Bloco de Esquerda é um partido de mansos, diz Carlos Matias

Mais de 100 militantes do BE do distrito de Santarém abandonaram o partido com fortes críticas à liderança de Mortágua. Cerca de dois terços pertenciam à concelhia de Salvaterra de Magos, um deles o vereador eleito pelo BE, agora independente. Militantes falam em atitudes antidemocráticas e desculpas esfarrapadas para as derrotas eleitorais.
Mais de uma centena de militantes do BE de Santarém anunciaram a sua desvinculação do partido, nos quais se inclui o ex-deputado à Assembleia da República, Carlos Matias. Em declarações a O MIRANTE, Carlos Matias explica que há meia dúzia de anos começou a perceber que a política do partido era errada e que acabou por deixar de ser alternativa ao Partido Socialista, colocando-se na sua dependência política. “Como já antevia tem levado a um definhamento da representação eleitoral do Bloco. Tentei internamente falar com os líderes da direcção nacional, mas nunca foi aceite. Foi-se acentuando uma sectarização interna e uma marginalização das actividades partidárias. Chegámos a ser vítimas de intrigas de corredores”, afirma o ex-deputado. Carlos Matias salienta que o futuro do partido, da forma como está, deixou de lhe interessar, embora vaticine que o mesmo não tem futuro. “Vão existir promessas que vão ser só palavras. O Bloco de Esquerda está a perder a identidade. Perdeu a radicalidade que o fez crescer. É um partido de mansos”, remata.
Para os militantes que se desvincularam “as propostas políticas são sistemática e convenientemente buriladas, quando não metidas na gaveta, na esperança de virem a ser aceites pelo PS”. Considerando que “o gume cortante da intervenção inicial do BE há muito embotou”, os militantes notam que ao longo dos últimos anos têm levado as suas críticas aos órgãos máximos do partido, mas a maioria da direcção do Bloco de Esquerda rejeita-as sistematicamente. “Está no seu direito. Mas, depois, nunca assume a responsabilidade pelas sucessivas derrotas eleitorais, foge aos balanços, justifica-se sempre com as dificuldades da conjuntura”, lamentam. As críticas à coordenação, liderada por Mariana Mortágua, continuam, com estes bloquistas a acusar a direcção de desencadear “um processo de progressiva centralização das decisões, afastando vozes incómodas ou não controladas pelo aparelho”. Afirmam ainda que os funcionários do partido “são vítimas de práticas que envergonhariam muitos patrões” e que o caso das recém-mães que foram despedidas em 2022 e que abalou o partido “não é único”.
Direcção do BE fala em “desfiliações programadas”
O secretariado do BE lamentou as saídas anunciadas de militantes do partido e falou num conjunto de desfiliações programadas. “O Bloco lamenta todas as saídas de aderentes. Este é o tempo de juntar forças, de reforçar o debate e a cooperação, e não tempo do abandono, do sectarismo ou da fragmentação à esquerda”, lê-se numa nota enviada à imprensa. Em reacção ao facto de mais de cem militantes de Santarém terem anunciado a sua saída do partido, o BE refere que “dos 89 pedidos de desfiliação efectivamente recebidos, dois terços são oriundos da concelhia de Salvaterra de Magos”.

“Uma grande pulhice e sacanice”
A ex-deputada e antiga eleita da Assembleia Municipal de Santarém, Fabíola Cardoso não tem papas na língua quando classifica a atitude dos militantes que saíram do partido com estrondo como “uma grande pulhice e uma grande sacanice”. Considera que “numa situação de vulnerabilidade não se ataca, não se bate em alguém que está caído”, reconhecendo que o BE está numa “situação vulnerável” e atravessa um momento delicado. “Fazer isto é de uma falta de ética e de uma falta de decência que não é aceitável na política e na vida. Não podemos baixar o nível, senão caímos na barbárie que hoje muitos acham normal mas que não pode nem deve ser uma norma na nossa política. Não pode ser o vale tudo. Isto já ultrapassa a política. Tem a ver com ética, decência, a maneira de estar na vida”, disse ao nosso jornal Fabíola Cardoso, actualmente militante do BE no distrito de Castelo Branco.
Helena Pinto, antiga vereadora do Bloco de Esquerda em Torres Novas e ex-deputada, não aderiu à vaga de demissões de militantes do distrito de Santarém e diz que nem pensa muito nisso, pois não se identifica politicamente com o grupo que agora saiu e que associa a uma tendência dentro do partido que se chama Convergência, que tem desenvolvido actividade no distrito e, sobretudo, em Salvaterra de Magos. Diz não querer entrar em polémicas, referindo que tudo o que tinha a dizer acerca dessa tendência expressou-o no seio do partido. Lamenta a saída desses mais de cem militantes mas diz que não sabe há quanto tempo é que muitos deles não pagavam quotas. Sobre o futuro do partido, e de que forma esta demissão em massa poderia contribuir para a decadência do partido após os resultados eleitorais das últimas legislativas, Helena Pinto assume que o BE teve uma “derrota significativa”: “as pessoas não entenderam as propostas, não seguiram as ideias; na política é assim mesmo”. Para a militante bloquista, o partido e as suas linhas programáticas continuam a fazer sentido. “O Bloco de Esquerda continuará a ser um partido, eu pelo menos vou pugnar por isso, onde toda a gente tem lugar, onde as opiniões têm de ser todas ouvidas, debatidas, mas há um momento em que as maiorias decidem, como é óbvio. Se me perguntarem se essas demissões causam mossa, provavelmente causam”.

Vereador de Salvaterra de Magos passa a independente
O Bloco de Esquerda perdeu o único vereador na Câmara de Salvaterra de Magos, depois de Luís Gomes ter anunciado a sua desfiliação do partido de que foi dirigente. O vereador eleito nas listas do Bloco de Esquerda nas últimas autárquicas aproveitou a mais recente reunião de câmara, realizada a 4 de Junho, para comunicar que vai cumprir o resto do mandato como independente. “Saio do Bloco, algo que não é novidade pois estava anunciado nas estrelas há algum tempo. Este processo foi suspenso devido às eleições legislativas. Pus o lugar à disposição do Bloco de Esquerda e sem prejuízo manterei o lugar no executivo como independente”, vincou Luís Gomes. Luís Gomes foi o cabeça-de-lista à Câmara de Salvaterra de Magos pelo BE, que conquistou um mandato no executivo. Recorde-se que Luís Gomes continua a participar nas reuniões de câmara através de videoconferência, alegando motivos profissionais. A Câmara de Salvaterra de Magos dá a possibilidade aos vereadores de participarem nas reuniões à distância, na impossibilidade de estarem presentes. Trata-se do único município da área de abrangência de O MIRANTE a fazê-lo desde que acabou a pandemia da Covid-19.