Duarte da Graça: o comandante pacificador que descobriu a sua vocação graças a um padre

O coronel Duarte da Graça está pela segunda vez em funções de comando no distrito de Santarém, agora como comandante territorial com a responsabilidade por toda a área do distrito de Santarém e um efectivo de cerca de mil guardas.
Em 2007, como capitão, tinha ficado a comandar o destacamento de Tomar e foi o oficial que recebeu o policiamento de Fátima que deixava de ser da PSP. Nesta entrevista conta que foi um momento que o marcou como pessoa e profissional e que foi quando aprendeu a trabalhar com a sociedade civil. Um dos seus focos é o combate aos acidentes rodoviários e além de preocupado fica triste quando sabe que um idoso foi burlado. Revela que só deu uma bastonada uma vez num motard e foi para proteger um militar, quando estava na unidade de intervenção. Nesta entrevista, o coronel fala do seu percurso pessoal que se interliga com a vida ao serviço da GNR.
António Palmeiro /João Calhaz
A sua formação católica tem influência na forma como comanda a GNR no distrito de Santarém? Quando tomo decisões é a pensar na segurança das pessoas. Mas a minha educação católica ajuda-me de várias formas. Por exemplo, facilita a abordagem de alguns assuntos com algumas entidades como o Santuário de Fátima. Para resolver alguns assuntos não ajuda tanto como desejava. O dia-a-dia obriga-nos a andar sempre para diante e às vezes não há toda a calma e ponderação que são necessárias. Uma coisa que faço todos os dias é ver os pecados, o que correu bem e mal, uma reflexão ao fim do dia, e continuo a rezar.
Como é que alguém que teve uma infância e juventude religiosa vai seguir uma carreira numa entidade que é mais conotada pelas pessoas com a força, a repressão? A área militar surge na minha vida precisamente na igreja, por causa do padre da paróquia de Riachos, que era simultaneamente capelão nas forças armadas. Ele dizia que com o meu feitio e forma de ser, de gostar das coisas organizadas, bem definidas, dava um bom militar. Foi ele que me incentivou a ir para a Academia Militar, onde entrei depois de ingressar no Exército e de ter feito o curso de paraquedista.
Podia ter ficado numa carreira militar provavelmente mais resguardada do que ter de contactar com o público, normalmente por más situações… Quando fui para a academia entrei para o Exército e para a GNR e no primeiro dia tomo a opção pela Guarda. Sempre pretendi dar o meu melhor em prol da sociedade. Talvez esse seja o meu sonho de criança. Entendi que o conseguiria fazer melhor através da Guarda, se bem que o Exército e as forças armadas têm um papel relevante, insubstituível e importantíssimo na estabilidade. Às vezes as pessoas não dão importância aos militares porque estão habituados a ter tudo, ou quase tudo, a viver numa sociedade em que damos tudo como adquirido, mas a verdade é que os últimos tempos têm mostrado que não é assim.
Foi complicada a entrada para a vida militar? O mais complicado foi mesmo as notas a Matemática que não eram as melhores e então tive de ganhar juízo, tive de estudar mais e estive de férias a estudar matemática.
Qual foi o primeiro impacto quando chegou no primeiro dia à GNR? Ingressei no regimento de infantaria, o que é hoje a unidade de intervenção. Não senti nenhum choque, fui muito bem acolhido.
Deve ter dado algumas bastonadas quando esteve nessa unidade… A única bastonada que dei foi numa concentração de motos e acabei por ir a tribunal por causa disso. Foi na concentração de motos em Faro. Há um indivíduo que faz um cavalinho com a mota para cima de um militar meu e para o proteger tive de utilizar a força como legítima defesa de terceiro.
Portanto é um militar pacífico… Os militares da Guarda são para pacificar, não são para fazer a guerra. Se há coisa que não gostamos é de guerras.
A ver os erros acontecerem na primeira operação no Santuário de Fátima
Na altura em que começou a comandar o destacamento de Tomar, em 2007, o policiamento da Cova da Iria, do Santuário de Fátima passou para a GNR. Como é que lidou com a situação? Tive que procurar muito sobre a situação, perceber o que estava feito antes, identificar oportunidades de melhorar. Nessa altura estávamos a menos de um mês das comemorações dos 90 anos das aparições. Cometi muitos erros nessa primeira peregrinação com o policiamento da guarda, vi os erros a acontecerem e isso marcou-me profundamente, quer na preparação das operações seguintes, quer enquanto pessoa. Foi quando tive que aprender a trabalhar com os outros e com a sociedade civil, desde a câmara municipal aos trabalhadores que tinham de recolher o lixo.
Qual foi a situação mais difícil, aquela que o deixou mais nervoso? O principal problema era ter tempo para conseguir fazer tudo, porque gosto de ter as coisas muito planeadas. O erro mais flagrante foi colocar o trânsito todo a funcionar no mesmo sentido.
Conseguiu entender-se com a PSP que estava de saída de Fátima? Até Outubro de 2006 havia três operações de segurança. A da PSP na Cova da Iria, a da Brigada de Trânsito da GNR e do Grupo Territorial de Santarém. Hoje temos só uma operação. Na altura da transição houve o cuidado de entregar o quartel em condições, em pleno funcionamento, houve patrulhas conjuntas. Naturalmente quem esteve a desempenhar funções na PSP não ficou satisfeito, porque deram os seus melhor e foram muitos anos de trabalho.
Hoje as funções da Guarda são muito diferentes de quando começou. O que é que mais o afectou? As alterações tiram-nos sempre da nossa área de conforto porque só por si criam alguma instabilidade, mas temos de estar preparados e adaptar-nos às exigências. É evidente que conseguimos adaptar-nos. As grandes diferenças são em termos tecnológicos. Hoje há plataformas que nos permitem fazer uma gestão diferente do patrulhamento, meios para apoiar determinadas operações. O salto tecnológico foi brutal.
As pessoas que o conhecem da infância costumam pedir cunhas? As pessoas sabem como sou e isso não é um problema, porque nem sequer me abordam nesse sentido. E se tentarem o que digo é que o que posso fazer é ser eu a pagar o auto de contra-ordenação. Mas acredito que quem está no terreno a fazer fiscalização junto da família ou dos amigos com os quais cresceram não é fácil. Temos de ter cuidado em haver um equilíbrio para que a situação da Guarda não fique fragilizada, temos de ter a responsabilidade social de afastar esse tipo de situações.
É mais difícil lidar com os guardas, os cidadãos ou os políticos? É mais ou menos como uma família, cada um com o seu feitio. Com todos eles o importante é encontrar a forma que melhor permita alcançar a nossa missão.

A tristeza com as burlas a idosos, os acidentes de viação e a imigração
Com a evolução tecnológica é mais fácil comandar? É diferente. Cada comando, no seu contexto, tem sempre as suas dificuldades. Quem comandou anteriormente teve o seu contexto e hoje a sociedade também é mais exigente, os militares também são mais exigentes. As burlas presenciais têm um grande impacto, mas as burlas informáticas, online, deixam muita gente em situações muito vulneráveis. O que me deixa triste, o que mais me preocupa, é quando essas burlas são com idosos.
E os acidentes de viação? Tenho um foco em relação ao meu comando e há algo que é difícil. Temos feito caminho e precisamos de ajuda de todos para reduzir os acidentes de viação. O desígnio do meu comando é reduzir o número de acidentes e não tem sido fácil. Todos os anos temos no distrito de Santarém cerca de 40 mortos. É muita gente a morrer na estrada. Temos feito acções, sensibilizações, alertas…
Ou seja, as pessoas não aprendem, mesmo que lhes vão ao bolso… Temos de fazer o nosso trabalho. Sem prejuízo das críticas que normalmente são feitas quando elaboramos autos de contra-ordenação por infracções rodoviárias, vamos continuar a fiscalizar. Temos de fazer o nosso serviço. Temos de aplicar a lei, mas também temos feito auditorias às vias para identificar o motivo por que ocorreram os acidentes. Também temos a obrigação de ajudar a melhorar as condições.
No distrito de Santarém, há diferenças entre a Lezíria do Tejo e o Médio Tejo em relação à prevalência de crimes? Os incêndios florestais são mais evidentes a norte, no Médio Tejo, e têm um impacto diferente. Até nas festividades há diferenças, a norte são mais religiosas, e mais a sul são mais ligadas ao cavalo com outros excessos, mais associadas ao consumo de bebidas alcoólicas. Na violência doméstica o crime é transversal às duas sub-regiões.
Há mensagens políticas que querem associar o aumento da imigração ao aumento da insegurança. Isso faz sentido? Já tive oportunidade de abordar este assunto com as comunidades intermunicipais da Lezíria e do Médio Tejo, com os presidentes de câmara, e não identificamos qualquer relação, em termos factuais, entre o crime e as comunidades estrangeiras.
Chegou a falar-se de a Guarda ter um novo quartel em Santarém. Com a instalação do comando territorial no antigo governo civil essa questão deixou de fazer sentido? O comando está muito bem instalado e em relação às instalações na região temos tido o cuidado de garantir melhores condições. Nos últimos anos foi construído o quartel em Alcanena, tivemos o posto de Salvaterra de Magos e temos mais duas obras em andamento, a construção do novo posto de Alpiarça e a reabilitação do de Coruche. Temos ainda Marinhais e Benavente e as instalações do posto de Santarém são as que estão a precisar de intervenção.
Chegou a ser reivindicado um posto para Alcanede para não estar dependente de Pernes que fica a vários quilómetros. O distrito precisa de mais postos? Qualquer posto para funcionar precisa no mínimo de 21 militares. A área de Santarém tem dois postos e não são muitos os concelhos do distrito com dois postos. Temos Ourém com Fátima, Abrantes com Tramagal, Santarém com Pernes, Salvaterra de Magos com Marinhais, Benavente com Samora Correia e Coruche com o posto de atendimento do Couço. Estamos a fazer trabalho para algumas subunidades, como o destacamento de intervenção, saírem do espaço da Rua Tenente Valadim, onde está o posto territorial, que vão para outras instalações na região.
Com a instalação do comando no edifício do antigo governo civil ficaram com um salão nobre com muita história, como é que têm utilizado o espaço? Já cedemos o espaço para a realização de julgamentos, fazem-se aqui as assembleias de apuramento de votos das eleições, já foram feitos concertos musicais. A GNR é uma força de segurança aberta e disponível para colaborar com a sociedade civil.
O filho de carpinteiro e doméstica que vendia no mercado e que gosta das coisas certinhas
No gabinete no primeiro andar do comando territorial da GNR de Santarém, com vista para as encostas da cidade, Pedro Miguel Duarte da Graça tem uma imagem de Nossa Senhora de Fátima que dá nas vistas. O coronel que comanda a Guarda no distrito de Santarém recebeu a peça religiosa das mãos dos militares do destacamento de Tomar que deixava de comandar e onde tinha sido colocado em 2007. Na altura tinha a patente de capitão e a oferta da imagem não se podia enquadrar melhor, já que o agora coronel teve uma educação católica. Foi acólito, catequista e pertenceu às equipas de jovens de Nossa Senhora, teve um papel dedicado à paróquia de Riachos, Torres Novas, de onde é natural.
Duarte da Graça é filho de carpinteiro e aprendeu com o pai a trabalhar a madeira, tendo aproveitado a habilidade para ganhar uns trocos a fazer comedores para as galinhas que vendia. A mãe era doméstica e vendia o que cultivava no mercado da freguesia e em Torres Novas. Muitas vezes acompanhava a mãe e muitas vezes dormiu debaixo da banca dos mercados. Confessa que como católico já foi mais à missa, mas continua a rezar. Foi a sua ligação à paróquia que lhe traçou o caminho, já que o padre da altura o incentivou a seguir uma carreira militar.
Esteve no Iraque a desempenhar funções policiais e esteve em Angola como director do primeiro curso de ordem pública, antes de começar a comandar o destacamento de Tomar. Nessa altura como agora tem um princípio que é o de achar que as pessoas devem ser intelectualmente irreverentes, mas disciplinadas. “Não consigo trabalhar sozinho, preciso de pessoas a ajudarem-me nas minhas funções e preciso que essas pessoas sejam irreverentes a identificar os problemas, a procurarem identificar as várias soluções. Ter alguém que me diz sim só para me agradar é muito pouco”, confessa na entrevista na mesa de reuniões no seu gabinete onde tem várias recordações da sua carreira.
O seu percurso escolar ficou com uma pequena mancha no 10º ano, quando chumbou com 8 a matemática. Nos anos seguintes fez a disciplina com 18 valores. Considera-se uma pessoa feliz com o que faz e diz que se não fosse militar da GNR seria pastor, pela ligação à natureza. Nos tempos livres gosta de estar em contacto com a natureza e tem o hábito de quando vai para algum lugar por mais de um dia, em passeio, férias ou trabalho, levar umas sapatilhas para fazer caminhadas.
Nascido em 29 de Março de 1974, Duarte da Graça, que tem facilidade de dormir, factor que é essencial para o regular em termos de stress, diz que nunca teve uma perspectiva de chegar onde chegou. Porque pensa mais no que tem de fazer em prol da sociedade, em servir os cidadãos e na sua missão, no dia-a-dia, do que na carreira a longo prazo.