Ricardo Carvalho: um autarca de trabalho que não gosta de dar nas vistas

Ricardo Carvalho confirma a O MIRANTE a sua candidatura pelo PS à presidência da Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira nas próximas autárquicas, cargo que assumiu a meio deste mandato e que não estava entre os seus objectivos de vida. Diz querer fazê-lo para manter a freguesia num rumo progressista e com qualidade de vida. É um homem simples, que gosta de transparência em vez de construir muros à sua volta. Nesta sua primeira entrevista critica a CDU pela manobra que levou à saída prematura de João Santos, fala do projecto de duplicação da linha de comboio e das prioridades para a freguesia que gostava de implementar num próximo mandato.
Chegou à política autárquica em 2017, convidado na altura por João Santos. Nada no seu percurso indicava que iria chegar a presidente da Junta de Vila Franca de Xira. Nunca tive a ambição de ser presidente. Sou uma pessoa de trabalho que gosta de estar no terreno, fazer o que tem de ser feito e contribuir para a minha cidade. Não gosto de ficar na fotografia nem de dar entrevistas. Sou mais um encenador do que um actor. Tenho o pensamento e olhar técnico sobre os problemas, e o conhecimento de 30 anos de trabalho na autarquia, para perceber o que posso ou não pedir aos nossos funcionários para fazer. Nunca peço algo que eu próprio não conseguisse fazer. Existem dois tipos de pessoas na política: as que nascem para as massas e outros que fazem as coisas acontecer no dia a dia longe dos holofotes mediáticos.
O que a CDU fez com João Santos foi uma golpada? Um ataque ao poder? Conheço o João Santos desde miúdo. Sempre lutou pela vida e é um homem honesto. Quando a dúvida surgiu em assembleia ele próprio pediu um esclarecimento à DGAL sobre o assunto. A CDU ataca as pessoas, não ataca o trabalho delas. Não os oiço nas assembleias de freguesia, por exemplo, a questionar determinados investimentos. Oiço-os em ataques pessoais a quem está neste cargo. Estamos ali para esclarecer as bancadas e acabamos apenas a ser atacados pessoalmente. E isto mexe com quem ali está. Com o João Santos havia uma mágoa da CDU em relação a ele que ainda hoje não consigo perceber. Eu não sou assim. Olho sempre para o trabalho e não para a pessoa. As pessoas podem ser rivais políticas mas não somos inimigos. Nenhum dos eleitos é meu inimigo. E eu lamento o que aconteceu com o João. Ele nunca teve má intenção no que fez e devolveu todos os valores com juros de mora. É uma pessoa íntegra.
É triste quando a política só serve para fazer sangue? Muitas vezes perdemos os melhores por causa destas coisas.
Já perdoou o eleito da CDU que o agrediu na junta de freguesia? Perdoei no momento em que recuei no processo em tribunal. Quero acreditar que foi um mau momento da pessoa, ele também tem família, perdeu a cabeça e eu não quis entrar em conflito com ele. O que se passou depois é que já foi deliberado, aquela tentativa de fazer conversa na rua de que as coisas aconteceram ao contrário. Quando recuei no processo, no momento seguinte o PCP emite um comunicado a dizer que eu sou mentiroso. É isto que é triste e que me desilude na política.
O que o faz avançar como cabeça de lista? Senti na rua e nas associações muita gente a dar-me apoio. Percebi que as pessoas estavam a gostar do nosso trabalho. Tenho sentido um apoio muito forte de muitas pessoas e isso motiva-me a seguir em frente.
É fácil avançar numa altura em há tanta crítica e ofensa gratuita nas redes sociais? Não. Mas, de qualquer forma, as pessoas que me maltratam nas redes sociais estão ligadas a um partido político. Basta procurar quem são. O cidadão comum, que percebe o que é gerir uma freguesia tão grande como a nossa com tão poucos recursos humanos, vê o grande trabalho que temos feito em VFX. Os trabalhadores da junta vestem a camisola todos os dias. Eles não são apenas funcionários, para mim são colegas, trabalhamos ao mesmo nível, em equipa e toda a gente faz um esforço enorme pela nossa cidade. Não me sinto magoado pelo que se escreve no Facebook, mas os funcionários sim. Porque eles esforçam-se imenso e depois algumas pessoas, poucas felizmente, criticam tudo e mais alguma coisa.
Com a saída do João Santos passou a implementar um novo estilo de gestão… Sou uma pessoa de trabalho e de andar na rua. Sinto-me feliz de, com algum esforço financeiro, conseguirmos fazer o que temos feito na freguesia. Temos feito muita coisa no Bom Retiro e Povos, com muita manutenção de zonas verdes e criação de abrigos de passageiros consoante a disponibilidade financeira da junta.
Quer trazer nobreza para a política? Sobretudo elevação, para a cidade e os vilafranqueses, fazendo a minha parte para que todos tenham maior qualidade de vida. A melhor coisa que podemos ter é ir à nossa janela e ver um espaço requalificado, cuidado e limpo.
Duplicação da linha férrea: “Vejo algumas coisas boas no projecto da IP”
Corremos o risco de abrir essa janela e ver a duplicação da linha de comboio com o jardim municipal reduzido a metade. Vejo algumas coisas boas no projecto da IP. A mudança é sempre complicada e nunca é possível satisfazer toda a gente. O projecto é importante a nível nacional e concelhio. Tento ver as coisas de uma perspectiva positiva. Em cada projecto há sempre factores negativos e é importante ver que a junta é limitada na sua acção e não tem muito por onde reivindicar. O jardim vai-se prolongar para lá da Fábrica das Palavras, toda aquela zona do largo da estação é uma zona com edifícios velhos e devolutos onde vai nascer uma nova zona verde com uma estação que vai ser das mais modernas da Europa, com o ordenamento dos autocarros que hoje estão debaixo do Vila Franca Centro que não é uma zona muito digna.
O concelho devia ser recompensado de forma adicional por mais este contributo que vai dar ao país? Sim e a câmara está a fazer a reivindicação dessas contrapartidas. Do que conheço do presidente da câmara, ele não tem estado parado sobre isto.
A oposição diz que ter um presidente de câmara e da junta da mesma cor política é mau. É um autarca capaz de elevar a voz ao presidente? Fazer-lhe frente? Tenho um grande respeito por ele e conversamos frequentemente, mas não sou subserviente seja ao que for. Tenho a minha voz e não tenho medo de reivindicar o melhor para a minha freguesia.
Mantiveram a recolha dos monos quando outras freguesias recusaram ficar com esse serviço. Porquê? Foi uma opção de cada presidente. Já fazíamos a recolha, tínhamos as equipas enquadradas para essa competência e decidimos manter. Acreditamos que estamos numa fase em que existem muitos monos e queremos manter a cidade e a freguesia o mais limpa possível. Temos outra proximidade com os problemas que precisam de solução.
Anda à vontade na rua ou as pessoas abordam-no com frequência? Ando na rua sem problemas, embora por vezes ainda ache estranho como pessoas que não conheço me abordam chamando-me pelo nome (risos).
Já houve um presidente de junta que tinha medo de ir a algumas ruas dos bairros de Povos e do Bom Retiro. O Ricardo Carvalho também? Nem pensar nisso, vou a todo o lado, conheço pessoas por toda a freguesia e vou muitas vezes a Povos e ao Bom Retiro. Nem percebo por que motivo alguém pode pensar nisso. Povos é dos locais da freguesia onde existem mais crianças. Sempre que temos uma actividade focada nas crianças fazemos sempre em Povos, porque é lá que há mais crianças.
Como se classifica como gestor? Nunca dá um passo maior que a perna? Fazemos uma gestão ao cêntimo mas sempre apoiando quem precisa. Temos de ser cuidadosos com o dinheiro, porque é o dinheiro das pessoas. Nunca contraímos um empréstimo nem um leasing. Mesmo quando comprámos uma nova varredoura foi sempre tudo com o nosso dinheiro. Fizemos sempre uma poupança de um ano para o outro, por vezes até fomos criticados por isso, usando o que sobrava para investir no ano seguinte para compra de uma carrinha de recolha de monos, varredoura, viatura… Noventa por cento do trabalho que aqui fazemos é invisível para as pessoas.
Porque mandaram fazer uma auditoria às contas da junta? Contratámos uma empresa de contabilidade externa que nos permite acrescentar transparência a todos os movimentos financeiros na junta. Numa das últimas assembleias o auditor explicou todas as contas para as bancadas perceberem. O que queremos é transparência. Pedimos essa auditoria porque quisemos esclarecer ao máximo todos os eleitos. Não quero construir muros à minha volta, quero que toda a gente veja tudo com a maior clareza e transparência.
Quais são as prioridades para o próximo mandato? A limpeza, qualidade de vida e melhorar o estacionamento são as prioridades. Nos primeiros quatro anos investimos muito em viaturas, área onde a CDU não investiu. É impossível fazer um bom trabalho sem investimento em equipamento. Não podemos ter passeios limpos sem termos carrinhos de varrição em condições, sem termos os nossos funcionários com fardamento em condições. Passear numa cidade limpa e cuidada deve ser a prioridade. Mas não há territórios perfeitos. Quero uma freguesia onde exista qualidade de vida e as pessoas sintam orgulho de serem vilafranquenses, ao perceberem que zelamos e cuidamos da cidade.
No fundo, não ser uma cidade desmazelada como era no passado? Sim. Sentimos que a certa altura havia um grande desmazelo na nossa freguesia.
O que o tira do sério na cidade? Estacionamento é o que faz mais falta. Há cidades que são planeadas e outras que cresceram. Somos uma cidade com centenas de anos, que foi crescendo através das suas vias e agora temos de encontrar soluções para esses desafios.
A compra da Escola da Armada foi uma oportunidade perdida? Não. Acho que se conseguiu o tribunal e isso foi uma mais valia para VFX. Neste momento precisamos muito de habitação e pelo que percebo a intenção da câmara é vender aqueles terrenos para que avance nova habitação. Se assim for, pode ser uma mais-valia para a cidade. Acompanha os tempos. Há uns anos, se calhar, precisávamos de serviços, hoje a procura e as necessidades são diferentes. Não me oponho a que a câmara venda o espaço.

Um geógrafo apaixonado pela dinâmica das cidades
Ricardo Carvalho, 49 anos, é natural de Vila Franca de Xira. Cresceu a brincar na rua numa altura em que a cidade era menos movimentada que hoje. O seu primeiro trabalho foi a montar equipamentos de ar condicionado. “Montar um ar condicionado num sétimo andar era desafiante”, recorda a O MIRANTE. A dada altura concorreu para os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento (SMAS) de Vila Franca de Xira, onde ainda hoje trabalha. Começou na manutenção, depois passou pelo laboratório e até ser eleito para a junta estava na gestão de perdas de água. “Trabalhei com uma equipa muito boa. Era um trabalho que ia além do ordenado: era uma forma de ajudar as pessoas”, recorda.
Tem uma filha com 13 anos e um filho com 8. É casado com uma assistente de bordo da TAP. “Uma mulher extraordinária”, elogia. Viajar é uma das paixões de vida de Ricardo Carvalho, alimentando o sonho de ir conhecer o Japão. “Quando vou ao estrangeiro gosto de provar a comida local e beber uma cerveja da zona que estou a visitar”, confessa. É geógrafo de profissão e gosta das cidades, conhecê-las, sentir o seu cheiro e os diferentes ambientes. A dinâmica das comunidades e a gestão das cidades é, de resto, uma das suas paixões. Um dos seus livros de vida é “Armas, Germes e Aço - Os Destinos das Sociedades Humanas”, de Jared Diamond.
Em 2017 foi convidado por João Santos a integrar a lista do PS pela primeira vez, como número cinco. No mandato seguinte foi eleito em terceiro da lista, mas com a saída do presidente e da secretária acabou por ficar a liderar o executivo. O orçamento actual da junta de freguesia é de 1,9 milhões de euros, do qual um milhão vai directamente para os salários dos trabalhadores. “É um orçamento muito diferente do que tínhamos quando viemos para cá, que era muito menor. Tudo ficou mais caro e os vencimentos são mais altos do que eram na altura, felizmente”, explica.
Ricardo Carvalho descreve-se como um homem de família. Os valores do trabalho, honestidade e sinceridade são inegociáveis. Ver um problema resolvido na freguesia enche-o de alegria mas tira-o do sério a injustiça e a ingratidão. “Não sou nem quero ser ingrato com ninguém. Sou pessoa muito responsável com o que faço e os projectos em que me envolvo. Sou um bocadinho viciado em trabalho e raramente desligo. Mas oiço muito a família, os meus pais e a minha mulher”, conta.
Num dia normal chega a casa e vai tratar dos banhos dos filhos e do jantar. É o cozinheiro em casa e diz que tem talento para os tachos. Entrecosto e bacalhau à Brás são pratos que adora. Torce pela selecção e gosta de ver Fórmula 1 e MotoGP, um gosto que vem da sua paixão por motas. A música dos anos 80 é a sua favorita e Pearl Jam uma das suas bandas de eleição.
O Vila Franca Centro dava um excelente condomínio
O Vila Franca Centro tem novos donos. É o principal ponto negro da cidade? Sei que o presidente da câmara está muito empenhado na questão do Vila Franca Centro, sei que era uma questão que ele queria resolver este mandato. Percebi que há ali grandes avanços. É um sítio que devia ser requalificado. É uma pena estar ali no meio da cidade e daquela maneira.
Gostava de ver habitação e serviços naquele local? À imagem do que é o Edifício Planície, que tem as mesmas dimensões do centro comercial, daria um excelente edifício residencial, com estacionamento em cima e em baixo. Com aquele número de pisos podia criar-se ali um excelente condomínio e a cidade precisa de habitação. Assim os donos do centro concordem.
Tem planos para melhorar a mobilidade na cidade? Há dois ou três pontos que fazem com que o trânsito não flua bem em VFX. Um deles é em frente ao Vila Franca Centro, com uma passadeira que devia ter semáforos para ajudar o trânsito. Em relação ao estacionamento, sei que a câmara está a criar novas bolsas de estacionamento, junto ao Campus da Saúde e na Loja do Munícipe.