu não alinho na diabolização do jogo. O que me diz se é um problema é o uso que o jovem faz dele. O jogo pode ajudar na aprendizagem, por exemplo no raciocínio matemático. Há jogos que exigem estratégia, exigem resolução de problemas, alguns requerem que os jogadores façam várias acções ao mesmo tempo e de forma rápida, outros promovem o trabalho de equipa, melhoram o seu inglês”, explica.

Exercício físico para cuidar da saúde mental

Luís Simões é um desportista nato e encontrou no exercício físico uma forma de manter a sua saúde mental em dia. “Também tenho a minha ‘adição’. Penso que ainda é um consumo moderado, espero não estar em fase de negação (risos). Aproveito a hora de almoço para ir duas a três vezes por semana ao ginásio. O telemóvel não entra. Aos fins-de-semana dou umas voltas de bicicleta com uns amigos da Scalabis Night Race de Santarém”, conta, partilhando que voltou a fazer psicoterapia individual com uma psicanalista.

As situações mais comuns no consultório

Luís Simões diz que no seu consultório cada vez aparecem mais pessoas em situação de burnout. “Com frequência utilizo esta metáfora: o burnout significa que é areia demais para a camioneta da pessoa. Há duas hipóteses, ou tira areia da camioneta, é o mesmo que dizer baixa o ritmo de trabalho, ou compra uma camioneta maior e passa a tomar medicação para aguentar mais. Muitas vezes é esta segunda hipótese que ganha força e instala-se a depressão”, afirma. O especialista partilha com O MIRANTE um exemplo do que é a depressão. “Também há casos em que já vêm com um diagnóstico de depressão e aquilo é mais luto. Dou-lhe o exemplo da minha relação com o meu pai. Se ele morrer amanhã não vou ficar com uma depressão, vou iniciar um luto. Agora imagine que o meu pai deixa de gostar de mim, já não me ama. Aí já é depressão. Eu perdi o amor da pessoa que amo”, partilha.

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