A primeira vice-presidente da Câmara de Ourém que não gosta de jogos políticos e adora andar nas obras
Isabel Costa é mulher afável, de boas maneiras, discreta e que diz ainda estar a aprender a lidar com a exposição que o cargo que desempenha lhe obriga a ter.
É a primeira mulher a estar como vice--presidente da Câmara de Ourém, consequência da saída de Natálio Reis, que renunciou ao cargo de vereador em Setembro de 2022. Nasceu na Figueira da Foz, mas viveu em Leiria até casar e se mudar para Ourém para viver com o seu marido, decorria o ano de 1983. Filha de pais alentejanos, Isabel Costa é mãe de dois filhos. A entrevista a O MIRANTE decorre no seu gabinete, nos Paços do Concelho, e começa de forma informal, com Isabel Costa a contar como têm sido os seus últimos dias. No decorrer da conversa há tempo para falar de muitos assuntos, como o aproveitamento de fundos comunitários, a relação de Ourém com o distrito de Santarém, o investimento no Turismo e na Cultura e alguns aspectos da sua vida privada.
Não tem problemas em admitir que não gosta de visibilidade. Isso não é um contra-senso tendo em conta o cargo que ocupa? Não e digo-lhe
que tudo o que envolve estar com mais de dez pessoas é uma grande confusão. Ser autarca tem sido um desafio nesse aspecto. Gosto mais das reuniões de trabalho, de discutir medidas que realmente tenham impacto na comunidade. Ainda ontem estivemos aqui até às 21h00 por causa do Festival de Setembro. Tenho trabalhado para ser mais interventiva em público. Não é defeito, é feitio.
Vem da sua educação? Fui muito feliz na minha infância. A minha mãe era professora de História e era uma pessoa muito rigorosa. O meu pai era funcionário do Grémio da Panificação. Sempre li muito, e a cultura e o conhecimento foram coisas muito trabalhadas em casa. O meu avô também era professor primário e viveu na minha casa até aos meus 25 anos, por aí. Em casa tínhamos que falar bem, não podíamos dar calinadas. Às vezes oiço pessoas a falar em público e até fico atrapalhada. Se calhar é também por isso que me resguardo…
É uma pessoa que parece estar de bem com a vida. Ajuda o facto de ser uma autarca independente em termos partidários?
A independência só tem a ver com a não militância, porque eu tenho enquadramentos políticos e revejo-me em algumas políticas mais ao centro, mais à direita, ou mais à esquerda. Não tenho nada contra a militância, mas não faz parte da minha forma de ser. Já estou há quase 12 anos no executivo com pelouros, mas estive quatro anos na oposição a acompanhar o presidente Luís Albuquerque.
Que impacto teve a sua vida profissional no seu percurso? Tirei Engenharia Electrotécnica em Coimbra, numa altura em que não havia muitas mulheres engenheiras. Depois ensinei matemática durante dois anos em Ourém e um ano no Entroncamento. Mas dar aulas não era o que eu queria. Concorro para a CTT Telecomunicações e entrei em Leiria. Houve uma fusão e passámos a ser a Telecom Portugal, e depois mais tarde a Portugal Telecom. Depois quando saio para a pré-reforma surge a Altice. O meu percurso profissional foi uma escola de vida para mim. Trabalhei com equipas muito coesas.
E trabalhava na rua ou à secretária? Trabalhava nas obras. É uma coisa que faz parte também da minha forma de estar. Eu, para chefiar, tinha de saber. Não preciso de saber com a qualidade dos técnicos, mas tinha de saber o suficiente. Rapidamente passei a chefiar uma quantidade enorme de engenheiros e de desenhadores.
A chegada à política
Chegar a vereadora da oposição foi uma obra do acaso?
Fui convidada pelo presidente Luís Albuquerque para integrar a lista à câmara municipal nas eleições de 2013. Na altura fiquei surpreendida. Vou confessar-lhe: não conhecia o Luís. Conhecia o seu pai, Mário Albuquerque. Mas o Luís não. Temos uma boa diferença de idade.
Como é que o presidente a “descobriu”?
É um mistério que um dia, quando já não estivermos aqui, ele vai ter de me explicar. Até hoje nunca me disse. Só lhe fiz essa pergunta uma vez e ele não me respondeu. Não voltei a fazer. Acredito que fui recomendada por alguém da sua confiança.
Nunca perdeu o sono por causa das críticas ao seu trabalho? As críticas são sempre bem-vindas, desde que não o façam só porque sim. Gosto muito de estudar e acho que faz falta às pessoas estudarem mais as coisas antes de opinarem sobre elas. Mas também lhe digo (espero que não se volte contra mim), nunca fui visada. Como sabe sou responsável pelas obras e muitas vezes os prazos de execução derrapam. Com excepção de uma obra que teve efectivamente um desfasamento grande, as outras têm aquilo que nós já achamos normal, que são os dois ou três meses de atraso.
Nunca fica com os azeites? Há valores para mim que são fundamentais, como a lealdade. Odeio jogos políticos. Considero-me uma pessoa muito frontal, mas também é preciso saber sê-lo. Temos reuniões de trabalho em que eu me irrito, mas nunca perco o nível nem a educação. Não fica nada por dizer. Sou refilona, mas uma refilona simpática (risos).
O que é preciso para que haja mais mulheres a liderar autarquias? Se essa pergunta fosse feita há dez anos a minha resposta seria mais radical e diria ‘porque não se esforçam para isso’. A idade, a vida, os conhecimentos fazem-me pensar de outra forma. Infelizmente há muitos ambientes familiares em que não se dá espaço à mulher para crescer e evoluir. Embora também ache que há muitas mulheres que não têm interesse nem ambição para chegar mais longe.
A Isabel adora obras, mas também não vive sem a Cultura, duas actividades completamente distintas. Ainda esta semana tivemos uma acção de formação muito interessante sobre financiamentos no âmbito da cultura. Se lhe disser quais as áreas de que gosto nunca mais saímos daqui. Adoro cozinhar, embora não goste de arrumar a casa. Adoro fazer croché. É um momento em que só penso naquilo, quase como uma terapia. Adoro ler e adoro estar sempre a arranjar projecto. Ainda a semana passada esteve aqui uma pessoa interessantíssima que veio falar da classificação da Capela de São Sebastião. Na conversa falou-me de uma igreja e da importância que tem para o concelho. Fiquei entusiasmadíssima. Já estou a planear uma actividade para irmos visitar e fazer um trabalho sobre isso.
Ser autarca rouba-lhe muito tempo à família. Nunca lhe cobram esse tempo? Nada, nada, nada. Onde estou dedico-me 100% e quando estou em casa também me dedico a 100%. Eu e o meu marido sempre nos habituamos a partilhar coisas. Ele é uma pessoa muito reservada, muito metódica, que me apoia imenso. Temos sido muito cúmplices ao longo destes anos.
Melhorar as acessibilidades é prioridade
Como define o seu percurso enquanto autarca? Das coisas boas que acho que trouxe foi a construção de equipas de trabalho. Consegui construir equipas coesas. Tenho trabalhado com excelentes profissionais que também são boas pessoas. Sempre achei que os técnicos municipais precisam de ser capacitados e de saber das novidades. Depois nós cá estamos para decidir. Eu digo-lhes sempre para nunca se inibirem de propor, depois logo se vê. As grandes empresas, instituições ou autarquias só têm futuro se tiverem nos seus quadros pessoas empoderadas que não tenham medo do sucesso.
Quais são os principais desafios de um autarca em Ourém? Dar cumprimento ao que nos propusemos em relação ao desenvolvimento do território. Não posso conceber termos duas cidades no nosso concelho (Fátima e Ourém) em que há ruas no centro sem passeios, sem mobilidade. Em algumas vai-se na berma e na lama. Nós estamos no século XXI.
É preciso potenciar ainda mais o turismo religioso? Não vale a pena dizer que não, porque ele existe e se existe pode ser melhorado. Durante muitos anos Fátima não tinha nada a ver com o resto que se passava no concelho. É preciso explicarmos que ir a Fátima também é ter a possibilidade de vir ao Castelo, à vila medieval, ao Agroal, a Tomar, à Batalha, entre outros destinos na nossa região.
Há cidadãos que querem Fátima a concelho. Faz sentido? Tenho uma leitura completamente diferente da maioria das pessoas em relação ao território. Acho que devia haver menos freguesias e menos concelhos no país. Ganhávamos mais escala. Se isto lhe responde à questão...
Ourém é um exemplo na captação de fundos comunitários? Neste momento temos seis projectos com candidaturas abertas e temos praticamente tudo aprovado. É uma grande alegria, mas envolve muito trabalho. Os quadros comunitários, quando são elaborados, têm linhas orientadoras e é preciso perder tempo a estudá-las. Eles começam muito antes e é uma coisa que muita gente não faz. Mas pronto, eu tenho a mania de estudar, que é estudar aquilo que são as chamadas linhas orientadoras dos quadros comunitários. Se temos dinheiro, como é que o desperdiçamos? É inaceitável. Mas também temos de ter cuidado para não ir a todas desnecessariamente. Depois temos um ponto de honra. Se é para fazer, é para fazer, não é para ir fazendo. Não há facilitismo.
Sente-se ribatejana? Ou acha que Ourém deveria pertencer ao distrito de Leiria? Com o passar dos anos o território de Ourém aproximou-se muito mais do território de Leiria, Pombal, Batalha. Quando vim viver para Ourém não era assim, a ligação ao Ribatejo era muito maior. O fluxo de trabalho para Leiria é muito superior porque é onde existe indústria. Com isto não quero melindrar ninguém e sei que politicamente as coisas são como são. Estou a referir-me mais na vertente da afinidade. Estamos na fronteira dos dois distritos. Se não fossemos nós era outro concelho.
E sobre a nova NUT II, que vai unir Lezíria, Médio Tejo e Oeste? Sou mais contra isso do que propriamente a questão de pertencer a Leiria ou a Santarém. Os territórios da Lezíria e do Oeste são territórios que têm grandes opções completamente diferentes das nossas. Nós não temos nem agricultura de grande dimensão nem o rio Tejo e isso pode prejudicar-nos em termos de fundos comunitários.
Um diagnóstico errado que lhe dava poucos meses de vida
Tem algum arrependimento? Não me arrependo. Talvez o facto de, por me ter tornado autarca, desliguei-me um bocadinho da actividade cívica, digamos assim. Num ponto de vista mais pessoal, gostava de ter tido os filhos mais cedo. Mas foi uma decisão de casal.
Qual é a sua maior conquista? Tenho uma vitória pessoal. Tive um problema de saúde grave aos 19 anos que surgiu de um diagnóstico errado. Disseram-me que estava numa situação terminal, que nem sabiam o nome. Estava a estudar em Coimbra e deram-me poucos meses de vida. Entrei numa depressão brutal. Mais tarde descobriram que tinha uma nevralgia do trigémio, mas as sequelas já estavam criadas. Ao fim de seis meses já estava a estudar outra vez. Tirei o meu curso mas pelo meio sofri com muitas ansiedades e pânicos. Não era capaz de sair sozinha de casa, nem de entrar num elevador.
É adepta das redes sociais? Sou adepta das redes sociais porque acho que não podemos pôr a cabeça na areia. Agora, não sou adepta de uma total partilha da vida pessoal nas redes sociais. Às vezes temos essa tendência. Por exemplo, sigo uma série de municípios aqui à volta. Gosto de ver o que fazem.
Custa-lhe levantar de manhã? Nada. Adoro levantar-me para vir trabalhar.
Qual é o seu truque para manter a calma perante um imprevisto? Contrariamente à minha forma de estar, que é um bocadinho impulsiva, nos momentos difíceis consigo manter a calma. Às vezes, mais tarde, cai-me a ficha, mas raramente perco as estribeiras à primeira.
Conseguia viver sem telemóvel? Muito dificilmente. Sou uma mulher das telecomunicações. O telefone faz parte da minha vida.
Qual foi a viagem que mais me marcou? Nunca fui de grandes viagens para fora. O meu pai adorava viagens cá dentro e muitos fins-de-semana íamos almoçar fora. Recordo-me muito bem dessas viagens e repliquei com os meus filhos.
Qual foi a maior extravagância que já cometeu? Talvez comprar uma peça de roupa cara. Hoje acho que foi uma extravagância desnecessária.
As visitas da PJ a Ourém: “não meto as mãos no lume por ninguém”
A Polícia Judiciária tem sido cliente habitual no concelho por causa das Pedreiras e mais recentemente o negócio misterioso da Casa Mortuária da Junta de Fátima, por exemplo. A imagem do concelho não sai beliscada? Já lhe fui respondendo a essa questão ao longo da entrevista. Frontalidade e honestidade são dois dos valores que mais valorizo. Costumo dizer que gosto de me deitar tranquila, embora esteja sempre a pensar em muita coisa ao mesmo tempo. A honestidade no trabalho é o não vender a alma ao diabo. Eu acho isso fundamental. Não meto as mãos no lume por ninguém. As regras são para cumprir e quem não as cumpre tem problemas. Não estou a dizer que é o caso. Isso já não é comigo. Só lhe estou a responder enquanto Maria Isabel Costa, não como vice-presidente da câmara.
O presidente Luís Albuquerque disse em entrevista a O MIRANTE que nunca ia ser apanhado pela Justiça porque não anda em “jantaradas”. É da mesma opinião? Gosto de uma grande jantarada, mas não dessas a que se está a referir (risos). Gosto de trabalhar, gosto de fazer as coisas, mas sempre de forma honesta.