“Se fosse para a Câmara de Alenquer tinha de despedir metade das pessoas”
José Martins, 62 anos, é presidente da Junta de Freguesia do Carregado e Cadafais desde 2017, eleito pelo PS, e recandidata-se a mais um mandato. Não tem ambições políticas fora do Carregado e diz que se fosse para a Câmara de Alenquer tinha que despedir metade das pessoas, por hábitos que se arrastaram. O antigo militar do Exército é assertivo, não compactua com tudo o que se faz no seio do partido e garante que só promete o que pode cumprir.
A maior falha dos políticos é fazer promessas que depois não cumprem? Sim. O que interessa estar a prometer sem cumprir? Nunca prometi fazer nada a ninguém, eu faço.
Desiludiu-se com a política? Tenho desilusões com a vertente política de algumas pessoas. Hoje estão com aquele, amanhã já estão com outro, com interesses de protagonismo moral e material. Na junta gerimos como uma casa. E só se gerirmos bem a nossa casa é que podemos gerir a dos outros. Temos que nos nivelar pela transparência e pela virtude. Quando me perguntam o que fiz, eu respondo: nada. Fizemos o que está na lei. As responsabilidades que temos estão todas cumpridas.
O que o motivou a recandidatar-se a mais um mandato? As juntas autolimitam-se. Quando aqui cheguei os concursos só eram feitos com aval da Câmara de Alenquer. Quando lancei um concurso em Diário da República o presidente da câmara perguntou se eu podia fazer aquilo. Havia uma subserviência em relação à câmara e na altura até o júri eram pessoas da câmara. As pessoas têm um problema na coluna, que anda sempre muito dobrada.
Começou a haver tensão entre si e o presidente Pedro Folgado? Não. Nunca houve.
E com o executivo da Câmara de Alenquer? Sim, houve muita tensão. Tive de meter os pontos nos is nalgumas áreas. Quando cheguei à junta estava cá uma funcionária que esperava há 21 anos para lhe ser atribuída a mobilidade, porque era funcionária da câmara e trabalhava aqui. Bati à porta do Pedro Folgado, que sempre esteve aberta, e falei-lhe no assunto. Ele resolveu à maneira dele. Mas a máquina (câmara) em si é muito difícil e cria entorpecimento.
Foi sempre a sua maneira de trabalhar, com assertividade? Claro. Sou militante do Partido Socialista mas não visto a camisola de determinadas coisas que se fazem no Partido Socialista e noutros partidos. Sou do PS mas não endeuso as coisas a dizer que está tudo bem.
Com essa “máquina” que a Câmara de Alenquer tem, que autonomia fica para a junta de freguesia? Temos a autonomia que está na lei 75 e isso eu faço tudo, não me podem apontar uma falha. Mas eu vejo situações em que os vereadores fazem o que os técnicos querem. Na tropa há uma fase em que ouvimos o subordinado mas temos que decidir muito bem com a razão e os pés no chão. Na minha tropa não se decidia pela conveniência. O oficial de dia é sempre o último a comer em qualquer momento.
Essa sua postura é que tem valido a confiança da Assembleia de Freguesia e dos partidos da oposição? Eu vesti a camisola do Carregado e Cadafais e tenho provado à assembleia que, ao passarmos de um orçamento de 400 mil euros para mais de um milhão e 200 mil, tudo o que levo à assembleia tem-se concretizado. Por isso confiam em mim. Continuo a ter consideração por algumas pessoas que estiveram aqui, mas em oito anos PSD só conseguiram alcatroar 50 metros. Nós vamos com quilómetros e quilómetros e com a parte poente toda alcatroada.
Quais são as suas prioridades? Olhamos com muita prioridade para as associações e colectividades. A Associação Desportiva do Carregado tem daqui até Lisboa o maior número de praticantes federados, por exemplo. A junta paga as festas do Carregado, incluindo artistas. As associações pagam zero para lá estarem com as tasquinhas, ficam com a receita. É uma despesa nossa para manter as associações vivas.
Que cenário encontrou quando chegou pela primeira vez à junta? Esta junta só tinha um funcionário do quadro, que estava sempre de baixa. O resto eram pessoas a recibos verdes e recrutadas do fundo de desemprego, que nunca tinham sido avaliadas para progressão de carreira. Hoje pagamos 20 salários, estamos a tratar do Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública (SIADAP) e o quadro tem 15 pessoas na rua. Temos um ambiente saudável, um refeitório, um estaleiro como deve de ser, viaturas capazes e meios materiais e humanos para poder cumprir a nossa missão.
Como gere a multiculturalidade da freguesia? O Carregado é a maior freguesia do concelho e a segunda maior freguesia do Oeste, é maior que o concelho de Arruda dos Vinhos e Sobral de Monte Agraço. Temos 60 nacionalidades e na junta temos de falar muitas línguas. Tratar todos por igual é a forma de gerir a multiculturalidade. Temos o programa operacional de apoio a pessoas carenciadas da Segurança Social que através da Misericórdia da Merceana distribui cabazes a famílias carenciadas. A instituição tem o alto concelho e a junta o baixo concelho. São mais de 90 agregados familiares. Os que não têm número da Segurança Social são apoiados pela loja social do Carregado.
“O Carregado foi sempre visto como um dormitório”
A junta tem boa saúde financeira? Sim, não devemos a ninguém, nem ninguém nos deve nada. A tropa aqui ajuda muito porque desempenhei cargo na área logística que engloba recursos materiais e financeiros. Sou eu que falo com o técnico oficial de contas e temos um contabilista. As nossas necessidades estão todas identificadas. Desde que entrámos comprámos cinco viaturas para a junta e acabámos com a montagem e desmontagem de palcos. Fizemos uma estrutura definitiva nos Cadafais. Temos de resolver as coisas para sempre, não é andar a pôr pensos.
Que modelo de gestão defende para o parque de pesados do Carregado? É preciso criar condições para o parque. Temos que meter na cabeça que se estamos no meio da logística temos contentores e camiões. Temos é que ter sítios para os ter e não podemos ser radicais. Estes assuntos não eram prioridade no passado e o Carregado está agora a pagar o preço. O Carregado foi sempre visto como um dormitório.
Começou a ser prioridade com Pedro Folgado? Sim, começou. Muitas vezes ele disse que tínhamos de olhar para o Carregado. Há oito anos, por exemplo, não tínhamos praticamente ilhas ecológicas e ecopontos.
Mas o lixo continua a ser depositado indevidamente. Como se resolvem esses problemas? É impossível. Não se consegue educar uma pessoa com 50 ou 60 anos. Já vi pessoas a mandarem sacos de lixo do 10º andar do prédio. Em relação aos contentores, fizemos de tudo, inclusive colar autocolantes, mas as pessoas deitam os sacos fora e deixam as tampas abertas. A frequência de recolha devia ser maior mas já não tem nada a ver com o que era, melhorou.
Vamos assumir que temos de conviver com este problema? Não temos. A Polícia Municipal vem para o Carregado, que é o sítio onde terá que haver uma incidência maior de fiscalização e serem aplicadas coimas. Vai ser bom também para colmatar o estacionamento indevido.
Porque é que o trânsito pesado ainda não foi desviado da freguesia? A Infraestruturas de Portugal (IP) é um grande problema. Somos atravessados por duas estradas nacionais e numa hora passam cerca de 30 mil viaturas, em pico, dentro do Carregado. Isto é o resultado do estudo pedido pela Câmara de Alenquer a uma empresa. A resolução é criar alternativas bem estruturadas em Plano Director Municipal, senão não se resolvem os problemas. O trânsito pesado na Estrada Nacional 1 vai continuar sempre a existir, temos é que diminuir a sua frequência.
A câmara não podia ter ido mais longe e fazer pressão sobre a IP? Estive numa reunião com a IP mais um vereador e o João Nicolau, na altura deputado na Assembleia da República. O ministro ouviu mas foi uma reunião para nada. A técnica da IP disse que não e a reunião acabou. Nem o ministro teve força para dizer que sim. Quem manda nas quintas é o caseiro, porque quando for o dono os problemas resolvem-se.
Tem ganho inimizades na política? Sim. Já me vieram pedir coisas impensáveis e geralmente são as pessoas com maior estatuto. Às vezes até informações sobre determinada pessoa. Mas eu gosto de dormir descansado.
Houve falta de visão estratégica da câmara para fazer contas ao aumento populacional? Houve. Criaram dois agrupamentos escolares no alto concelho que estão às moscas e nós temos as escolas lotadas cá em baixo (Carregado/Alenquer). As contas que faço são de merceeiro: se agora estão X crianças no primeiro ano, daqui a 11 anos onde vão estar? Vão ou não ter vaga? Essas contas estão feitas e falou-se disso mas nada avançou. Na Quinta do Laíns, para onde está previsto um parque urbano, há terreno para ser construída uma escola.
Frio e fome na guerra da Bósnia Herzegovina
José Martins, 62 anos, cresceu com regras, disciplina e, principalmente, responsabilidade. Os pais eram ambos agentes da PSP e a mãe foi uma das primeiras mulheres a ingressar na polícia. Aos 17 anos ofereceu-se para a vida militar sem avisar os pais. Entrou e fez recruta na base aérea da Ota. A morar em Lisboa e a passar os fins-de-semana entre Ericeira e Santa Cruz, conheceu o concelho de Alenquer em 1980 por conta da vida militar. Criou laços de amizade, alguns até aos dias de hoje, e, em 1983, comprou casa na Barrada (Carregado), um dos primeiros prédios a serem construídos. Casou-se em 1989 e só começou a residir na Barrada depois das várias comissões enquanto oficial.
José Martins integrou o contingente militar português que esteve em missão na Bósnia Herzegovina em 1996. Foi colocado em Sarajevo, na avenida onde estavam os snipers e num campo minado. Apanhou temperaturas de 35 graus negativos, passou frio, fome e roubou para comer. Dormiu durante seis meses em paletes, com os pés de fora e tapado com um saco. Ao lado tinha a fotografia da mulher e dos dois filhos. “Cada vez que vemos a nossa bandeira choramos, estive mal em várias situações… Quando estamos no estrangeiro valorizamos muito a nossa cozinha, tabaco, café e a nossa bandeira”, recorda. Trabalhou enquanto militar com espanhóis, franceses, italianos, polacos e nórdicos. Em Saragoça lembra-se de ter estado num campo cheio de lacraus e cobras, “apanha-se de tudo”, diz.
Quando deixou a vida militar foi coordenar os meios aéreos e logística no INEM e três anos depois foi convidado para comandar os Bombeiros de Sacavém na área pré-hospitalar. Por inerência de funções era Conselheiro Municipal de Segurança na Câmara de Loures e como os filhos eram alunos na Escola Damião de Goes, em Alenquer, ingressou na Associação de Pais. Passado pouco tempo já estava no conselho geral da escola e no Conselho Municipal de Educação, onde conheceu o actual presidente da Câmara de Alenquer, Pedro Folgado, na altura chefe de gabinete do presidente Jorge Riso.
Entrou para a política quando o convidaram para integrar as listas do PS para a União de Freguesias do Carregado e Cadafais. Aceitou ser número quatro, mas em 2013 perdeu as eleições para o PSD. Não atirou a toalha ao chão, porque não é homem de desistir, e desempenhou funções enquanto presidente da assembleia de freguesia. “Quando se tem a responsabilidade de algo há que ter inerente a respectiva autoridade, porque responsabilidade sem autoridade é melhor esquecer”, diz a O MIRANTE. Por isso mesmo, em 2017 já concorreu como cabeça-de-lista pelo PS, com José Monraia em número dois. “Podia ter sido o número um, foi uma pessoa com quem aprendi muito. Recordo que ele faleceu aqui em funções”, relembra. Venceu a junta nessas autárquicas e voltou a ganhar em 2021.
José Martins é casado, tem dois filhos e uma neta. É presidente da Junta de Freguesia do Carregado e Cadafais a meio tempo, mas não tem horas para estar ao serviço e admite que fica muitas vezes a trabalhar de madrugada. É sócio de uma empresa na área da estética,vice-presidente da Cerci Flor da Vida (Azambuja), pertence aos órgãos sociais da associação Rising Child de Alenquer e colabora com a associação de apoio aos doentes oncológicos de Alenquer, Acolher prá Vida. É oficial aposentado, gosta de motas e sempre praticou desporto. Chegou a dar aulas de zumba e gosta muito de cozinhar. Anda de mota desde os 16 anos mas nunca fez parte de nenhum grupo motard.
“Para as pessoas de Alenquer, o concelho é só a vila”
De que forma pretende aproximar os fregueses da junta? Nós temos proximidade. Temos as plataformas sociais, que são importantes, mas não podemos viver só agarrados a isso como os adolescentes. Não admito é faltas de respeito, até nos e-mails. Quando no início vêm escritas ofensas nem sequer leio mais e as redes sociais passam-me ao lado.
O site da junta está desactualizado… Por culpa da empresa. Está neste momento a ser finalizado o site e estamos a fazer diligências para o processo avançar. Usamos as redes sociais para comunicar coisas importantes.
Mas dá má imagem. Dá, mas a empresa foi protelando. Eu sou mais adepto do fazer do que da comunicação. As pessoas que vêm aqui são esclarecidas e sabem porque se fez uma coisa de determinada forma. Se vier aqui uma pessoa e eu respondo que não sei, é porque não faz parte das minhas competências. A junta é por excelência o culpado de tudo e a primeira porta onde se vem bater.
Batem aqui à porta todos os dias? Sim, todos os dias. Temos o Bairro 25 de Abril com pessoas com 70, 80 anos, com mais dificuldade. Tentamos ser um apoio e nesse aspecto somos porta aberta para tudo. Já se sentaram muitas pessoas aqui, nesta mesa, no meu gabinete, para resolver problemas em que chamo a GNR.
Muitos casos de violência doméstica? Alguma…e em idades mais avançadas. Muita violência psicológica. Nesse aspecto, a GNR faz um bom trabalho e têm uma pessoa que conhece muito bem o nosso concelho. A resposta é geralmente imediata.
João Nicolau está bem posicionado para ser o próximo presidente da Câmara de Alenquer? Não sei. Mas tem alguma experiência autárquica e tem sensibilidade acrescida para esta área. Fará um bom trabalho dependendo das pessoas com que se rodear.
Convidaram-no para vereador do PS? Já falámos sobre isso mas pus uma pedra no assunto. Gosto de estar no Carregado e do que faço aqui. Não tenho ambições políticas. Na câmara não iria fazer um bom trabalho.
Na vila de Alenquer ainda subsiste a visão que o Carregado é o parente pobre? Sim, nas pessoas dos 50 anos para cima. Para as pessoas de Alenquer, o concelho é só a vila.
Esse foi um dos erros das anteriores gestões socialistas na câmara? Sim. Continua a ser e vai continuar a ser com pessoas que ainda lá estão. Políticos, técnicos, tudo… Maus hábitos que se arrastaram. Digo com os pés assentes no chão: câmara não! Se fosse para lá tinha de despedir metade das pessoas. Na junta não tenho funcionários tenho um grupo de pessoas amigas.
Esposa foi atacada por cães e a vida mudou
José Martins passou por vários momentos difíceis na vida militar mas nada o preparou para o que aconteceu em 2021, quando a esposa, Cidália Martins, foi atacada violentamente por dois cães quando fazia um treino de corrida em Alenquer. De cada vez que recorda o episódio, que já contou em televisão, emociona-se. “Para mim ela foi assassinada naquele dia, porque morreu duas vezes quando estava comigo. Apagou-se e eu reverti, e uma segunda vez quando foi para o hospital”. Foi José Martins que colocou o braço esquerdo da esposa em cima da maca. Estava preso por fios de tendão e todos os vasos, artérias e veias foram rompidas porque o braço estava gelado e só tinha osso. O transporte para o hospital só aconteceu mais de uma hora depois e em São José a equipa médica convidou-o a despedir-se da mulher. “É uma coisa que não desejo a ninguém, que é ligar para dois filhos e dizer a vossa mãe não passa daqui. O meu filho estava longe e pediu-me para mandar uma fotografia da mãe ainda com vida. Gerir as emoções naquele caso foi muito difícil”, sublinha.
Cidália Martins foi operada por nove médicos e por causa da pandemia José Martins só pôde vê-la passado mês e meio. Durante mais de um ano, todos os dias, Cidália fazia tratamentos no Hospital de São José e teve de reaprender a viver com as limitações. “A minha perspectiva de vida mudou completamente a partir daí. Acredito em Deus mas acredito muito mais no meu trabalho. Ela aplicou-se muito e é uma pessoa muito lutadora”, refere.
José Martins nunca mais correu nem participou em provas de trail. O autarca lamenta a morosidade da justiça, uma vez que o caso ainda está em tribunal. Não foram apuradas responsabilidades nem Cidália foi ressarcida das despesas médicas que tem desde 2021.