“O fim do celibato dos padres não resolveria nada”
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Natural de Paços de Ferreira, o padre Adelino Ferreira está há seis anos ao serviço da Paróquia da Póvoa de Santa Iria. É dinâmico, criativo e não gosta de estar quieto.
Nas missas usa uma linguagem simples e tenta estar preparado para as questões e desabafos que lhe fazem. Os momentos mais difíceis são os funerais de crianças e de pessoas que manifestam vontade de se suicidar. Não é contra nem a favor do casamento dos padres mas diz que a mudança não ia resolver problemas. Na Póvoa gere uma paróquia com 350 crianças e jovens na catequese e missas com quatro centenas de fiéis.
O padre Adelino Ferreira, de 43 anos, natural de Paços de Ferreira, recorda com carinho a infância na terra onde cresceu e estudou. Oriundo de uma família religiosa, sempre frequentou a missa, mas a sua vocação só começou a ganhar forma mais tarde. Quando andava no 7º ano um padre convidou-o, e a outras crianças, para passarem os fins-de-semana no seminário. Foi, gostou e no 8º ano continuou os estudos no seminário. No final do 12º ano decidiu continuar na ordem religiosa dos Dehonianos (Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus) e teve o apoio incondicional dos pais. O irmão, que também estudou no seminário, optou por seguir outro rumo.
Antes da ordenação, passou três anos a colaborar nas paróquias da Póvoa de Santa Iria e do Forte da Casa. Foi ordenado padre em Aveiro e, no primeiro ano de sacerdócio, trabalhou num seminário em Rio Tinto, onde visitava escolas para leccionar Religião e Moral. Na sua primeira missa fora do seminário estava nervoso. A igreja da sua terra estava cheia, com pessoas que o conheciam desde criança. Levou a homilia toda escrita e não se lembra de ter tirado os olhos do papel e ter olhado para as pessoas. Assim foi durante um ano, em que se socorria da escrita. No seu percurso colaborou com paróquias de bairros sociais, paróquias da periferia da cidade e esteve seis anos no Algarve, onde no Verão as missas estão cheias.
Na Póvoa de Santa Iria é pároco há seis anos, uma transição facilitada pelas pessoas que já conhecia. A forma como transmite a mensagem aos crentes varia de paróquia para paróquia. “Em Castro Marim fazia o serviço que digo ser de manutenção, uma comunidade mais idosa, bastantes funerais e poucas crianças na catequese”, recorda.
Uma realidade bem diferente da Póvoa de Santa Iria onde num fim-de-semana normal as missas na Igreja da Paz, no Casal da Serra, têm mais de 400 pessoas e na Igreja da Nossa Senhora do Rosário de Fátima, na chamada Póvoa antiga, mais de 200. Só a catequese movimenta perto de 350 crianças de várias idades. “No domingo da Sagrada Família, por exemplo, entre o Natal e o Ano Novo, fizemos 600 pagelas e não chegaram para as missas do fim-de-semana. E temos pessoas de várias faixas etárias”, conta o pároco.
Isolamento é um dos desafios da sociedade
Adelino Ferreira confessa que “não é de ficar quieto”. Na hora de preparar uma homilia de domingo procura ser criativo e estar preparado para as perguntas e dúvidas da comunidade. “Antigamente era o padre que sabia tudo, hoje é diferente. Temos de ir ao encontro dos anseios das pessoas e dar um tipo de resposta que faça sentido na vida delas. Eu procuro estar sempre aberto à comunidade. Quando as associações e colectividades me convidam para estar em alguma celebração eu estou”, relata.
Na Póvoa de Santa Iria o nível de educação das pessoas é diferente e por isso o tipo de linguagem nas missas e celebrações tem de ser simples. “Com os adultos não basta dizer que Jesus fez aquele milagre porque sim. Mas a linguagem tem de ser curta e acessível e que consigamos passar a mensagem em dez palavras em vez de cem. As altas teologias também são precisas em certos âmbitos mas nas celebrações não faz sentido”, sublinha.
O padre reconhece que um dos grandes desafios da sociedade é o isolamento. Muitas pessoas estão sozinhas e procuram apenas alguém que as escute. Um padre é muitas vezes um psicólogo, sem formação na área, mas que ouve atentamente. “Dizem-me que precisam de falar comigo, sentam-se nessa cadeira e começam a falar. Eu praticamente não abro a boca e passado meia hora dizem obrigado senhor padre”, conta.
Os momentos mais difíceis são os funerais de crianças, que contrariam a ordem natural da vida. “Recordo-me do caso da criança que caiu do sétimo andar na Póvoa de Santa Iria em 2021. O que vamos dizer à família? E estou a questionar-me. Porque Deus permitiu que aquilo acontecesse? Pastoralmente falando são os contactos mais difíceis. Não conseguimos dar grandes explicações”, relembra.
Estar preparado para dar respostas em momentos difíceis
Os casos limite, de pessoas em sofrimento extremo, são também os mais difíceis de gerir. Adelino Ferreira recorda as pessoas que lhe pediram uma palavra porque estavam a pensar suicidar-se. “Não se consegue desligar disto. Quando estas pessoas aparecem que tipo de resposta é que nós estamos preparados para dar. A resposta não pode ser o que todos dizem: Não faças isso. Temos de criar empatia para perceberem que não faz sentido e ouvi-las”, explica.
Sobre o futuro da Igreja, acredita na importância da autenticidade e da coerência: “Não faz sentido pregar uma coisa e fazer outra. A Igreja acompanha a sociedade e não pode impor, mas sim acolher”, reitera. Antigamente, ir à missa era uma obrigação social e aqueles que não compareciam eram alvo de comentários. Hoje, cada indivíduo decide se quer ou não participar, sem a pressão da opinião alheia. Para o padre, o que confunde as pessoas são os “pseudo-espiritualismos”. Muitos procuram respostas e como não encontram começam a lidar com dificuldades emocionais. Algumas dessas correntes oferecem soluções rápidas que, a longo prazo, se revelam ineficazes.
Sobre se os padres se deviam poder casar, não é a favor nem é contra. Mas não crê que a mudança fosse resolver qualquer espécie de problema. “Fazer as coisas só por fazer e parecer bonito não faz sentido”, refere. Em relação aos casos de pedofilia que envolvem a Igreja Católica, diz que não é um assunto falado na paróquia da Póvoa de Santa Iria porque nunca aconteceu. O padre lamenta os casos que aconteceram e que não se podem mudar, mas agora é apoiar as vítimas e tomar acções para que o mesmo não se repita.
“O meu trabalho é ser padre e é para isso que sou remunerado mas não encaro como um trabalho mas sim como uma vocação. Há coisas que vêm de cima que para mim não fazem sentido e não consigo de todo pôr em prática, porque vai contra a minha forma de pensar. Não têm a ver com a vocação é mais com o trabalho prático”, reitera.
O dinamismo da Paróquia da Póvoa de Sta. Iria
A Paróquia da Póvoa de Santa Iria tem vários grupos. A agenda é definida no início de cada ano e depois cada grupo vai fazendo a sua própria gestão dos encontros e actividades. Só a catequese movimenta perto de 350 pessoas. Ao longo do ano realizam as festas e as celebrações e as aulas são dadas em 17 salas. Existem dois grupos de jovens, um mais antigo e outro mais recente, e os escuteiros. Depois há o grupo de teatro e o podcast “Conversas sem batina” realizado entre o pároco e Ricardo Bragança Silveira.
A paróquia colabora ainda nas Festas da Nossa Senhora da Piedade e na Páscoa devem retomar as missas, uma vez por mês, na capela da Nossa Senhora da Piedade, que deixaram de se realizar desde a pandemia. A paróquia da Póvoa faz uso das redes sociais, sendo o meio privilegiado para comunicar com a comunidade.
Um dos objectivos é vir a desenvolver novos projectos na área social até porque está disponível um auditório, sala de reuniões e ainda o bar. A partir dos 15 anos os jovens mostram-se disponíveis para o voluntariado e estão abertos à espiritualidade. Na paróquia da Póvoa são realizados entre 15 a 20 casamentos por ano e baptizados são um pouco acima dos 90.
A fotografia, os presépios e o desporto
O padre Adelino Ferreira tem interesses que vão além da vocação religiosa. Apaixonado por fotografia, gosta de sair com a máquina fotográfica e captar paisagens. Faz colecção de presépios de todo o Mundo e, inclusive, já expôs parte numa exposição na Póvoa de Santa Iria. Gosta de ler, viajar e ver um bom filme mas tem pouco tempo disponível. Como trabalha mais ao fim-de-semana, por causa das missas e catequese, não vê tantos jogos de futebol como gostaria. Ainda assim consegue de vez em quando jogar corridas de carro no computador e ver as provas de Fórmula 1 e MotoGP.
Há seis anos, descobriu que é diabético e é insulino-dependente, o que o obriga a moderar a alimentação. Gostava de ter mais tempo para praticar exercício e, apesar de ter uma passadeira em casa, nem sempre a utiliza. Na paróquia tem a porta aberta para acolher toda a gente independentemente da religião. Está aberto a novas ideias e projectos e usa a mesma máxima do Papa: “a paz não é só ausência de guerra mas o que construímos no nosso dia-a-dia”.