Entrevista | 29-01-2025 15:00

Irina Batista: uma mulher que gosta de desafios e é presidente dos Bombeiros Voluntários de Samora Correia

Irina Batista: uma mulher que gosta de desafios e é presidente dos Bombeiros Voluntários de Samora Correia
Irina Batista lidera a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Samora Correia há cerca de meio ano

A presidente dos Bombeiros Voluntários de Samora Correia é uma mulher que gosta de desafios, como aliás espelha o seu envolvimento na comunidade em diversas áreas.

Irina Batista, 46 anos, é educadora de infância, autarca, dirigente associativa, esposa e mãe e reconhece que gosta de estar envolvida em várias frentes. Afirma-se uma mulher de diálogo, diz que as associações de bombeiros precisam de ser valorizadas com dignidade e defende que não é com conflitos que se ganham causas.

Irina Noel Matias Batista, 46 anos, é natural e residente em Benavente, sendo uma profissional multifacetada, com vasta experiência e um percurso notável na área da educação, mas também enquanto dirigente associativa. É educadora de infância, professora de 1.º ciclo e docente de Educação Especial. Filha de pai benaventense e mãe alentejana, tem uma irmã mais nova e chegou a pensar formar-se em marketing e publicidade, mas perseguiu o sonho da educação. É casada e tem dois filhos, o Manuel, com 16 anos, e a Matilde, com 13.
Confessa ter uma costela nortenha, fruto dos cinco anos em que esteve na região de Trás-os-Montes, onde deixou bons amigos. Licenciou-se em Educação de Infância pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, possui ainda uma pós-graduação em Educação Especial e um portfólio significativo de formações complementares, com destaque para as áreas de diagnóstico, avaliação e intervenção educativa a crianças e jovens.
Começou a sua carreira em 2005 como educadora de infância no Centro de Bem-Estar Social Padre Tobias, onde assumiu diversas funções ao longo de 15 anos, incluindo a coordenação pedagógica. Está desde há dois anos no Agrupamento de Escolas de Samora Correia, onde é coordenadora e educadora efectiva no Jardim-de-Infância n.º1 do Porto Alto. Além disso, é formadora em acções pedagógicas e participou em múltiplos seminários e conferências, aprofundando o seu conhecimento em temas como saúde, intervenção precoce e necessidades educativas especiais.
Irina Batista destaca-se também pelo seu envolvimento na comunidade. Actualmente, é presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Samora Correia e eleita da Assembleia Municipal de Benavente, onde já exerceu funções como secretária e presidente. Foi também técnica e membro da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Benavente.
Demonstrando versatilidade, foi também professora de ginástica aeróbica para crianças e desempenhou, desde 2014, um papel activo no Clube União Artística Benaventense. Além disso, foi vice-presidente da Associação de Pais do Agrupamento de Escolas de Benavente. Porque há sempre um desafio a seguir, tem já debaixo de olho o curso de mestrado em Supervisão em Educação, ao qual pondera candidatar-se no próximo ano.

Como surgiu o convite ou a decisão de assumir a presidência da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Samora Correia? O convite surgiu, inicialmente, através de um telefonema envolvendo três pessoas: o presidente da Junta de Freguesia de Samora Correia, Augusto Marques; Carlos Pernes, que na altura integrava a Assembleia da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Samora Correia; e José Nunes, membro dos órgãos sociais da instituição. Quando me contactaram, pensei que fosse por outro motivo qualquer. Nessa reunião, quando me apresentaram o tema e fizeram o convite para ser presidente da direcção, fiquei surpreendida. Não estava à espera e disse que precisava de ponderar, porque nunca tinha estado ligada aos bombeiros e precisava de falar com a família.
Esteve muito reticente em aceitar o desafio?
Sim, bastante. Já tinha participado em algumas actividades ao nível de colectividades, incluindo como directora no CUAB, mas este era um contexto completamente distinto. Precisava de tempo para reflectir. Deram-me algum espaço, mas estive muito reticente porque esta é uma associação gigante, com grandes responsabilidades. Além disso, os bombeiros desempenham uma função que exige muita dignidade e reconhecimento. Tinha receio de não corresponder às expectativas, pois não tinha qualquer experiência na área.
E como a convenceram? Quem me convenceu a aceitar foi o meu pai, que me fez pensar melhor e reflectir sobre a importância dos bombeiros. Ele dizia que, se o convite chegou até mim, era por alguma razão. O meu companheiro também me incentivou, vendo isto como uma oportunidade de ajudar os bombeiros. Foi ainda difícil encontrar membros para a direcção. Na altura, só conhecia uma das pessoas, mas tudo isso fez parte do desafio.
Quais foram os maiores desafios que encontrou nestes primeiros seis meses de liderança? O principal desafio foi entender como a máquina funciona: perceber o nosso papel, a missão da associação e identificar o foco para começar a trabalhar. Há bastante burocracia e foi necessário compreender a parte operacional e conhecer os bombeiros, que são 64 no total, dos quais cerca de 40 são profissionais. O comandante Miguel Cardia foi fundamental nesse processo e esteve sempre connosco desde o início. Há uma excelente ligação com o comando, que tem experiência e conhecimento do funcionamento das operações. Outro desafio é o equilíbrio financeiro. As receitas não cobrem as despesas, e, infelizmente, quem deveria preocupar-se com estas questões, como o Governo, não valoriza os bombeiros como deveria, seja em termos monetários ou de condições.
É preciso alguma ginástica financeira para manter a associação a funcionar? Sim, sem dúvida. Temos um quartel espectacular, mas os custos correntes são elevados. O nosso maior parceiro é a Câmara de Benavente, que apoia com subsídios anuais e extraordinários. Também contamos com a Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil (ANEPC), além de protocolos com empresas, serviços do INEM e transportes de doentes não urgentes. No entanto, isso não é suficiente para cobrir as despesas. Temos um orçamento de mais de 100 mil euros, e o aumento dos ordenados irá pressionar ainda mais as contas. Gostaríamos de pagar mais aos bombeiros, mas com o orçamento actual isso não é possível. Estamos cá para arregaçar as mangas comprometidos em fazer o nosso melhor. É um dia de cada vez, sempre focados em proporcionar melhores condições e salários para os nossos bombeiros.
Os seus antecessores deixaram trabalho feito? Encontrou algum problema nas contas? Com todo o respeito por quem esteve antes de nós, é importante reconhecer o trabalho feito em regime de voluntariado. Claro que havia algumas dívidas por pagar, mas isso é normal numa associação deste porte. Não temos quaisquer créditos bancários, o que é essencial para manter a estabilidade financeira.
Que prioridades definiu para a associação no curto e médio prazo? Há algum projecto ou iniciativa nova que planeia implementar para apoiar melhor os bombeiros e a comunidade? O mandato é de dois anos. Ainda não temos nada implementado no imediato, mas há intenções de estabelecer mais protocolos com empresas. Por outro lado, queremos realizar um dia aberto, ou até vários, aproveitando o 50.º aniversário, em que abriremos as portas do quartel ao público e às escolas. Queremos que os jovens conheçam como os bombeiros funcionam e se sintam motivados. Os meus alunos do pré-escolar, por exemplo, dizem que querem ser bombeiros ou polícias, mas isso perde-se com o avançar da idade. Além disso, em matéria de formação, queremos capacitar docentes das escolas com cursos de suporte básico de vida ou formação no uso do Desfibrilhador Automático Externo (DAE).
Na sua opinião, quais são as maiores necessidades e desafios enfrentados pelos bombeiros voluntários actualmente, tanto a nível local como nacional? O maior obstáculo é a vertente financeira. O orçamento, embora seja bom, é insuficiente para cobrir os gastos, especialmente os salários. Uma simples avaria num veículo tem custos exorbitantes e não está prevista no orçamento. Quando isso ocorre, precisamos de fazer uma verdadeira “ginástica financeira”. Gostaríamos de ter um orçamento que permitisse um excedente para imprevistos. Os veículos têm de estar sempre operacionais, em condições e prontos para qualquer emergência. Sem recursos na área da segurança e da saúde, os bombeiros não conseguem cumprir a sua missão de servir a população.
No início do ano a ministra da Administração Interna ordenou à Inspecção-Geral da Administração Interna a realização de um inquérito urgente às viaturas dos bombeiros que foram adquiridas no mesmo lote do veículo acidentado em Odemira. Samora Correia foi abrangido? Sim. Temos conhecimento de que o veículo será devolvido para melhorias e, posteriormente, será novamente entregue à corporação. Recebemos um desses 81 veículos, assim como Coruche. É apenas isso que sabemos até o momento.

“Não contem comigo para guerras ou conflitos”

Muito se tem falado dos apoios aos bombeiros do concelho. Recusa-se a entrar no “jogo das quintinhas” e na polémica, afirmando-se como uma mulher que privilegia o diálogo? Sim, sem dúvida. Não é a minha filosofia de vida. Acredito que é pelo diálogo e pela transparência que se alcançam entendimentos. Podemos dizer que precisamos disto ou daquilo sem menosprezar outras corporações. Ninguém quer tirar nada a ninguém; queremos o melhor para todos. Só com diálogo, transparência e compreensão das particularidades de cada corporação é possível avançar. As associações de bombeiros voluntários são instituições gigantescas que precisam de ser valorizadas com dignidade. Não é com conflitos ou guerras que se ganham causas. Comigo não contam para isso.
Este ano é especial para os bombeiros de Samora Correia. Em 2025 comemoram-se os 50 anos da instituição. Há actividades previstas? Normalmente, o aniversário é comemorado no último fim-de-semana de Março, mas este ano decidimos prolongar as comemorações por todo o mês. Teremos actividades como dias abertos, uma exposição no Centro Cultural de Samora Correia, com fotografias desde a fundação até os dias actuais, cicloturismo, uma caminhada e a cerimónia formal no último fim-de-semana de Março. Convidámos o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, mas ainda não sabemos se ele estará presente. Seria importante que ele viesse, ficava-lhe bem vir conhecer a nossa realidade e não apenas visitar os bombeiros em momentos de crise, como na pandemia, ou quando alguém morre. Os bombeiros são fundamentais o ano todo. A Associação Social dos Amigos de Samora Correia (ASASC) propôs restaurar a primeira ambulância da corporação, o que achámos muito positivo. Além disso, a Comissão para o Monumento aos Bombeiros em Samora Correia ofereceu-se para financiar a construção de uma peça que homenageia os bombeiros. Essa peça será inaugurada durante a cerimónia formal dos 50 anos.
Como avalia o envolvimento da comunidade de Samora Correia com os bombeiros voluntários? Sinto que a população está sempre connosco e participa nas nossas iniciativas. Contudo, gostaria que houvesse mais associados. Actualmente, temos cerca de 1800 associados, mas Samora Correia tem uma população superior a 20 mil pessoas. Se mais pessoas contribuíssem com uma quota mensal de 1,5 euros seria uma grande ajuda.
A formação e o recrutamento de novos voluntários têm sido um desafio para muitas associações. Como é que a associação tem lidado com este tema? Temos enfrentado algumas dificuldades. Antes da nossa posse, já havia bombeiros a sair em busca de melhores condições financeiras. Desde que assumimos, mais duas bombeiras deixaram a corporação — uma foi para o estrangeiro, e outra ingressou no quadro da câmara municipal, embora continue como voluntária. Muitos bombeiros conciliam outro emprego com o trabalho na corporação, dada a situação económica actual em que a inflação é elevada e os salários não sobem ou sobem muito pouco. Com um orçamento maior, poderíamos aumentar os salários e reter mais pessoas.
Como cativar novos voluntários, mesmo perante estas dificuldades? Estamos a apostar em abrir as portas do quartel às escolas, desde o pré-escolar até ao ensino secundário, para que os jovens conheçam o papel do bombeiro nas diversas situações, e não apenas em momentos de tragédia. Queremos mostrar a união, a camaradagem e o espírito de família que existem entre nós.

Educar crianças é muito mais fácil

Como concilia a sua experiência na educação com as exigências deste novo cargo? Sou educadora de infância no Agrupamento de Escolas de Samora Correia e trabalho das 9h00 às 15h00. Isso dá-me algum tempo à tarde, embora também dê aulas de Actividades de Enriquecimento Curricular no 1.º ciclo do Agrupamento de Escolas de Benavente.
É muito diferente educar crianças e gerir uma equipa de adultos… Sem dúvida, é muito mais fácil educar crianças. Os adultos já têm personalidade e hábitos formados, mas conseguimos encontrar um caminho comum. Desde que começámos, nunca tivemos conflitos com o comando. Entre os 64 bombeiros, não conheço todos ao detalhe, mas acredito que há quem esteja mais satisfeito do que outros. Não fazemos promessas, mas asseguramos que estamos aqui para trabalhar e fazer o possível e o impossível pela associação.
Como professora de educação especial, quais são os principais desafios na inclusão de alunos com necessidades educativas especiais? A educação tem melhorado, mas precisa de melhorar mais. A nível teórico, as coisas existem, mas há falta de recursos humanos, nomeadamente professores de educação especial. Cada vez há mais crianças e jovens com necessidades educativas. Temos alguns miúdos sinalizados que não têm acompanhamento da educação especial porque a lista é muito grande e os professores também são poucos nos agrupamentos escolares. O Ministério de Educação não deixa contratar mais.
Como tem sido o impacto da falta de recursos humanos, como psicólogos e terapeutas, no acompanhamento das crianças e adolescentes com necessidades educativas e problemas de saúde mental nas escolas de Samora Correia e Benavente? Notamos um crescimento de crianças com necessidades educativas, como autistas, e dificuldade nas aprendizagens significativas. Isto é transversal no pré-escolar em Samora Correia e Benavente. Tenho miúdos que falam brasileiro e são portugueses. Depois temos uma proporção de uma criança com autismo por sala, o que obriga a reduzir o tamanho da turma. Alguns estão a ser acompanhados e outros ainda se encontram à espera. Tenho colegas psicólogos e terapeutas, que também são poucos para a comunidade escolar. No secundário, por exemplo, os adolescentes têm uma saúde mental muito deficitária, cada vez há mais ataques de pânico, tentativas de suicídio e estas situações por causa da pressão da escola, das notas ou por causa do acesso à universidade.

Irina Batista, de 46 anos, nasceu e vive em Benavente. Concilia o cargo nos bombeiros com a profissão de educadora de infância, professora de 1.º ciclo e docente de Educação Especial

“Não consigo estar envolvida em apenas uma coisa”

Como concilia a gestão do tempo entre o trabalho, ser mãe e a política? A minha mãe costuma dizer que sou hiperactiva, e acho que tem razão. Não consigo estar envolvida em apenas uma coisa. Não é fácil, sobretudo pela exigência da família. Tenho dois adolescentes e tento sempre estar presente para eles. Tenho o apoio da minha família de retaguarda, o que é essencial. Os meus pais vivem próximo e tenho os meus tios também.
Mesmo assim não deve ser fácil. Vou conciliando tudo da melhor forma possível, mesmo que não seja perfeito. Recentemente, deixei alguns cargos, como a direcção do CUAB, para me dedicar mais aos bombeiros. Tenho dado sempre o meu melhor. Explico aos meus filhos qual é a minha missão nos bombeiros, gosto de envolvê-los, apesar de eles serem muito diferentes. A minha filha, certamente, irá seguir o caminho da mãe porque ela também gosta de defender causas, de estar envolvida em muita coisa, como é o caso do Parlamento dos Jovens, enquanto o meu filho é mais introvertido, mas percebem e apoiam.

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