Miguel Carrinho: consumos ilícitos de água aumentam na região e precisam de ser combatidos

Miguel Carrinho tem 47 anos, é pai de uma filha e há três anos assumiu o cargo de director-geral da Águas do Ribatejo.
Está ligado há empresa intermunicipal desde a sua criação e diz que tem sido uma aprendizagem lidar com vários autarcas e servir um território com mais de 140 mil pessoas espalhadas por sete municípios. Nesta entrevista a O MIRANTE fala do crescimento dos consumos de água ilícitos, sublinhando que a empresa já instaurou mais de uma centena de processos. Filho de Sérgio Carrinho, autarca histórico que foi presidente da Câmara da Chamusca, confessa que aprendeu com o pai os valores do respeito e da honestidade e que somos muito mais felizes quando trabalhamos em prol da causa pública e da felicidade dos outros.
Está há 16 anos na Águas do Ribatejo. Tem sido um desafio? Sim, foi um longo processo até chegar aos dias de hoje. Sou licenciado em Gestão de Empresas e Economia. Quando terminei o curso estagiei na Associação de Municípios, que é hoje a Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo. Tive a felicidade de apanhar alguns projectos que estavam a começar, um deles eram os espaços Internet, e outro foi o Ribatejo Digital. Acabei por desenvolver muitos projectos com os municípios e estabeleceu--se uma relação de proximidade. O processo de criação e constituição da Águas do Ribatejo decorreu entre 2000 e 2005. Sou uma das pessoas que participou na sua criação.
É um projecto com um modelo totalmente diferenciado. Tem resultados? Ainda tem um modelo diferente que no nosso ponto de vista é uma grande mais-valia. Os nossos municípios optaram por criar uma empresa que agregasse tudo, desde a produção e do tratamento das águas residuais à parte da distribuição. Continuamos a ser um caso único e de sucesso, por serem vários municípios. Trabalhamos todo o ciclo da água, desde a captação até à devolução da água tratada. O facto de estar tudo agregado na mesma entidade tem vantagens do ponto de vista da economia de escala e também não estamos dependentes de ninguém. Há maior eficiência e vantagens do ponto de vista financeiro que depois têm reflexo nas tarifas que praticamos. Estamos abaixo da média nacional e os nossos resultados e conta estão equilibrados.
O sector da água está a ser bem regulado? Existem no nosso país mais de 200 entidades gestoras no sector. As que servem grandes zonas urbanas de Lisboa, Porto, etc. Existe depois um conjunto de entidades de média dimensão, como a Águas do Ribatejo, por exemplo, e as mais pequenas, geridas pelas câmaras municipais, como na Golegã ou Constância. As exigências são iguais para todos e têm que ser cumpridas. Temos um país muito heterogéneo. Nós servimos cerca de 140 mil pessoas num território com mais de 3000 quilómetros quadrados. É um grande desafio assegurar a qualidade do serviço. Mas acho que ninguém se está a aproveitar neste sector.
Está há três anos como director-geral da empresa. O que mudou? Peguei num barco que já estava a navegar. As equipas são quase todas iguais. Não sou pessoa de rupturas nem de revoluções. Sou mais uma pessoa de evolução do que de revolução. Tenho as minhas características pessoais e tento colocá-las ao serviço das pessoas. Destaco dois projectos: o consumo de energia modificou-se depois de realizarmos um grande investimento na colocação de painéis. Há uma grande redução de custos. Por outro lado, iniciámos a instalação de contadores inteligentes com telemetria. Isso vai permitir ter um conhecimento mais aprofundado e imediato do que se passa ao nível do consumo.
Ocupa cargos em várias entidades do sector. Porquê? Faço parte de comissões de acompanhamento que não me obrigam a grandes sacrifícios e não colocam em causa o meu trabalho enquanto gestor na Águas do Ribatejo. Faço parte dessas entidades porque tenho gosto em estar em várias frentes e sinto a necessidade de estar sempre actualizado. Acho que um bom líder não deve estar fechado no seu próprio mundo. Deve ter uma perspectiva mais ampla da realidade.
Como responde às críticas do autarcas relativamente ao estado em que ficam as estradas depois das intervenções da Águas do Ribatejo? A primeira coisa é dizer que a preocupação existe e sempre existiu. Continua a ser o nosso calcanhar de Aquiles. Não é uma questão fácil de gerir, nomeadamente porque trabalhamos num território enorme. Gerir intervenções com distâncias de dezenas de quilómetros nem sempre é fácil. Temos que conseguir ter meios para fazer isso em tempo útil. Todos os dias há reparações de avarias, execução de ramais, entre outras, que implicam a abertura de buracos, de valas. Não é um processo estático. Não posso deixar de dizer que os problemas que existem nas ruas e estradas da nossa região não são todos das Águas do Ribatejo. O que quero deixar em termos de mensagem é que estamos muito atentos e a fazer um esforço para melhorar os nossos serviços.
Lida com sete presidentes de câmara. Tem que respirar fundo muitas vezes? Estou mais do que habituado a lidar com autarcas, até porque sou filho de um ex--autarca (Sérgio Carrinho) e cresci nesse meio. Acho que muitas vezes são tratados de forma injusta, tende-se a criticar e a generalizar. Não quer dizer que estejamos sempre de acordo e que as pessoas façam sempre tudo bem. Tenho tido a sorte de trabalhar e de conhecer um conjunto enorme de homens e mulheres. Os bons autarcas, não são todos é verdade, trabalham em prol da causa pública e querem fazer o melhor para as populações e para a região.
A Associação de Lesados de Águas do Ribatejo nasceu para contestar o aumento das tarifas. Como geriu esse processo? A contestação existirá sempre e é legítima. As pessoas têm o direito à crítica e é importante para tentar corrigir alguma coisa que possa estar menos bem. Isso foi na altura da pandemia, em que as pessoas estavam muito tempo em casa a consumir. Na nossa factura são facturados três serviços. Volto a dizer que as nossas tarifas são das mais competitivas do país, da região certamente. Não queremos prejudicar ninguém. Temos neste momento 79 mil clientes e queremos que todos sejam bem tratados. É natural que possa haver um engano, mas estaremos sempre cá para resolver.
Mais de 100 processos por causa do consumo ilegal
As perdas de água são uma realidade que preocupa? Quando falamos em perdas de água falamos de água não facturada. Actualmente existe um fenómeno na nossa região que são os consumos ilícitos. Vivemos numa região em que existem muitas moradias com jardins, com piscinas, etc. Criou-se um bocadinho a cultura de consumir água à margem das regras. É uma situação que não é tolerável. Quando detectamos essas situações instauramos um processo de contra-ordenação. Neste momento já vamos com mais de 100 processos instaurados que são remetidos aos municípios. Isto é a ponta do iceberg. Estamos a falar de coimas de milhares de euros. A que é consumida à margem, sem pagar, vai ter que ser diluído e pago por todos os outros que cumprem. Não é socialmente justo.
A taxa de saneamento na região é positiva? A taxa de cobertura de saneamento nos nossos município está na casa dos 80%, o que, atendendo mais uma vez à tipologia da nossa região, é um valor bastante aceitável. Diria que os principais núcleos, as principais localidades, já estão servidas. Vamos realizar um conjunto de investimentos para melhorarmos ainda mais o serviço de saneamento básico.
Bebe água da torneira? Sempre bebi água da torneira desde criança. Em termos de abastecimento de água, no ano de 2024, fizemos cerca de 40 mil análises, feitas por laboratórios externos acreditados. Estamos nos 99,80% de qualidade. É perfeitamente seguro beber água da torneira. A água que, por exemplo, captamos e entregamos para a Chamusca é a mesma água que é engarrafada numa fábrica que está lá ao lado.
Há captações de água que não estão licenciadas? A questão das captações de água é muito relevante. Temos um sistema que obriga ao licenciamento de captações. Supostamente, as captações mais produtivas com os motores já com uma grande potência têm que ser licenciadas. Mas haverá um número muito significativo de captações que não são licenciadas nem estão controladas. Cabe às autoridades fiscalizar e obrigar a cumprir as regras.
O que representam os cerca de 200 trabalhadores para a Águas do Ribatejo? São o activo mais valioso que tem esta organização. Todos os dias trabalham e dão o seu melhor para prestar e servir o melhor possível às 140 mil pessoas que vivem na nossa zona de abrangência.
Está satisfeito com o aproveitamento dos fundos comunitários pela Águas do Ribatejo? Tem sido realizado nesse aspecto um trabalho impressionante. Seremos a nível nacional, e para a nossa dimensão, a entidade que ao longo destes 15 anos mais fundos comunitários conseguiu captar. É mérito dos projectos, mas também do trabalho na preparação das candidaturas, da sua apresentação e da defesa dos projectos junto de quem decide. Conseguimos captar dezenas de milhões de euros que foram absolutamente fundamentais e sem os quais não seria possível fazer muitos dos investimentos que fizemos.
Santarém estava para entrar na empresa na altura da sua criação. Foi melhor não entrar? Nunca saberemos. As coisas têm seguido o seu percurso. Conheço bem a realidade da Águas de Santarém e penso que têm conseguido fazer um bom trabalho. As coisas felizmente correm bem para todos.
A Golegã foi outro município que não quis entrar na empresa intermunicipal. Vai acabar por entrar um dia? Não tenho uma bola de cristal, mas já falámos aqui que a gestão dessas entidades mais pequenas torna-se mais difícil. As exigências são muitas, cada vez mais é preciso o recurso a tecnologias, conhecimento técnico e capacidade financeira para fazermos investimentos. Mas a decisão não é nossa.
O que não lhe perguntei que gostaria de responder? Temos trabalhado para renovar a nossa imagem e refrescá-la
nunca perdendo a identidade. Trabalhámos também na questão da renovação da factura e na proximidade com a pessoas. A relação com a comunidade escolar também é uma das nossas bandeiras. Todos os anos fazemos dezenas de acções com a comunidade escolar e com outras associações, num esforço de sensibilização e de educação ambiental. É um trabalho que é geracional, que tem que ser feito todos os dias.

“Somos mais felizes se contribuirmos para a felicidade dos outros”
O que aprendeu com o seu pai, Sérgio Carrinho, que foi presidente da Câmara da Chamusca durante mais de três décadas? Principalmente a ter respeito pelas pessoas e a trabalhar para lhes dar mais qualidade de vida. O que retirei do seu trabalho foi que somos muito mais felizes e realizados se contribuirmos para a causa pública e para a felicidade dos outros. Temos que estar aqui com espírito de missão.
Entrou para a Águas do Ribatejo numa altura em que o seu pai era presidente de câmara. Não teve receio que as pessoas pensassem que estava a ser beneficiado? Desde miúdo que era conhecido como o “filho do presidente”. Tive de aprender a gerir e a lidar com isso. A melhor forma de o fazer é trabalhar para merecer todas as oportunidades que me vão aparecendo. E tentar ser o melhor por mérito próprio. Todas as noites durmo de consciência tranquila de que fiz o melhor e dei o máximo. Para ser sincero, também me preocupo muito pouco com aquilo que os outros dizem.
Nunca pensou em entrar para a política? Vivi muito por dentro da política durante muitos anos. Gosto muito de política com o P grande. Acho que nos últimos anos a política existe com o P pequeno. Sinceramente não me revejo muito nisso.
Qual considera ter sido a sua grande conquista? Tenho que responder que é o dormir descansado todas as noites e estar bem comigo próprio e com todas as decisões que tenho tomado. Arrependimentos não tenho. Haveria, com certeza, coisas que talvez fizesse de forma diferente, mas não me arrependo de as ter feito. É assim que evoluímos, a fazer coisas. Parado ninguém aprende.
Uma empresa que trabalha com a qualidade como grande prioridade
A Águas do Ribatejo é a empresa intermunicipal que abastece os concelhos de Almeirim, Benavente, Chamusca, Coruche, Salvaterra de Magos e Torres Novas. É responsável pelo abastecimento de água e pela recolha e tratamento de águas residuais de 140.000 pessoas numa área territorial de 3.200 km2. A produção de água para consumo humano no universo da Águas do Ribatejo assenta na exploração de mais de 100 captações subterrâneas, com profundidades que variam entre os 80 e os 350 metros. No primeiro semestre de 2024 a empresa produziu mais de seis milhões de metros cúbicos de água, o que corresponde a mais de 6.000.000.000 (seis mil milhões) de litros de água. Para a empresa, a água da torneira é preciosa porque é mais saudável, mais económica e mais amiga do ambiente. Saudável pela sua riqueza mineral e pelo equilíbrio; económica porque 1.000 litros de água (o que corresponde a 200 garrafões de cinco litros) custam cercam de um euro. E amiga do ambiente porque ao consumirmos água da torneira estamos a reduzir o uso do plástico e da pegada associada à sua produção e reciclagem. A Águas do Ribatejo investe continuamente com vista à melhoria da qualidade dos serviços que presta. São já mais de 160 milhões de euros investidos para tornar a região mais sustentável.