Quiseram matar o IEFP para limparem a imagem mas jovens e profissões tradicionais deram-lhe vida
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O Instituto de Emprego e Formação Profissional está a tentar limpar a imagem negativa que o deixou à beira da extinção. Um dos coveiros que contribuiu para a morte lenta do instituto foi Francisco Madelino, o político socialista que agora quer ser presidente da Câmara de Salvaterra de Magos.
Actualmente o IEFP é dirigido por Domingos Lopes, um profissional da casa, que também é do distrito de Santarém, do concelho de Ourém, e chegou ao cargo através de um concurso em que teve de mostrar as suas competências, fruto de três décadas de trabalho na instituição.
Domingos Lopes, presidente do Instituto de Emprego e Formação Profissional desde 2022, é um homem da casa que defende a manutenção da especificidade portuguesa de ter o emprego e a formação profissional juntos, mas advoga uma relação de complementaridade com o ensino escolar. Nesta entrevista, o presidente do conselho directivo, órgão que define a actuação do instituto e dirige meia centena de serviços e cinco delegações regionais, mediante as orientações do Governo, fala da estratégia para valorizar o futuro do serviço público de emprego. E revela que quer um instituto a dar resposta aos jovens que nem estudam nem trabalham, apostando na formação especializada, e cativar os desempregados para profissões tradicionais que têm pouca procura, mas que são cada vez mais bem pagas. Domingos Lopes, não sendo político profissional, não se espartilha no politicamente correcto e fala abertamente e com entusiasmo de um organismo que conhece como poucos conhecem.
Havendo desempregados inscritos nos centros de emprego, qual é a necessidade de o país recrutar imigrantes? Há 328 mil desempregados registados nos centros de emprego, representando uma taxa de desemprego que se pode considerar residual. Por outro lado, há sectores empresariais como a construção civil, agricultura, turismo a área social (creches, lares de idosos) que se queixam de falta de mão-de-obra. O que significa que há um desajustamento entre as expectativas dos desempregados e os empregos que estão a ser oferecidos.
Mas o que se diz muitas vezes é que as pessoas não estão para fazer determinadas tarefas, que não querem trabalhar… Há pessoas que não estão disponíveis para entrarem no mercado de trabalho em determinadas funções. Não é nada de novo se nos lembrarmos do que aconteceu há uns anos noutros países da Europa, quando nessa altura eram os portugueses que emigravam. Agora temos a mesma coisa. Há trabalhos que os nossos concidadãos não estão disponíveis para realizar por causa das condições oferecidas, por causa do que se paga, ou pelas funções em si. E é legítimo e justo que assim seja.
É sabido que os organismos públicos estão com dificuldades de funcionamento. Qual é a situação do instituto? Há muitos anos que não entram trabalhadores novos no instituto. A idade média dos funcionários vai nos 55 anos, o que já se pode considerar elevada. Pedimos 300 novos trabalhadores e vão entrar em breve 140, depois vamos avançar com a contratação de mais 160.
Ainda se conseguem encontrar formadores para algumas áreas mais tradicionais onde há carência de profissionais? Ainda vamos conseguindo arranjar formadores. Estamos a tentar valorizar as chamadas profissões tradicionais, porque há mercado de trabalho e ganha-se bem. Temos de sensibilizar as instituições, as famílias e os jovens para as vantagens destas profissões.
É possível fazer a aproximação do instituto às escolas para trabalharem em articulação? Sempre houve alguma animosidade relacionada com a concorrência e competitividade entre as estruturas do trabalho e da educação. Para bem dos cidadãos, deve haver uma maior articulação entre o IEFP e as escolas. Para isso temos de definir bem o papel de cada um e tentar que sejam complementares. O IEFP está a apostar cada vez mais numa resposta para os jovens que seja complementar à formação escolar. Há muitos jovens chamados “nem, nem”, que nem estudam nem trabalham, e a maior parte tem o 12º ano de escolaridade. Fala-se que serão cerca de 150 mil. Temos uma resposta formativa para esses jovens, com os cursos de especialização tecnológica.
Como é que vê a situação dos imigrantes em termos laborais? As empresas precisam de laborar, têm de satisfazer as suas necessidades de mão-de--obra e deseja-se que não se aproveitem para degradar as condições médias de trabalho. O objectivo é valorizar cada vez mais o factor trabalho, fazendo a sua evolução e melhorando as condições. Desejo que não se aproveite a vinda de imigrantes que possam aceitar qualquer situação laboral para degradar as condições de trabalho.
Mas teme que possa haver uma degradação das condições? Espero que não e creio que os empresários não querem situações dessas, porque sabem que o modelo de desenvolvimento nacional não pode passar por essas questões.
Como vê a dinâmica empresarial e de emprego na região do Vale do Tejo? Não tem havido problemas sociais sérios porque a dinâmica do mercado de trabalho é grande. Quem quiser trabalhar, rapidamente é reintegrado ou no mesmo sector ou noutro e os trabalhadores desempregados que precisarem de requalificação têm um IEFP com capacidade de os requalificar.
Agora como presidente sente-se mais político que técnico? Quando se está em cargos deste tipo é preciso haver alguma capacidade política.
E que influência tem a política nos serviços? Como é uma instituição que tem presença em todo o território, que tem alguma capacidade de atribuir subsídios, é muito partidarizada localmente, com funcionários com várias tendências políticas. Talvez por isso é que recebo mais pressões para mudar um director do centro de emprego. Mas tentamos valorizar sempre as pessoas da casa. Por outro lado, um director de um centro de emprego em localidades do interior tem um peso político tremendo.
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Francisco Madelino fez mal aos trabalhadores e criou uma má imagem do IEFP
Há necessidade de manter formação em áreas que já não têm grande procura? O papel do IEFP continua a fazer sentido, embora a sensação com que fiquei quando cheguei a estas funções foi a de que o instituto, enquanto serviço público de emprego e formação profissional, tinha sido muito maltratado nos últimos anos. Assiste-se a uma situação de desânimo, de frustração, na generalidade dos trabalhadores relativamente a um conjunto de circunstâncias que se agravaram ao longo dos anos.
O que é que aconteceu? O que passou no IEFP não é diferente do que aconteceu noutros serviços. Não basta apregoar que somos defensores do serviço público e depois as medidas que se tomam não serem condizentes com a salvaguarda desses mesmos serviços. É notório que os serviços públicos estão a funcionar pior do que funcionavam há uns anos. Por exemplo, o instituto tinha carreiras específicas de trabalho, quer de técnicos de emprego, quer de técnicos de formação, que foram abolidas na primeira década do ano 2000 e os profissionais foram integrados nas carreiras gerais da função pública.
Está a apontar o dedo ao presidente dessa altura, Francisco Madelino? Ele teve algumas atitudes que criaram a desmoralização das pessoas. Ele não defendeu o IEFP, nem valorizou o serviço público de emprego ao acabar com as carreiras específicas. Dizia aos funcionários nos serviços centrais que ou se portavam bem ou iam trabalhar para um centro de emprego como castigo, criando uma imagem dos centros como se fossem o degredo. Neste momento tenho dificuldade em arranjar pessoas para trabalharem nessas funções, mesmo como dirigentes.
A gestão de Francisco Madelino deixou assim tanta marca negativa? Isto vulnerabilizou de tal forma o instituto que quando cheguei a estas funções, em 2022, estava em cima da mesa a sua extinção. Havia um projecto para descentralizar as competências de formação profissional, transferindo essa área para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), que significava o fim do IEFP.
Como é que conseguiu evitar o desmembramento do instituto? A então ministra Ana Mendes Godinho, na primeira conversa que tivemos, disse-me que se tinha lembrado de mudar o nome do instituto para agência de emprego porque a imagem estava muito gasta. Comecei a alertar para a situação junto dos parceiros sociais, entretanto começou a haver ministros que se manifestavam contra a ideia e a própria ministra do trabalho começou a ficar dividida.
Se fosse um político nomeado em vez de um técnico da casa a dirigir a instituição a história teria sido diferente? Se calhar se fosse um político tinha embarcado na ideia de que era preciso mudar. Admito que o IEFP ganhou por ter como presidente uma pessoa da casa. Às vezes o problema é deixar-se degradar as instituições e depois achar-se que a mudança vai resolver a situação. Temos o caso do SEF que foi extinto e agora pergunta-se se estamos melhor, se calhar não. A vantagem do instituto é ter o emprego e a formação juntos. É uma originalidade portuguesa. Não há muitos países onde isso aconteça.
Tem alguma estratégia para voltar a motivar as pessoas e cativar gente para os centros de emprego? Já apresentei uma proposta de alteração aos estatutos do instituto, para a valorização das funções. Quem é coordenador, por exemplo, ter um ordenado igual estando nos serviços centrais ou num centro de emprego. Outra proposta é aumentar a remuneração dos directores adjuntos e directores dos centros de emprego e dos centros de formação, porque ganham menos que um director nos serviços centrais.
O conselho de um padre moldou-lhe o futuro
Pode chamar-se sorte, circunstâncias da vida, destino ou simplesmente a diferença entre um sim ou um não em dado momento da vida. A verdade é que o percurso de Domingos Lopes foi muito influenciado pelo momento em que o seu pai deu ouvidos a um padre amigo e aceitou deixar o filho prosseguir os estudos num colégio em Fátima para além do sexto ano de escolaridade, por onde tinham ficado os seus irmãos.
O concílio familiar aprovou a ideia de dar asas ao benjamim da casa, que se revelava um bom aluno, e Domingos Lopes escapou a um futuro mais do que provável a trabalhar na empresa familiar de pintura de construção civil, concluindo a licenciatura em Economia. O curso foi tirado numa universidade privada em Lisboa, porque o pai recusou que concorresse ao Instituto Superior de Economia de Lisboa, escola pública que o progenitor considerava “um antro de comunistas”. Formou-se e ficou pela capital, começando a carreira profissional em 1990, precisamente no Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) que hoje lidera, então como trabalhador a recibos verdes. Entrou para o quadro em 1992 e é o que se pode chamar um homem da casa.
Domingos Jorge Ferreira Lopes nasceu no dia 25 de Maio de 1966 na localidade de Fontainhas da Serra, freguesia de Atouguia, concelho de Ourém, no seio de uma família humilde e profundamente católica, sendo o mais novo de seis irmãos. É casado, tem duas filhas, de 23 e 25 anos, já formadas e a trabalhar no estrangeiro, na Suécia e Países Baixos. Filiado no PSD de Lisboa desde os anos 90, é um militante de base, afastado das lides partidárias e que nunca precisou do cartão do partido para subir na carreira. Aliás, lembra, nunca escondeu as suas opções ideológicas e as maiores progressões ou promoções deram-se em tempos de governos socialistas, como a última, quando chegou à presidência do IEFP, em Setembro de 2022, através de concurso público.
Antes disso, foi progredindo nos serviços ligado à área da gestão de fundos comunitários e foi presidente da Comissão Directiva do Programa Operacional Temático Inclusão Social e Emprego e do Programa Operacional Potencial Humano. Católico, mas pouco praticante, orgulha-se da sua carreira construída a pulso e não é homem de fazer promessas, nem sequer a Nossa Senhora de Fátima. Na sua juventude trabalhava na empresa do pai, continuada pelo irmão mais velho, mas confessa que não gostava muito do ofício.
Domingos Lopes construiu a vida em Lisboa mas continua com a terra natal no coração, onde regressa sempre que pode, mas não com a frequência que gostaria, nomeadamente em épocas festivas ou quando o convidam para algum evento. Ainda lá tem a casa de família, conhece muita gente e acompanha a vida da comunidade e a actividade política à distância, através da imprensa local. Diz que a gestão do município está bem entregue a Luís Albuquerque e conhece alguns outros protagonistas da vida política do concelho desde os tempos da juventude.
Quatro presidentes do distrito de Santarém desde 2007
Nos últimos 17 anos o Instituto de Emprego e Formação Profissional teve quatro presidentes do conselho directivo oriundos do distrito de Santarém. Em 2007 o governo liderado por José Sócrates colocou no cargo Francisco Madelino, natural da Glória do Ribatejo, concelho de Salvaterra de Magos. O licenciado em economia esteve no cargo até 2011, altura em que foi nomeado para presidente da Fundação Inatel.
Octávio Oliveira, que já tinha desempenhado cargos de direcção no IEFP, para onde tinha entrado como técnico superior em 1987, substituiu em 2011 Francisco Madelino. O ex-secretário de Estado do Emprego, nascido em Tramagal, no concelho de Abrantes, em Maio de 1960, e actual presidente do Instituto de Segurança Social, esteve a dirigir o emprego e formação profissional até 2013.
Jorge Gaspar, natural do Cartaxo, onde foi vereador da câmara pelo PSD, foi o presidente que se seguiu na condução do IEFP. Licenciado em Direito e especialista em Direito do Trabalho, actual director da Consulting by AIP – Unidade de Consultoria da Associação Industrial Portuguesa, Jorge Gaspar esteve à frente do instituto até 2016, quando se demitiu, sendo na altura o último elemento que vinha ainda do governo de Passos Coelho.
Domingos Jorge Ferreira Lopes assumiu as funções em Setembro de 2022, após concurso da Cresap, substituindo Adelaide Franco que tinha sido nomeada em regime de substituição. A dirigente pediu a demissão do cargo após se terem levantado dúvidas legais acerca do facto de acumulado subsídio de desemprego com actividades “pontuais” e “não remuneradas” realizadas para a empresa da qual tinha sido despedida.
Os primeiros antecedentes do IEFP surgem em 1932 com a criação do Comissariado e o Fundo de Desemprego para fazer face ao desemprego provocado pela crise económica que se registava. Só três décadas depois é que se caminha para uma estrutura que se aproximou do que é hoje o instituto. De 1960 a 1979, quando assumiu a designação por que hoje é conhecido, teve várias denominações.
Na década de 1960 Portugal via-se a braços com situações de desemprego provocadas pela actualização dos métodos de fabrico provenientes da reorganização industrial. “Esta realidade desfavorecia a maioria dos portugueses sem habilitações escolares e profissionais adequadas”, refere o instituto no seu historial. O IEFP teve como objectivo integrar num único organismo a execução das políticas de emprego e formação profissional.