Entrevista | 01-06-2025 18:00

“As pessoas eternizam-se nos cargos e acabam por perder a noção do que é o serviço público”

“As pessoas eternizam-se nos cargos e acabam por perder a noção do que é o serviço público”
Tiago Ferreira volta a ser a escolha do PSD para cabeça de lista à presidência da Câmara de Torres Novas

Tiago Ferreira, único vereador do PSD na Câmara de Torres Novas, vai voltar a colocar-se em jogo nas urnas como candidato à presidência do município. Defende mais pró-actividade na captação de investimento e diz que o PS se preocupa mais em manter o poder do que em trabalhar para afirmar Torres Novas na região. E até avança que, se for eleito, o mais provável é apostar numa reforma ao mapa de pessoal que actualmente suga 17 milhões de euros ao orçamento municipal.

Ao fim de um mandato como vereador na oposição, onde diz ter tomado noção da dimensão do que envolve o governo de uma autarquia, Tiago Ferreira volta a ser candidato pelo PSD à presidência da Câmara de Torres Novas. O antigo judoca, que foi vice-campeão nacional da modalidade em 1988, quer destronar o poder socialista num concelho a que tem uma “ligação profunda” e que precisa de novas caras e novas políticas para se destacar no mapa regional e nacional. Caso não atinja o objectivo, diz que ainda vai ponderar se volta a sentar-se no papel de vereador da oposição, no qual viu algumas das suas propostas serem aprovadas e implementadas pelo executivo de maioria socialista. “A actividade política tem um desgaste muito grande não só familiar como empresarial. Não me consigo dedicar a 100 por cento à minha actividade empresarial e sofro na pele os efeitos com a perda de rendimento”, justifica.
Licenciado em gestão de imobiliário e com um MBA em avaliação imobiliária, Tiago Ferreira entrou para a política activa incentivado pelas duas avós, “ferrenhas” do partido de Sá Carneiro. Participou, em 1993, na primeira campanha de Arnaldo Santos enquanto candidato a presidente do município, foi eleito presidente da JSD em 2004 e já foi candidato à União das Freguesias de Santa Maria, Salvador e Santiago. Menino criado no Bairro de Santo António, tinha por hábito e gosto acompanhar o pai que foi preparador físico de alguns clubes do concelho que, destaca, tem um potencial enorme a nível desportivo.
Diz que trabalhar a “inclusão social” é o grande desafio dos políticos de forma a que quem vem de fora consiga a integração sem prejudicar a segurança e cultura do país que os recebe. Se tivesse uma lamparina mágica pedia, como desejos para o concelho, a eliminação das fontes poluidoras que ainda dão algumas dores de cabeça, e a renovação das escolas que, no caso da Maria Lamas, precisa de “uma grande intervenção”, e no da Artur Gonçalves de “um choque tecnológico”. Obras de muitos milhões que o município, sem o apoio do Estado, não consegue executar. “O Estado não se pode esquecer da responsabilidade que tem”, vinca.

Está preparado para ser o próximo presidente da Câmara de Torres Novas? Obviamente! É para isso que trabalho todos os dias. Esta experiência, enquanto vereador pela coligação Afirmar Torres Novas, deu-me uma excelente perspectiva, porque me obriga a trabalhar todos os assuntos. Se houvesse mais vereadores na minha equipa, talvez não tivesse uma visão tão integrada das dificuldades e dos desafios que é ser presidente de câmara. Tudo na vida tem um tempo e este foi um tempo importante para perceber a dimensão que é preciso ter para se ser presidente de câmara.
Como se destrona a governança socialista que está há anos de pedra e cal neste concelho? As pessoas eternizam-se nos cargos e acabam por perder a noção do que é o serviço público e por que motivo lá estão. Obviamente, as pessoas que cá estão fazem coisas bem, mas a verdade é que se cai num certo laxismo e deixa-se as coisas andar, não se tem a pró-actividade necessária. A própria população do concelho percebe que há uma necessidade de mudança, porque são muitos anos dos mesmos, das mesmas caras e do mesmo partido. Portanto, há uma necessidade de renovação que, se acontecer, vai projectar Torres Novas num sentido diferente: o de se colocar no patamar onde merece estar. Torres Novas tem potencial humano e empresarial, e também a nível desportivo e cultural faz a diferença. Portanto, se tivermos uma equipa motivada e pró-activa na procura de investimentos e com visão do que se quer para o concelho vai haver essa mudança necessária. Espero conseguir fazer com que as pessoas vejam que mudando os rostos de quem governa se pode fazer a diferença.
Olha para a mudança de candidato do PS como um trunfo para o PSD? O mais importante é falarmos de projectos políticos. E o candidato do PS é o actual presidente da assembleia municipal, portanto não deixa de ser um rosto que é uma continuação de mais do mesmo.
A corrida à presidência vai contar nestas eleições com mais um candidato, pelo Chega. Receia que roube eleitorado ao PSD? O candidato do Chega também não é um que traga algo novo, é uma pessoa já com uma certa idade e, sem querer estar a ofender, precisamos de pôr uma nova geração ao serviço de Torres Novas.
Disse na apresentação da sua candidatura que quer melhorar a qualidade de vida dos torrejanos. Por onde se começa? Começa-se por ter serviços municipais eficientes e mais próximos das pessoas. Tem que haver uma reconfiguração da estrutura orgânica da câmara para que seja encarada como uma prestação de serviço à população. É fundamental que quem trabalha na câmara perceba que está a prestar um serviço e que todo o esforço financeiro, que em termos salariais se traduz em 17 milhões de euros, seja canalizado para melhorar os serviços. E isso faz-se implementando normas de qualidade. Um sistema de qualidade eficiente que monitorize o serviço prestado, que oiça os cidadãos e que ponha ao serviço de Torres Novas aquilo que são os seus recursos da melhoria da qualidade de vida: a educação, a cultura, o desporto, o urbanismo... Isso faz-se motivando as pessoas que estão neste município a trabalhar para que realmente sintam que estão cá para servir a população.
Tem sido um crítico do serviço de urbanismo do município. Enquanto empresário na área da arquitectura e avaliação de imóveis, sente na pele a morosidade dos serviços? Sinto isso no dia-a-dia do meu trabalho. Tem de haver um espírito de equipa de trabalho e se há procedimentos que são necessários implementar para melhorar a eficiência, quem trabalha nos serviços tem de os conhecer; tem de haver acções de formação. É preciso saber por que é que se está a demorar tanto; se é porque quem está a trabalhar com os serviços municipais não está a conseguir colocar os projectos devidamente instruídos para que possam ser mais céleres na decisão, por exemplo. Só depois de conseguirmos identificar as razões é que podemos implementar medidas.
Mas a câmara contratou uma empresa externa para fazer esse trabalho. As medidas implementadas não o convenceram? Decididamente, não me convenceram. Há um princípio que deve nortear a relação entre os munícipes e a administração, que é o princípio da colaboração. Deve haver colaboração mútua entre o requerente e a entidade municipal, o serviço do urbanismo, para que funcione. Não basta só dizer que entraram 500 processos no urbanismo e que foram despachados muitos... Quando se responde a dizer que o processo não está em condições para ser analisado, isso não é nada. Portanto, nós em 500 processos que a empresa que aqui veio dizer que teve uma resposta, sabemos que a maior parte, mais de 400, foram rejeições liminares. O que significa que quem está a instruir processos não está a introduzi-los correctamente. Então é preciso analisar e trabalhar em acções de formação, em acções de colaboração. Há normas, procedimentos que têm que ser cumpridos.
Enquanto empresário trabalha com outras câmaras municipais. Não sente isso noutros municípios? Há municípios que têm um sistema mais ágil e outros mais complicados. Também tem a ver com a capacidade de resposta. Sabemos que há municípios que dizem como é que se resolvem os problemas. Aqui, em vez de haver uma resposta a dizer como se resolve, muitas vezes só se recebem rejeições liminares.
São comuns, em reuniões camarárias, as queixas de munícipes à falta de resposta por parte dos serviços e executivo. A criação do provedor do munícipe, proposta sua que foi rejeitada, poderia fazer a diferença? Faria, porque o provedor do munícipe teria uma função mais distante, desligada de uma força política. O vereador António Rodrigues votou contra esta medida porque dizia que era esse o trabalho dos vereadores, mas não é. Muitas vezes, se não insistimos com o executivo para dar respostas, os processos acabam abandonados. Tenho no email vários pedidos para o Departamento do Urbanismo e para outras situações, de pessoas que pedem com urgência documentos e não têm resposta. Se tivéssemos um provedor que pudesse receber estas reclamações e as analisasse seria uma mais-valia.
Faz oposição num executivo de maioria. Sente-se um verbo de encher? Acho que durante este mandato consegui estabelecer uma relação de respeito com o senhor presidente. Critico quando acho que tenho de criticar e elogio o que tenho a elogiar. E isso beneficiou a minha actuação, permitindo ver algumas medidas que proponho serem implementadas, como o regulamento para a fixação de médicos e isenção de IMI às associações. Esta postura construtiva beneficia o meu trabalho enquanto autarca, mas também beneficia a população.
Mas os louros vão para quem governa e não para quem propõe. Sim, vão. Por isso é fundamental comunicarmos aquilo que fazemos, o que nem sempre é fácil, porque não temos os recursos que a câmara tem. Mas aqui entra o papel da comunicação social, importante para dar eco das propostas da oposição.
Continua a achar que a instalação de parquímetros gratuitos com limitação de tempo é uma medida certa para mitigar a falta de estacionamento em algumas zonas da cidade? É preciso atacar o problema de duas formas: primeiro, precisamos de lugares de estacionamento para promover o comércio local. Por outro lado, é preciso que as pessoas deixem os carros o mínimo de horas possíveis para que se possa ir trocando e as pessoas possam ir ao comércio. Logo, os parquímetros gratuitos poderiam resolver, mas nunca de forma isolada, teria de haver fiscalização. Algo que neste momento não existe. As pessoas sentem-se num clima de impunidade. Precisamos de uma equipa de fiscalização nas ruas que faça sensibilização mas que não tenha problemas em autuar quem está em incumprimento. Falta um regulamento de trânsito em Torres Novas que permita uma actuação da câmara nesse sentido.

Tiago Ferreira, 48 anos, tem sido crítico ao funcionamento dos serviços de Urbanismo

“Ter médico de família não é um luxo”

Há outro problema, que por acaso até tem regulamento, mas que continua por resolver, que é o da falta de médicos de família. Como é que se resolve? Esse é um problema que tem de ser trabalhado em conjunto com o Governo e com a Unidade Local de Saúde do Médio Tejo. Mas não pode haver guerra. Ter médico de família não é um luxo. É algo que devia ser normal, uma pessoa sair de casa e ter atendimento na sua freguesia. É fundamental que nós, enquanto políticos, consigamos arranjar solução. Mas para isso é preciso haver médicos, logo, tem de haver uma resposta estrutural a nível nacional.
Ficou a ideia de que o conselho de administração da ULS tentou calar o presidente da Junta de Assentis por se queixar publicamente da falta de médicos. Foi por isso que ficou do lado de Leonel Santos e elogiou o seu trabalho? Ao elogiar o trabalho do Leonel não estou a pôr-me contra a ULS. O presidente do Conselho de Administração (CA) tem estado aberto à discussão, mas um presidente de junta está na linha da frente, é a infantaria da política, quem enfrenta a população que se revolta. Ninguém vai para dentro do centro hospitalar insultar o senhor presidente do CA. Em 2018 fui candidato à União de Freguesias de Santa Maria, Salvador e Santiago e sei da dificuldade orçamental que é gerir uma junta. Há condomínios em Lisboa que têm mais dinheiro que uma junta de freguesia com quase 5.000 pessoas. E quando o presidente Leonel abdica da sua comparticipação mensal para pagar deslocações aos médicos para que a população da sua freguesia possa ter consultas, merece o meu respeito. É de um altruísmo que tem de ser reconhecido.
Diz que quer um concelho motor a nível regional e nacional. Qual é o combustível que falta para o fazer arrancar? Os grandes combustíveis que faltam é a revisão do PDM e o Regulamento Municipal de Urbanização. Estamos há anos estagnados. É preciso olhar para o território com o potencial que ele tem e criar um mecanismo que permita que as pessoas cheguem a Torres Novas e sintam que é fácil implementar um projecto e que não há um problema a cada coisa que se pede.
Tem sido contra o aumento dos custos com o pessoal na Câmara de Torres Novas devido à criação de divisões e cargos de chefias. Se vencer as eleições tenciona fazer cortes ao mapa de pessoal? Queremos optimizar o mapa de pessoal para perceber quais são os serviços que podem ser prestados externamente e que não onera o custo com pessoal, que se fixa em 17 milhões neste momento e que tira capacidade de investimento. Temos de perceber como se melhora a eficiência. Até pode ser mantido o mesmo número pessoas, desde que a eficiência dos serviços melhore, porque traz mais receita. E, com as pessoas que a câmara tem consegue ter mais eficiência no trabalho que se produz. Mas é preciso é perceber se essas pessoas estão motivadas, se estão a trabalhar no sítio certo e se realmente estão ali para a função que executam.
A abertura de concursos para dirigentes a menos de seis meses das eleições é o mesmo que tentar comprar votos junto dos funcionários municipais? Sem dúvida! É preciso manter uma certa estrutura que suporta o poder e o que está aqui a acontecer é que há uma estrutura instalada que beneficia o poder instalado. E o Partido Socialista preocupa-se mais em manter o poder do que em fazer de Torres Novas um concelho que se afirme na região. Falta conseguir-se atrair investimentos. Os investimentos estão a ser feitos no concelho de Santarém porque há capacidade de atrair e dar respostas em tempo útil, que é muito importante.
O município fez bem em ser barriga de aluguer da APA para a remoção dos resíduos perigosos da Fabrióleo que ficou parada, a meio, por falta de verba? Fui dos primeiros a dizer que o Fundo Ambiental tem verba para mitigar problemas ambientais. E tem. E é para isso que serve e tínhamos de intervir porque as populações estavam a ser prejudicadas com aqueles cheiros e com tudo o que se passou lá. Agora, a questão que se coloca é mais profunda, porque, no fundo, estamos investir em terreno alheio. É preciso verificar qual é a relação dos proprietários daquele terreno com a empresa que explorava aquele espaço. É preciso investigar para perceber se o erário público não está a ser prejudicado por negócios menos transparentes. É um assunto delicado que devia ter intervenção jurídica, que envolvesse o Ministério Público, para imputar responsabilidades.
A APA e o Estado português não olharão para este caso com a atenção devida? Acho que não. Devia haver um aprofundamento sobre o que se passou ali.
Qual a sua opinião sobre a vedação da nascente do rio Almonda pela Renova? É um tema muito sensível, porque tem a questão da segurança. Acho que deve haver uma barreira para não corrermos o risco de crianças irem para lá e afogarem-se. Prefiro andar à luta todos os dias com a população, porque tem lá uma barreira do que daqui a um tempo estar a chorar a morte de alguém que morreu afogado. O grande desafio é perceber de que forma é que podemos pôr aquele espaço ao serviço da população sem ser destruído. E cabe ao Estado e à Câmara de Torres Novas fazer um projecto conjunto com a Renova para fazer daquele lugar um espaço que as pessoas possam usufruir.
Há algum receio do município em mexer demasiado com a Renova? Acho que não há vontade política para resolver, para arranjar uma solução equilibrada. É mais uma que se vai arrastando. A vertente económica é muito importante, mas também é as pessoas poderem usufruir do espaço de uma maneira que não prejudique. É preciso criar condições para que aquele espaço possa ser trabalhado, garantido o direito privado e o direito público.

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