Carlos Alves: professor, músico, dirigente e autarca que está a implementar novas estratégias para Arruda dos Vinhos

Carlos Alves não tem uma carreira partidária, mas sempre teve um olho a espreitar a política, fosse com as discussões com o seu pai, homem de esquerda, fosse pelo seu percurso enquanto estudioso e professor de filosofia.
O presidente da Câmara de Arruda dos Vinhos, que subiu ao cargo com a saída do timoneiro do projecto autárquico que o escolheu para vice-presidente, vai agora pela primeira vez a votos como cabeça de lista, numa oportunidade de libertar para a prática o turbilhão de ideias que tem para o concelho. Nesta primeira grande entrevista como presidente e candidato, como cidadão do concelho e da região de coração, fala da sua vida, dos projectos que tem e assume que está a trabalhar num cenário de vitória. Quer mais condições para os jovens, atrair quadros para o concelho, promover a qualidade de vida e, numa terra onde ninguém está sem médico de família, acabar de uma vez por todas com as fossas sépticas levando o saneamento básico a todos os lugares.
António Palmeiro/Filipe Matias
Estava à espera de ser convidado para número dois da lista? Nunca suspeitei que houvesse o convite e fiquei surpreendido. Não tinha a ideia de fazer um caminho que acabasse na cadeira de presidente de câmara. Estou na política pelos motivos certos, que são estar ao serviço da população. É uma ambição genuína, de dar o meu melhor contributo possível e envolver a população para o desenvolvimento de projectos relevantes para o concelho.
Mas quando entra para vice-presidente obviamente que já devia haver uma perspectiva de preparar a sucessão. Não vejo a política como carreira mas como missão. Ninguém está à espera que um Governo de maioria caia e que o presidente de câmara seja convidado para deputado e que o vice assuma a presidência do município. Num último mandato de um presidente há sempre a possibilidade de o número dois ser o cabeça de lista às eleições, mas esse caminho está sempre condicionado pela vontade dos militantes. O número dois também tem de fazer um bom trabalho para ser uma opção. Há vários exemplos à nossa volta de vice-presidentes que não foram escolhidos pelos partidos.
Foi o que aconteceu com a sua antecessora? A sua entrada para a câmara ditou o afastamento de Rute Miriam das listas? Não tenho qualquer responsabilidade nessa situação. As pessoas têm projectos diferentes e as escolhas não dependem só do próprio. Não me ofereci e não tenho uma carreira política. A minha relação com a anterior vice-presidente é a melhor, de cordialidade, não há da minha parte qualquer mal-estar em relação a ela.
O facto de ela ter avançado com uma candidatura, apoiada pelo PSD, vai complicar as contas ao PS? Isso é futurologia. Estou concentrado em fazer um trabalho que considero relevante para o concelho, estou motivado em dar o meu melhor para conseguir conquistas para território e não em estar preocupado com resultados eleitorais.
Nestas eleições vai ter também a concorrência do CHEGA. Teme alguma instabilidade nas autárquicas? Vejo esses fenómenos com naturalidade, porque o que conta são os projectos agregadores. É a democracia a funcionar. Sou democrata, sou de esquerda, socialista, humanista e republicano convicto e na visão que tenho para a sociedade considero que todos os agentes políticos têm o direito de irem a votos. Há posturas na política com as quais me revejo e outras não. Gosto da política pelo sim e a minha política é sim mais saúde para o meu concelho, sim mais educação, sim melhores infra-estruturas… Não me revejo num discurso do não, do preconceito, do ódio, um discurso que não seja inclusivo.
“Quando vamos a votos temos de ter ideias e projectos”
Qual é o seu projecto e o que tem de diferenciador? O meu projecto é construir o futuro, honrando o passado.
Já estamos a ver que isso é a frase de campanha… É a minha convicção política. O meu projecto está alicerçado num histórico relevante que trouxe desenvolvimento e que em contraciclo fez crescer o concelho, mas com um futuro que passa pela requalificação das infra-estruturas. Há um plano para o pavilhão multiusos porque temos necessidade de um espaço com sala de congressos, que dê respostas ao desporto, cultura e associativismo, ao apoio sénior. O meu projecto também passa pela rede viária que permita ter coesão territorial.
Faz sentido a apostar nessas intervenções quando há zonas do concelho que nem sequer têm saneamento básico? Estamos a fazer investimentos nessa área na Carvalha e vamos iniciar o saneamento em A Do Mourão. Vamos investir também na Tesoureira, em Vila Velha. Estamos a falar num investimento de 1 milhão e 100 mil euros. O saneamento é muito importante tal como a gestão da água é uma prioridade com a revisão das condutas e combate às perdas de água.
O Rio Grande da Pipa vai continuar a ser um problema? Estamos neste momento a finalizar uma Fábrica da Água, que vai ter a capacidade de tratamento de águas residuais e fluviais. É um projecto revolucionário que vai ser uma mais-valia. Há vontade de requalificar o rio até à zona das cataratas e já há trabalho feito em termos de estudos e este é um projecto para implementar.
Se ganhar as eleições Arruda dos Vinhos vai estar cheia de obras no próximo mandato. Estou a trabalhar sob um cenário de vitória. Isto não quer dizer que antes não se tinha feito obra. Mas quando vamos a votos temos de ter ideias e projectos. O que vou levar a votos nestas eleições é uma visão para o território, em que temos de ter saneamento, estradas, água, saúde, educação, cultura, tecido associativo apoiado, arrendamento jovem, ocupação de tempos livres…
Como é que pretende fixar os jovens da terra e atrair mais juventude para o concelho? Já estamos a trabalhar nisso. Fizemos um regulamento para apoio ao arrendamento jovem, vamos implementar um programa de ocupação de tempos livres, temos um programa de estágios. Vamos investir em habitação que é uma área estratégica para o concelho, com construção a custos controlados. A nossa alavanca de desenvolvimento tem sido a educação e é a reboque disso que temos crescido. Do ponto de vista da formação temos sido um berço de jovens altamente qualificados. Temos um projecto, que é o Arruda tem Valor, que dá palco aos jovens para apresentarem as suas investigações e teses académicas.
A indústria aeroespacial e o laboratório dos solos
Em que medida essa aposta está a mudar Arruda dos Vinhos? Temos indústria aeroespacial e somos procurados pela capacidade de inovação. O ArrudaLab é um ponto de desenvolvimento agro-industrial que tem quadros de alto valor. Temos um laboratório dos solos que tem pouco paralelo no mundo.
Como é que o concelho está a aproveitar as potencialidades turísticas?
A área do turismo tem tido um trabalho invisível e que este ano começou a mexer. Vamos promover no site do município na internet o projecto turístico do concelho. O vinho, a viticultura, a enologia são apostas que vão ser motivo de constante investimento. Estamos a terminar a obra do mercadinho que terá uma enoteca. A estratégia passa pela continuidade e valorização também do património material e imaterial, da nossa cultura.
Fica triste com a situação actual da adega cooperativa?
A adega tem um património emocional. Fico na expectativa que conheça melhores dias. A câmara está sempre do lado da solução e estaremos disponíveis para encontramos soluções.
O que é que quer fazer do centro histórico?
O centro histórico é a zona onde cresci. Também há projecto e ambição para esta zona. Temos de começar pelas infraestruturas no subsolo. É uma intervenção obrigatória.
A Valorsul anda à procura de uma alternativa ao aterro sanitário de Mato da Cruz. Já vieram bater-lhe à porta?
Não sei do que fala, nunca fui abordado e a resposta é não, obrigado.
O passe que facilita os estudos em Lisboa, a identidade do território e a nova organização territorial da NUT II
Qual é o posicionamento do concelho em relação a Lisboa e aos outros territórios vizinhos? O que não quero é que Arruda dos Vinhos seja um dormitório. A ideia é manter a identidade, o espirito de comunidade, a qualidade de vida que temos e termos a capacidade de fixar pessoas e capacidade de mobilidade.
O Passe M já teve algum efeito para a população? O passe deve ser analisado no espectro do Oeste e dá em termos regionais uma competitividade e de atracção que são fundamentais, que se juntam numa sintonia com as apostas no território, na transição digital, na transição verde, que são outras das estratégias da comunidade intermunicipal que têm como eixo principal as pessoas. Os nossos jovens conseguem ir facilmente estudar para Lisboa e voltarem porque têm um sistema de transportes mais favorável, tendo em conta também o esforço financeiro que as famílias deixaram de fazer por via do Passe M.
Como é que tem visto o posicionamento da comunidade intermunicipal e que papel tem tido no desenvolvimento de Arruda dos Vinhos em particular? A comunidade intermunicipal tem de ter o papel dinamizador do Oeste no seu todo, conseguindo a coesão, que é difícil e complexa, atendendo aos diferentes territórios que a constituem. Tem tido uma liderança muito positiva, tem feito um trabalho fantástico. Gostava de ver a breve prazo concretizada a questão do operador interno, que é um trabalho de vanguarda que não tem paralelo. A ideia do Oeste como bio-território, assente numa bio-economia, é fundamental para o concelho e a pista está logo no topónimo: Arruda dos Vinhos. O sector primário é muito importante para nós.
Com a futura criação da NUT II, que vai juntar o Oeste à Lezíria do Tejo e ao Médio Tejo, o que é que vai acontecer? Esta nova organização territorial dá coesão, dá unidade, dá possibilidades. Vai juntar as partes agrícolas, transformadoras, vamos poder ser o grande mercado abastecedor da Área Metropolitana de Lisboa, e dá uma capacidade diferente de gestão dos fundos. É uma nova região dentro do país e do ponto de vista pragmático pode ser uma alavanca de desenvolvimento e potenciar uma série de variáveis.
Há pontos de aproximação com outros territórios com realidades muito diferentes do Oeste? A frase fácil é a do costume: é mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa. Estamos a falar de um país pequeno, em que todas as diferenças quando conjugadas são complementares, são de sinergias. Tenho uma visão da política muito assente no envolvimento das pessoas, das instituições, dos territórios. Todos ganham quando se complementam. Esta reorganização pode ter essa capacitação de ser um potenciador de um desenvolvimento mais coeso, em que não andamos a discutir os fundos comunitários ao cêntimo.
Acredita que isso pode acabar com o sistema instituído em que cada concelho quer ter as mesmas coisas que o concelho vizinho? É uma excelente oportunidade. A Comunidade Intermunicipal do Oeste é um excelente exemplo, porque quando os presidentes de câmara se sentam à mesa para discutir o território, ninguém está a pensar exclusivamente no seu território, no seu partido. Há uma visão de um todo, na marca Oeste que tem a pêra rocha, a maçã, o chocolate, a ginja, os dinossauros, o vinho as festas em Honra de Nossa Senhora da Salvação em Arruda… É um mosaico de identidades.

“Não tenho qualquer pudor em relação à parceria público-privada do Hospital Vila Franca de Xira”
Como é que Arruda dos Vinhos consegue ter uma assistência na saúde em que toda a gente tem médico de família? Há poucas pessoas doentes ou há muitos médicos? É um orgulho. Isso tem-se construído com vários factores: muito trabalho e óptimo relacionamento entre os profissionais de saúde que gostam de vir para Arruda. Não há nenhuma varinha de condão, não há fórmulas mágicas.
Não tem sentido necessidade de puxar as orelhas ao presidente da Unidade de Saúde Local Estuário do Tejo. A saúde é uma área muito complexa a nível nacional. Neste momento em Arruda temos uma cobertura a 100 por cento, mas isso não é possível sem uma articulação entre as entidades e o município, uma Unidade de Saúde Familiar muito bem coordenada e com equipas motivadas.
Concorda com o regresso da parceria público-privada ao Hospital Vila Franca de Xira? O que eu quero é que a minha população tenha resposta em termos de saúde. Não tenho qualquer pudor em relação à parceria público-privada, mas têm de dar a garantia de que isso não será feito à custa de desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde e do fecho de urgências. Sou socialista e quero saúde para toda a gente, de qualidade, com qualidade, sem perda de serviços.
Partilha das críticas que têm sido feitas à Unidade Local de Saúde e ao funcionamento do Hospital de Vila Franca de Xira? Não vejo com bons olhos o fecho das urgências. A tudo o que seja menos resposta vou ser crítico e céptico.
Estamos a ver que gosta de ser politicamente correcto. Gosto de ser politicamente construtivo, no sentido de dar respostas à população.
Um professor que gosta de governar da base para o topo
Carlos Alves, 53 anos, nasceu em Vila Velha de Ródão, mas desde pequeno que se mudou com os pais para Arruda dos Vinhos. A mãe é natural de Vila Velha de Ródão e o pai de Arruda dos Vinhos. Ainda hoje mantém uma forte ligação com a vila raiana do distrito de Castelo Branco onde vai com frequência.
Em Arruda dos Vinhos fez todo o seu percurso nas escolas do concelho, onde construiu as amizades que o acompanham durante toda a vida. Diz, a brincar, que praticamente aprendeu a fazer vinho, já que a sua infância foi passada nas vindimas com outros jovens a ganhar algum dinheiro extra nas férias escolares sempre que era preciso, porque não provinha de uma família abastada. Quando andava a estudar não era um aluno rebelde e que sempre levou a escola a sério. “Os meus pais sempre me incutiram em casa a importância da educação como uma oportunidade para a vida, como um elevador social para ter melhores condições de vida”, recorda.
Ganhou o gosto pelos estudos, por saber sempre mais, e continua a estudar, a ler, a aprender. Está a tirar um doutoramento em ciência política, faltando-lhe apenas entregar a tese, o que ainda não fez por estar ocupado na câmara. Também tem um mestrado em filosofia política. As suas áreas de interesse são a democracia participativa e como é que se pode e consegue criar uma sociedade civil forte, que tenha capacidade de ter cidadãos críticos e que acrescentem valor.
Carlos Alves acredita que não se governa contra as pessoas e que elas precisam de ser envolvidas no processo político. “Temos de governar da base para o topo e não o contrário. O meu pensamento político tem na base as pessoas e trabalhar para as nossas gentes”, refere. O pai era comunista mas desde cedo que Carlos Alves teve discussões com o progenitor sobre a realidade política. É um homem de esquerda que gosta de defender os valores da igualdade e da saúde e educação para todos.
Foi músico durante muitos anos e tocou clarinete em vários locais, desde a filarmónica de Arruda dos Vinhos passando pela orquestra ligeira e a Sociedade Euterpe Alhandrense. Foi dirigente associativo no Rancho Podas e Vindimas de Arruda dos Vinhos, é sportinguista de coração e chegou a praticar atletismo na sua juventude. Foi professor de filosofia e psicologia durante 26 anos no Externato João Alberto Faria e nunca pertenceu à Juventude Socialista e até há pouco tempo não era militante partidário. Foi eleito a primeira vez na Assembleia Municipal de Arruda dos Vinhos, como independente, no mandato de 2017 a 2021. A dada altura, revendo-se no projecto do anterior presidente, André Rijo, aceitou um convite para integrar o actual executivo como vice-presidente. “Não estava à espera que ele me convidasse para vice-presidente. Fiquei surpreendido porque nunca houve nenhuma pretensão em fazer este caminho até à cadeira de presidente”, garante. Apresentar-se como candidato às próximas eleições autárquicas é, segundo o próprio, o passo natural, visando continuar a construir um programa para o concelho que quer fazer a diferença no dia-a-dia dos arrudenses.