Entrevista | 19-05-2025 18:00

Mário Balsa: Entroncamento já foi um centro comercial a céu aberto mas agora é uma desilusão

Mário Balsa: Entroncamento já foi um centro comercial a céu aberto mas agora é uma desilusão
O professor Mário Balsa vai ser o cabeça-de-lista do PS à presidência da Câmara Municipal do Entroncamento nas eleições autárquicas

Mário Balsa, 45 anos, quer mudar a ideia que se foi implementado nos últimos anos no Entroncamento de que os políticos com o “chapéu” do PS são pessoas pouco empáticas e distantes da população.

O ex-chefe de gabinete de Jorge Faria, ao longo de seis anos, é candidato a presidente do município e promete uma postura de diálogo e de criação de pontes. Reconhece que é preciso voltar a ter um executivo que goste de andar na rua e conhecer os problemas das pessoas. Assume que o Entroncamento parou no tempo e que para o revitalizar é preciso mudança, principalmente nas equipas de trabalho, apostando numa nova geração. Nesta entrevista fala numa liderança integradora e na necessidade de investir em áreas como a cultura, a indústria, a educação e a segurança, entre outras. Professor de profissão, Mário Balsa quer um novo ciclo para o Entroncamento e diz que é preciso fazer mais, melhor e diferente. Casado com uma professora e pai de duas filhas, de sete e cinco anos, Mário Balsa considera muito importante haver novas políticas de habitação e de imigração, num concelho que tem défice de equipamentos e infraestruturas que colocam em causa as respostas à população.

Tem orgulho nas suas origens? Tenho muito orgulho nas minhas origens. Não nasci no Entroncamento. Nasci aqui ao lado, numa aldeia de Torres Novas, mas vim logo em bebé para o Entroncamento. Tinha pouco mais de seis meses. Sou filho único e o meu pai era ferroviário e estava aqui na CP. A minha mãe era doméstica. Depois abriu um café/pastelaria na praça, já no mercado novo que agora de novo não tem nada. Só voltei a sair quando ingressei no ensino superior para estudar para ser professor. Lecciono as disciplinas de Português e Inglês. Já dei aulas no Cartaxo e neste momento estou a dar aulas num agrupamento de escolas em Lisboa, mais precisamente no Alto do Lumiar.
É uma zona desafiante para dar aulas… É um território de intervenção prioritária, com públicos muito desafiantes. Provavelmente das escolas a nível nacional mais desafiantes em termos de alunos, com uma população muito heterogénea, com várias nacionalidades, imigração ilegal. A questão da etnia cigana é muito vincada também. Estou há cinco anos naquela escola e gosto muito do que faço e dos meus alunos. A minha mulher também é professora e dá aulas em Lisboa também. Temos duas filhas, de 7 e 5 anos. Durante a semana vivemos em Lisboa e ao fim-de--semana vimos para o Entroncamento.
É injusto para milhares de professores serem obrigados a trabalhar a centenas de quilómetros das suas casas? É uma daquelas coisas que está errada, mas que ninguém tem verdadeiramente culpa. É um sistema que está desenhado há muitos anos e foi desenhado para um contexto educacional que não é o que temos hoje. O facto de, em determinada altura, existirem muitos professores fez com que as vagas não dessem para todos e, portanto, as aproximações à residência fossem mais difíceis.
Um bom professor é essencial na formação intelectual e pessoal de um jovem? Sem dúvida. Já o senti como aluno, mas também como professor. Já dou aulas há cerca de 20 anos. Tenho alunos, que neste momento já estão empregados, e me telefonam para me contarem como estão bem na vida, e alguns pedir conselhos. São ligações que ficam para a vida. Essa é umas das razões para ser professor. Também tive alguns professores, numa fase mais complexa da minha vida, que me seguraram e mostraram-me o rumo certo. Um deles foi o meu professor de português, o professor Arnaldo, que ainda está no nosso agrupamento. A mulher dele, que também foi minha professora, também me marcou muito.
Os jovens cada vez lêem menos e escrevem e falam pior? As aulas de português, em termos curriculares, estão cristalizadas no tempo. Enquanto professores devemos adequar os programas e fazer com que os alunos ganhem interesse. É uma luta que não se ganha de forma rápida, mas é preciso insistir. É essencial que os alunos comecem por aprender a ler e a escrever bem. Se os estivermos constantemente a carregar com conceitos gramaticais logo no primeiro ciclo vamos ter problemas.

O convite para ser presidente de câmara

Que importância teve a sua família na ligação à política? É uma história curiosa. Como os meus pais estavam empregados fiquei durante muitos anos com uma ama, a Cacilda, de quem tenho memórias muito boas. Cacilda é a mulher do Martins Jorge, um dirigente histórico do PCP local. Portanto, a política esteve sempre muito presente na minha vida. Mais tarde, na universidade, fui candidato à Associação de Estudantes, na altura com o apoio implícito da Juventude Socialista. Mas impus a mim mesmo que não me meteria num movimento político até terminar os estudos. E foi o que fiz, até regressar ao Entroncamento.
Alguma vez teve de pedir desculpa à família por estar demasiado ocupado? Talvez aos meus pais. Às minhas filhas e mulher nunca senti essa necessidade por um conjunto de decisões que tomei há uns anos. Quando estava como chefe de gabinete do Jorge Faria na câmara nasce a minha filha mais velha. Nessa altura fui contactado por uma escola a dizer que precisavam de um professor e que estava na bolsa. Foi uma decisão de segundos, nem foi uma coisa pensada. Aceitei e foi a melhor decisão que podia ter tomado. Passei a ter tempo para a minha família.
Porque aceitou ser candidato à presidência da Câmara do Entroncamento? Nunca foi uma ambição, mas é verdade que foi consequência do trabalho que tenho ajudado a desenvolver na federação distrital do PS com o Hugo Costa. Construímos uma dinâmica regional muito interessante de afirmação do nosso distrito a nível nacional. Chamaram-me e tiveram uma conversa comigo. Inclusive, o Pedro Nuno Santos também sugeriu para ser o candidato no Entroncamento. Falei com a minha mulher e ela incentivou-me. Não podia dizer que não. É a minha terra.
Quais são os grandes desafios para um autarca no Entroncamento? Tenho três áreas que identifiquei como prioritárias e, curiosamente, temos estado a visitar e a reunir com um conjunto de entidades do concelho e associações para apresentar o nosso programa. Primeiro temos a questão industrial. É importantíssimo que o Entroncamento tenha uma visão clara do que quer do ponto de vista da fixação de empresas e da criação de postos de trabalho. Temos condições de excelência no Entroncamento para sermos provavelmente uma das áreas industriais mais poderosas a nível nacional. Com as empresas que temos aqui, nomeadamente na área da contentorização, como a MSC, temos um potencial de exportação enorme.
E os outros dois pilares? Um deles é o desenvolvimento comercial do Entroncamento. O centro da cidade tem condições únicas. Tem características de excelência. O Entroncamento já foi um centro comercial a céu aberto e actualmente está parado, não há nada. O terceiro pilar é a cultura. Somos um concelho jovem, que em termos patrimoniais não pode competir com Tomar, Abrantes, Santarém, Torres Novas, entre outros. Por isso temos de apostar na cultura. Temos uma história muito rica. A nossa história está intrinsecamente ligada a uma transformação da comunidade, do país, que é a Revolução Industrial. É algo que temos que agarrar do ponto de vista turístico, do ponto de vista cultural, é a nossa identidade. A identidade ferroviária existe e deve ser explorada.
O Entroncamento é um dos concelhos onde existe mais emigração. No entanto não existe um plano local para a imigração. Como olha para este tema? A questão da imigração tem que ser outra prioridade para termos problemas mais complexos no futuro próximo. Não podemos meter a cabeça na areia. Está a haver pressão, principalmente nos serviços públicos. O nosso agrupamento de escolas está a ganhar uma dimensão colossal. O agrupamento, que estava desenhado para 2000 alunos, neste momento está com mais de três mil. Mas os espaços físicos não cresceram. Precisamos de rever a carta educativa deste concelho para alavancar um conjunto de obras estruturantes. Isso implica uma mão muito firme do presidente da câmara junto do Ministério da Educação, para que se consiga desbloquear processos. A imigração será um problema se não houver infraestruturas, se o centro de saúde deixar de dar resposta, se os serviços municipais não conseguirem atender a população.
A insegurança e a criminalidade são outros assuntos que têm roubado o descanso e a paz aos munícipes. Como pretende resolver este problema? Há casos de insegurança e há uma percepção de insegurança muito significativa. A resposta a isso exige um plano integrado. As autoridades têm que fazer cumprir as regras. Exemplos claros. Se há rendas em atraso, se há falta de pagamentos de água, electricidade, se há crimes cometidos dentro dos espaços habitacionais, então a câmara tem que ter mão dura e fazer cumprir o que o regulamento. Os nossos serviços têm de ir para o terreno e sensibilizar. Em último caso actuar perante as ilegalidades.
A videovigilância na cidade é fundamental? A primeira fase da videovigilância já está praticamente fechada. Mas precisa imediatamente de revisão, de alargar os espaços e as zonas da cidade a abranger. Depois há a questão do patrulhamento. Precisamos de mais efectivo e para isso é preciso haver uma acção muito forte do presidente da câmara junto do Governo. Por último, é preciso aliviar as obrigações da PSP no território. Penso que temos condições para estudarmos a implementação de uma polícia municipal. Isso retira da esfera da PSP um conjunto de áreas, como a fiscalização do estacionamento, esplanadas, entre outras.

Os preços da habitação são incomportáveis

O preço da habitação no concelho é dos mais elevados da região. Há também muitas casas devolutas que podiam ser aproveitadas para gerar mais oferta e assim baixar os preços. Tem medidas para esta área? O Entroncamento sempre teve habitação barata quando comparado com os concelhos à volta. Os preços são incomportáveis neste momento. Precisamos rapidamente de habitação no mercado com custos acessíveis. Fomos pioneiros com o projecto dos 100 imóveis para arrendamento a custos controlados que foi chumbado na câmara. Disse na assembleia municipal que, enquanto autarcas temos de ter a capacidade de encontrar pontes e dialogar, conversar e ter a maturidade. Temos é que entregar isto à população. Não conseguimos. Perdeu-se uma grande oportunidade.
Outro dos assuntos que tem gerado mais contestação é a falta de estacionamento para os camionistas. Concorda com a postura que este executivo adoptou? Não acho que se devesse ter proibido o estacionamento aos camionistas. O que deveria ter sido feito era criar uma alternativa de estacionamento numa outra zona, com mais segurança do que aquilo que têm ali, porque estão na via pública. Deveria ter sido dado este passo primeiro, antes da proibição. Sempre fui pela parte do diálogo e de procurar pontes, encontrar soluções conjuntas.
Já fez manchete em O MIRANTE um apoio de 150 euros atribuído pela câmara a um atleta do concelho que ia representar o município noutro país. A política de apoios é para rever? Tem de ser revista. O regulamento que existe tem 10 anos. Foi criado numa altura em que existia um problema sério no Entroncamento, que era a ausência de regulamento e, portanto, tudo o que era apoios eram atribuídos de forma discricionária. Não havia critérios.
A revisão do PDM no Entroncamento foi um exemplo de… Foi um trabalho difícil, num processo que precisa de se reabrir imediatamente. Há coisas nesta revisão que não me fazem sentido, nomeadamente reservas ecológicas no meio de áreas industriais. Questões de impedimentos de construção por leito de cheia. Entre outras.

Mário Balsa identifica três eixos prioritários para o Entroncamento: fixação de empresas, desenvolvimento comercial e cultura

“A coisa que mais aprendi com o Jorge Faria foi a dizer que não”

Foi chefe de gabinete do ex-presidente Jorge Faria durante seis anos. O que aprendeu? No dia em que vim embora estava com ele no gabinete e disse-lhe: ‘a coisa que mais aprendi contigo foi a dizer que não’. Sempre fui de diálogo e tinha algumas dificuldades em bater o pé.
Alguma vez passou a deixar de se rever nas políticas e postura deste executivo? Acho que o papel de um político é estar próximo da população. Não é estar como um gestor de uma empresa que se senta em frente ao computador, faz uma análise de Excel e toma decisões para a sustentabilidade da empresa. Um bom político tem de andar na rua para perceber os problemas das pessoas. Sempre achei que isso faltou e sempre lutei para que fosse diferente. Não houve empatia nem proximidade.
Venceu as eleições internas do partido à actual presidente da câmara. Está preparado para uma candidatura independente de Ilda Joaquim? Não é uma impossibilidade, mas não é algo que me preocupe. Vai ser um combate extremamente difícil. Se há uns anos me dissessem que no Entroncamento alguém com o chapéu do PS ia perder não acreditava.
O que promete fazer para que as pessoas confiem no seu projecto? Vou ser curto na resposta, mas para bom entendedor meia palavra basta. Vai haver uma mudança clara, a começar pelas equipas. Temos de fazer mais, melhor e diferente e para isso temos que contar com as pessoas certas que gostem de servir a causa pública. É preciso uma nova geração. As caras vão ser diferentes, isso posso prometer.

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