Entrevista | 14-05-2025 12:00

Hélio Justino: “Sim ao aeroporto em Benavente, não à perda de identidade do concelho”

Hélio Justino: “Sim ao aeroporto em Benavente, não à perda de identidade do concelho”
Hélio Justino quer ser o rosto da continuidade da CDU na liderança da câmara de Benavente. Comunistas gerem autarquia desde 1979

O vereador Hélio Justino tem em mãos a responsabilidade de tentar manter nas mãos da CDU a Câmara de Benavente, a única que a coligação liderada pelo PCP ainda governa no distrito de Santarém. Autarca experiente, sem militância partidária e com forte ligação à comunidade, acredita que a população vai dar-lhe o seu voto de confiança. Mas se não der, não dramatiza: “é a democracia a funcionar”.

Hélio Justino, natural de Coruche e residente em Samora Correia desde os sete anos, é o candidato pela CDU à presidente da Câmara de Benavente nas autárquicas deste ano. Advogado, 54 anos, casado e com dois filhos, pessoa introvertida e avessa a protagonismos. Conta, no entanto, com uma carreira sólida no universo autárquico e associativo. Ocupa o cargo de vereador desde Outubro de 2017, acumulando vários pelouros. Foi presidente da Junta de Freguesia de Samora Correia durante três mandatos, de 2005 a 2017 e membro da Assembleia Municipal de Benavente.
No campo associativo, Hélio Justino integrou o conselho de administração da Fundação Padre Tobias durante 12 anos. Foi dirigente do Grupo Desportivo Samora Correia, na secção de Andebol, e presidiu à assembleia-geral de várias instituições locais, como a Sociedade Filarmónica de Samora Correia e o Núcleo Sportinguista de Samora Correia. Foi ainda colaborador de informação e desporto na rádio local.

O Campo de Tiro da Força Aérea no concelho de Benavente foi a melhor escolha para o novo aeroporto? Sim, faz sentido. De resto os estudos técnicos demonstraram que é a melhor localização para servir o país. Nesse sentido, obviamente, para nós faz todo o sentido que se situe ali esta infraestrutura tão importante para o país.
Considera que esse empreendimento pode descaracterizar o concelho de Benavente, caso não exista uma liderança política forte? Há claramente esse risco, mas a nossa vontade é outra. Aceitamos o desenvolvimento, ele é importante, mas assente na sustentabilidade. Este é um município que tem crescido muito e que tem uma grande atractividade. Ao invés do país em geral, temos tido crescimento a todos os níveis, nomeadamente económico e demográfico. Queremos continuar assim, naturalmente, mas de uma forma equilibrada. Temos o nosso Plano Director Municipal (PDM) que salvaguarda algumas situações, mas também sabemos que uma infraestrutura nacional, de importância para o país, pode levar o governo da Nação a fazer alterações. Daí a importância de todos lutarmos com o mesmo objectivo e que é o aeroporto não descaracterizar o concelho. Não podemos perder a identidade e a característica que nos diferencia de estarmos às portas da capital, mas onde ainda existe intacta alguma ruralidade. Isso faz com que haja grande qualidade de vida neste território.
Os seus adversários políticos apontam falhas ao actual executivo em áreas como educação, saúde, segurança e requalificação urbana. Há sempre margem para melhorar em todos os aspectos. Os adversários políticos fazem o papel deles, ou seja, tentam transmitir às populações que não desempenhamos bem o papel e que eles são a alternativa. Não interfiro. Com as redes sociais é muito mais fácil apontar aquilo que está mal ou que não está tão bem, ganhando proporções imensas. Facilmente, na actualidade, se perde o respeito pelas entidades. Temos a consciência tranquila que, apesar de termos margem para melhorar, temos feito um trabalho muito positivo. Este município tem crescido e tem qualidade de vida, o que se deve também ao trabalho da CDU e dos quase 700 funcionários que fazem parte desta câmara municipal.
Mas obviamente também há problemas. Temos alguns problemas comuns a todos os municípios, como o caso das creches, dos monos ou da falta de médicos, e, por isso, há espaço para melhorar. Um dos principais aspectos caso continuemos na gestão da câmara municipal, como espero, é podermos fazer uma reorganização interna que permita uma melhor capacidade de resposta. Na área operacional há muita dificuldade em contratar pessoal especializado, como carpinteiros, electricistas e pedreiros porque as empresas privadas pagam muito mais.
Quais são as prioridades para o concelho de Benavente? Sou uma pessoa de trabalho de equipa e, como tal, as prioridades serão aquelas que a equipa CDU definir com base nas mais variadas listas e em articulação com as juntas de freguesia. Naturalmente que hão-de passar por um ajuste da nossa organização e por algumas áreas fundamentais para o nosso desenvolvimento sustentável, tais como o reforço na aposta no movimento associativo. A qualificação do espaço urbano é também uma área muito importante.
O crescimento acentua a necessidade de mais respostas sociais. Temos de investir nas mais diversas áreas nalgumas com resposta da administração central porque não basta transferir as competências. Na área da educação, a qualificação do parque escolar e a construção da secundária de Samora Correia são necessidades prementes e, na área da saúde, estamos já com uma intervenção no Centro de Saúde de Benavente. É preciso devolver o Rio Sorraia à comunidade.
A Zona Industrial do Porto Alto e outras estão algo desorganizadas. Há algumas sucateiras e uma comunidade chinesa com muita expressão. Não teme que a situação acabe por sair do controlo? Temos procurado fazer algum trabalho nessas áreas. É algo que temos de melhorar bastante porque o espaço público, aquele que é da nossa responsabilidade, se estiver cuidado dá-nos mais força para junto dos privados exigir que eles também tenham os seus espaços cuidados. Não é muito fácil com algumas comunidades estrangeiras, mas tem havido por parte do sector de fiscalização da câmara muitas abordagens. Nos períodos seguintes nota-se que há alguma preocupação, mas, mais tarde, caímos no mesmo. É uma questão cultural difícil. As zonas industriais têm que estar mais cuidadas para podermos ser o exemplo e depois fazer maiores exigências.
Em Santo Estêvão, os moradores pagam do próprio bolso guardas-nocturnos devido aos furtos. Que soluções propõe para melhorar a segurança na freguesia? A segurança é um dos principais problemas no nosso país, não é só no nosso município. Santo Estêvão, pelas suas características e pelo seu modelo com habitações um pouco mais isoladas, sobretudo nas Matas do Duque e do Zambujeiro, é propícia a que os furtos possam acontecer. Mas, desde que soaram os alarmes houve um trabalho articulado entre o município e as autoridades, das quais dependemos muito para que a situação fosse minimizada.
A falta de creches tem sido também um assunto recorrente. Na área da primeira infância a resposta precisa de ser acelerada. Preocupa-nos muito também a resposta para a terceira idade. Temos poucas instituições, a resposta está muito aquém daquilo que são as necessidades e as listas de espera aqui, e em todo o país, são grandes. Adquirimos o edifício da antiga cooperativa, em Samora Correia, com o objectivo da Fundação Padre Tobias poder instalar, no futuro, mais um lar.

“A exposição assusta-me um bocadinho”

A sua candidatura é para ganhar num concelho que é um bastião comunista há muitos anos? Claramente que sim. Apesar da realidade da política nos dias de hoje, e do desgaste de quem está no poder, temos algo que nos permite ser muito optimistas. As nossas equipas são formadas por gente séria, competente, capaz e que se preocupa apenas com o trabalho em prol dos outros e com nada mais. De resto, esse tem sido um ponto de honra das candidaturas da CDU. Por isso, a população tem dado uma resposta positiva. Sabemos que, a nível nacional, o partido tem passado algumas dificuldades, perdendo algumas autarquias, mas aqui a população tem continuado a acreditar em nós e penso que vai continuar. Não sou militante comunista, mas é aqui que me sinto bem.
Como lida com a exposição pública sendo uma pessoa introvertida? Apesar de não gostar da exposição, e este cargo obriga a isso, o trabalho não me assusta, mas ao contrário do político-tipo de hoje em dia, de sorriso fácil, de cumprimento, sou mais introvertido, gosto de estar na última fila, de ser discreto. No fundo, gosto de fazer coisas, mas a exposição assusta-me um bocadinho. Contudo não podia voltar as costas a este grupo e é aqui que me sinto bem.
Não teme ser o homem que vai perder a única câmara CDU no distrito de Santarém? Espero que isso não aconteça. Mas se acontecer temos que aceitar porque é a democracia a funcionar. Os resultados estão sempre nas mãos das populações e cada vez mais dependem de muitas coisas, não só da competência, não só da seriedade.
Está aberto a entendimentos, caso a votação o obrigue a gerar consensos com outros partidos? Sim, em prol das populações estamos sempre receptivos a tudo, porque é importantíssimo criar um cenário de estabilidade. Permite fazer tudo muito melhor e mais fácil em prol da população. Foi com esse objectivo que, neste mandato, definimos um entendimento com o PS. O cenário de uma maioria absoluta é sempre o ideal.
Foi um acordo que o PS rompeu? O que se passou? Da nossa parte cumprimos em tudo e honrámos o compromisso. O PS resolveu quebrar este vínculo a um ano do final do mandato, estou em crer que por motivos de estratégia política. Trata-se de uma questão que tem que ser colocada ao PS.
A rivalidade entre Benavente e Samora Correia não faz de si um candidato amado de um lado, mas que não colhe preferências do outro? Vivi essa rivalidade durante muitos anos. Fui, durante cerca de 20 anos, dirigente do andebol em Samora Correia. Durante muitos anos era onde a rivalidade se sentia mais. A rivalidade foi óptima. Os clubes cresceram muito e têm resultados ao nível dos melhores, em termos nacionais. E é isso que tem de acontecer: rivalidade, sim, mas saudável. Ajuda-nos a crescer, a fazer melhor desde que exista respeito. Para nós, eleitos autárquicos, não há Samora, Benavente, Barrosa ou Santo Estêvão; há um município, um todo.
Qual é a vantagem de ser Hélio Justino o candidato? Tenho dificuldade em falar de mim. Fico grato à equipa que achou que era o melhor candidato. Ou era eu ou a Catarina Vale, que vai em número dois. Terá pesado na escolha o factor de Samora Correia ter mais eleitores.
A vice-presidente Catarina Vale ficou tranquila em manter-se como número dois? Ambos somos muito tranquilos, porque o nosso objectivo é servir a comunidade. Nunca estivemos em disputa por este ou para aquele cargo, trabalhamos em equipa, estamos em sintonia, damo-nos
perfeitamente.
Como vê a posição geográfica do concelho? Benavente mais próximo de Lisboa ou de Santarém? Somos distrito de Santarém, isso honra-nos, orgulhamo--nos de ser do Ribatejo, mas estamos mais próximos de Lisboa. Há muita gente que vem cá dormir, trabalha em Lisboa ou noutros sítios, e conseguimos fazer a integração de grande parte dessas pessoas através do movimento associativo, da cultura ou de iniciativas da autarquia. Mantemos ainda um pouco as características de antigamente, por isso, acho que não nos podem chamar um dormitório.

Hélio Justino é advogado, mas está na política há mais de duas décadas

“Sou de esquerda mas não sou uma pessoa de partido”

Faz parte das listas da coligação, como independente, há 23 anos. Porque nunca se filiou no PCP? Não sou uma pessoa de partido, esse é o primeiro ponto. Tive o privilégio, na minha formação, de perceber um pouco do que são todas as ideologias. Para ser uma pessoa de partido, seja qual for, tem de se ser 100% convicto. Falta-me isso. Na CDU é onde me sinto bem pela coerência, até em prejuízo do próprio PCP. O Partido Comunista tem vindo a perder deputados na Assembleia da República, tem vindo a perder autarquias, por coerência, por não abdicar de determinados princípios. Gosto disso, dessa honestidade. No Partido Comunista não há populismo, que é uma coisa que está perigosamente a invadir-nos. Depois, nas autarquias vai-se pelas pessoas. Ainda que os trabalhos sejam diferentes, e o projecto autárquico da CDU tem muitas coisas que o diferencia dos outros, vai-se mais pelas pessoas. Sou de esquerda. As pessoas que são militantes identificam-me como uma pessoa leal, de grupo, de equipa e faço parte do projecto. Não vou vestir outra camisola amanhã, seguramente, mas não há necessidade de ser militante.
Enquanto antigo jornalista acha que se está a dar demasiada importância ao populismo? A sociedade hoje é um bocadinho diferente. Consigo compreender que a comunicação social vive daquilo que as pessoas consomem mais. E, portanto, em relação ao populismo, é claro que a comunicação social tem contribuído para isso, mas é natural.
Gostou da experiência na comunicação social? Foi das coisas que mais gozo me deu e que apareceu de forma inesperada. No primeiro ano em que concorri à universidade escolhi apenas Direito em Lisboa e no Porto. Era mesmo o que queria, mas não entrei. Os resultados saíram num dia e no outro dia bateram-me à porta a perguntar se queria ir para a rádio. Revelou-se super importante para o exercício da advocacia. O à vontade que ganhei ao microfone serviu-me para estar, depois, em tribunal de forma serena. Adorei os 12 anos em que fui colaborador da Rádio Íris. Nunca tive outras ambições no mundo do jornalismo. Fazia informação numa fase inicial, mas sobretudo desporto e alguns programas.
Sendo um homem que já esteve ligado ao associativismo de que modo conta ajudar as colectividades? Temos um movimento associativo muito dinâmico, com resultados extraordinários, uma oferta vastíssima e essa é uma riqueza que temos pela quantidade de jovens a praticar desporto, a fazer cultura, assim como a quantidade de dirigentes que praticam cidadania activa. Queremos continuar essa aposta e, podemos melhorar ainda mais no que diz respeito às infraestruturas desportivas e culturais.

Da advocacia à política, com o associativismo sempre à espreita

Foi a matemática que o destacou na escola, mas o fascínio pelo Direito acabou por prevalecer. Hélio Justino formou-se na Universidade Internacional de Lisboa e exerceu advocacia durante quatro anos, uma fase que recorda com satisfação e orgulho. “Saía-me bem. Estava tranquilo financeiramente e gostava daquilo que fazia”, diz. No entanto, o “bichinho” do associativismo, que o acompanha desde os 23 anos, e o envolvimento em projectos na comunidade e uma experiência na rádio foram abrindo caminho para outro destino: a política.
O convite chegou pelas mãos de António José Ganhão, então presidente da Câmara de Benavente. Inicialmente recusou. Estava realizado profissionalmente e não se via num cargo político. Mas a insistência foi muita e o apoio da família e amigos acabaram por pesar. “Toda a gente me dizia que devia ir”. Um mês e meio depois, aceitou. Entrou como vereador em 2002, recém-casado, e desde então nunca mais deixou a vida pública.
Apesar dos “dias difíceis” e das dores causadas por críticas injustas, Hélio Justino encontra motivação no trabalho em prol da comunidade. “O ajudar pessoas, o ser parceiro das colectividades, o fazer coisas... isso compensa tudo”. Foi precisamente esse espírito que o levou também à presidência da Junta de Freguesia de Samora Correia, numa fase importante da vida pessoal, quando nasceram os filhos, e que lhe permitiu “estar mais próximo da família”.
Homem sereno, positivo e paciente, garante que só perde a calma quando é confrontado com falta de respeito. Lamenta a crescente agressividade no debate político, mas não abdica do propósito que o move: “A minha grande ambição é estar bem com a família, com os amigos, e ser feliz”.
Nos tempos livres, gosta de jogar futebol, apesar de admitir não estar na melhor forma física, e acompanha com entusiasmo a equipa da câmara municipal no Campeonato Intermunicipal. Confessa que ainda não conseguiu treinar, mas está inscrito. Também aprecia a leitura, mas admite que só nas férias consegue pôr as leituras em dia.
Quanto a sonhos por realizar? Gostava de ter sido jogador ou treinador de futebol. Mas já não vai a tempo. Sem ambições políticas desmedidas afirma com convicção que nunca ambicionou ser presidente de câmara. O que o move está muito para lá dos cargos: é o compromisso com as pessoas.

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