Entrevista | 17-06-2025 15:00

José Rui Raposo: um comunista que continua a acreditar nos amanhãs que cantam

José Rui Raposo: um comunista que continua a acreditar nos amanhãs que cantam
José Rui Raposo, militante comunista e candidato da CDU à Câmara de Santarém, quer devolver representação ao partido no executivo municipal - foto O MIRANTE

É dirigente associativo em várias frentes, sindicalista, militante comunista e vai tentar que a CDU volte a ter assento no executivo da Câmara de Santarém, onde José Rui Raposo esteve há duas décadas. Para isso, tem que inverter a história recente, já que a coligação liderada pelo PCP não tem representação na vereação desde 2013. Uma conversa sobre Santarém, política e a indisfarçável decadência eleitoral da CDU.

José Rui Raposo nasceu numa maternidade que já não existe, em Arroios, Lisboa, em 1 de Maio de 1958, mas sempre viveu em Santarém, onde o pai foi relojoeiro durante muitos anos. O progenitor ainda lhe ensinou a arte, mas o jovem não seguiu o ofício, embora tenha aprendido alguns detalhes de uma actividade que exige grande minúcia e precisão de mãos. Começou a trabalhar depois de ter concluído o sétimo ano do liceu, em Santarém, tendo feito vida profissional como funcionário do movimento sindical da função pública, primeiro na cidade ribatejana e depois em Lisboa, como adjunto da direcção da Federação de Sindicatos da Função Pública. Já reformado, mantém colaboração com essa estrutura sindical, que, quando questionado, refuta ser uma extensão do PCP. “Uma coisa é um partido político, outra é uma estrutura sindical”, vinca, para separar as águas. Pelo meio, como trabalhador-estudante, licenciou-se em Ciência Política e da Administração.
Recentemente foi eleito presidente da Federação das Associações de Reformados e Pensionistas do Ribatejo, organização que se encontrava inactiva e a que pretende dar nova dinâmica. Tem sido também nos últimos anos o porta-voz da Comissão de Utentes dos Serviços Públicos de Santarém e integra a Direcção Nacional do Movimento de Utentes dos Serviços Públicos. Está ainda ligado à Associação das Comemorações do 25 de Abril em Santarém e ao Núcleo de Santarém da Associação José Afonso.
O ‘bichinho’ da política foi induzido pelo pai, Rui Raposo, militante anti-fascista e opositor do regime de Salazar. José Rui Raposo filiou-se no Partido Comunista Português após a revolução. É dirigente concelhio e distrital do PCP e, em representação da CDU, coligação liderada pelos comunistas, foi vereador na Câmara de Santarém no mandato de 2002 a 2005. Nesse contexto, foi também membro do conselho de administração da antiga empresa municipal Scalabisport entre 2004 e 2006. É divorciado e tem um filho.

Olha para Santarém hoje e gosta do que vê? Gosto da cidade. O ponto forte é o património, daí Santarém ser classificada como Capital do Gótico.
Tem sido bem potenciada essa mais-valia? Acho que não. É preciso fazer muito mais, olhar para os exemplos de outras cidades - que não Lisboa, porque aí é um exagero -, como Guimarães ou Braga que souberam potenciar o seu território do ponto de vista do turismo histórico, do turismo religioso. Precisamos de fazer essa ligação. Tivemos uma conversa com o senhor bispo de Santarém onde falámos disso…
A CDU já pede a bênção à Igreja Católica? Não é pedir a bênção, entendemos que é muito pertinente haver esta troca de informações e de pontos de vista, que não é inédita. Estou a recordar--me que quando era vereador da câmara municipal tivemos uma audiência com responsáveis da diocese à época. Voltando ao património, o episcopado de Santarém potenciou muito bem o museu diocesano. Mas devia haver um percurso definido e divulgado para oferecer aos turistas que visitam Santarém. Senão vão apenas ao Milagre, que é o grande destino, e depois vão-se embora.
Como é que uma cidade com tanto património, com uma história riquíssima, que inclusivamente teve uma candidatura a Património Mundial, não tem um museu da cidade? Faço a mesma pergunta. É inadmissível e essa é uma das nossas propostas. Até porque não temos falta de espaços.
Acredita que é desta que o projecto de requalificação e valorização da frente ribeirinha entre Ribeira de Santarém e Alfange vai mesmo em frente, como anunciou o presidente da câmara no último feriado municipal? No papel cabe tudo, podemos lá pôr tudo aquilo que quisermos. Precisamos de empenho e não basta que se façam promessas e se teçam intenções em período pré-eleitoral. É uma parte importante do território da cidade que precisa de ser valorizada e aproveitada. Temos também o caso do Alviela e da freguesia de Vale de Figueira, onde existem novamente problemas ao nível da poluição, alguns com origem fora do concelho, outros causados por explorações pecuárias. Há ainda o rio Maior, também com o problema das pecuárias que não ficou resolvido, apesar das promessas feitas.
O que acha do projecto para a Ribeira de Santarém? A intervenção na frente ribeirinha não pode ser desligado da questão do ordenamento urbanístico da Ribeira de Santarém e Alfange e da linha férrea.
O desvio da Linha do Norte em Santarém foi já dado como descartado, ao contrário do que esteve previsto. Santarém devia ter reivindicado com mais veemência o cumprimento dessa promessa? Participei como vereador em reuniões com a Refer na estação de Santarém e olhei para a carta onde estava traçado o novo canal. As opções eram no sentido de contornar o planalto de Santarém a ocidente. Depois só havia dúvidas se a ligação à Linha do Norte a sul era em Santana ou no Vale de Santarém e a norte se era em Vale de Figueira ou um pouco mais para lá. Isto podia mudar muita coisa. A planificação urbana da Ribeira e Alfange seria muito diferente sem linha férrea.
Faltou aí poder reivindicativo? Penso que sim. Houve uma demissão completa do poder político local neste processo, a partir do momento em que o Governo e a entidade que o representava na altura, a Refer, entenderam que esses milhões deviam ir para outros lados.
Como vê o facto de se andar há vinte anos a falar sobre a eliminação das passagens de nível no concelho de Santarém? Fundamentalmente, é um desrespeito com as vidas que se perdem. Ainda recentemente morreu mais uma pessoa. Há aqui um espaço no concelho de Santarém em que se perdem vidas desnecessariamente. Há um conjunto de promessas feitas pelo Governo e acompanhadas pelas autoridades autárquicas que depois não são concretizadas. É a passagem superior no Vale de Santarém; é a passagem do Peso, com prejuízos enormes para os produtores agrícolas da zona e os custos para a cidade com a travessia de pesados; é na Ribeira de Santarém com o caos no trânsito que se gera a determinadas horas; é as Assacaias em que há um protocolo há mais de vinte anos… O que se impõe é que a Infraestruturas de Portugal, com a maior urgência, concretize o plano que diz ter.

O definhamento eleitoral da CDU, a amiga Luísa Mesquita e a guerra na Ucrânia

A CDU elegeu o último vereador na Câmara de Santarém em 2009. Desde aí, nunca mais teve vereadores e nunca mais conquistou uma junta de freguesia. E nas últimas legislativas teve o pior resultado de sempre. Perante esta realidade, acha que é uma boa altura para avançar com uma candidatura à Câmara de Santarém? Já era candidato antes dos resultados destas eleições legislativas, mas seria candidato na mesma. São realidades completamente distintas.
O cenário não parece ser o mais favorável para a CDU neste momento. Se olharmos para os resultados das autárquicas há quatro anos, ficámos a 200 votos da eleição de um vereador.
O PCP afirma-se como o partido do povo, mas esse amor não parece estar a ser muito correspondido. Está desiludido? De modo algum. Não desisto por convicção. Há outros caminhos para a humanidade e para resolver os problemas das populações. Continuamos a achar que é preciso continuar a tentar convencer as pessoas de que há esses caminhos.
A luta continua?
Não tenha dúvidas.
Luísa Mesquita era o principal rosto do PCP e da CDU em Santarém e na região. Foi muito difícil digerir essa perda, com a sua expulsão do PCP? Essa questão está completamente ultrapassada. Não sei se os resultados seriam diferentes com ela ou sem ela. Há outros aspectos a considerar. O quadro político-partidário também se alterou no concelho, é preciso ter em conta igualmente a fusão de freguesias, houve na altura presidentes de junta que estavam no limite de mandatos e tinham que ser substituídos…
Mas é indiscutível que há um definhamento da CDU em termos eleitorais, no concelho de Santarém e no país. Há uma redução e é por isso mesmo que estamos a apontar no sentido do reforço. E há outro aspecto a considerar. A nossa intervenção, e basta ver a informação produzida pela CDU ao longo deste mandato, não é apenas no período eleitoral. Basta ver as intervenções feitas sobre o mercado municipal, sobre a degradação das instalações da PSP, da Calçada da Junqueira, da Escola Prática de Cavalaria (EPC)…
O que acha do aproveitamento que tem sido feito do antigo quartel da ex-EPC? Temos preocupações quanto a isso, pela forma casuística como se está a distribuir o aproveitamento do espaço. Num dia é um hotel, no dia a seguir é uma residência de estudantes, no outro é mais um tribunal, no outro vai para lá a UTIS… Um dia destes não cabe lá o MAVU (Museu de Abril e dos Valores Universais).
O que propõem quanto à ex-EPC? Uma das nossas propostas é a criação de um plano de pormenor que defina claramente para o que deve servir, tendo em conta algumas questões, como o aproveitamento para serviços camarários ou a questão do MAVU, que precisa urgentemente de uma solução política com empenho financeiro. O PCP propôs na Assembleia da República uma verba no Orçamento de Estado deste ano, para o arranque do projecto, e o PS e o PSD votaram contra. Tal como aconteceu, aliás, com o edifício da PSP, que um dia cai para dentro. Um comando distrital ter condições destas é uma coisa perfeitamente inadmissível.
A revisão do Plano Director Municipal (PDM) de Santarém ficou finalmente concluída, mais de 20 anos depois. Era vereador quando o processo se iniciou. Fui e voltei com o PDM por rever (risos). Um documento estratégico como este não pode ser analisado e aprovado pela assembleia municipal dando aos seus membros pouco mais do que quatro dias para se fazer a análise do documento. Esta é, para já, a crítica que é preciso fazer. Um documento destes não pode ser aprovado de cruz. Tem repercussões importantes para o concelho do ponto de vista do ordenamento urbanístico, da salvaguarda do património e ambiental, do desenvolvimento económico.
Continua a acreditar nos amanhãs que cantam? Sim, é evidente. Mal de nós se desistíssemos.
Houve vários camaradas seus que foram desistindo ao longo dos tempos e mudaram para outros projectos políticos.
O processo histórico é assim mesmo.
Mantém o contacto com Luísa Mesquita ou houve um corte quando ela saiu do PCP? Tinha uma relação de amizade familiar com ela e com a família dela e continuamos a conversar. Não falamos mais porque nos encontramos poucas vezes. Uma coisa é a política, outra as relações pessoais. Mal de nós se as coisas não fossem assim na vida. Nunca se resolviam os problemas da guerra no mundo.
Por falar em guerra. A posição inicial do PCP sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia não pode ter tido custos eleitorais? Diria que, eventualmente, há um problema da mensagem e de que como a mensagem foi lida. Mais do que isso, o que entendemos como fundamental é a resolução do problema do conflito pela paz. Deste e dos outros que existem.
Reconhece que houve a invasão de um país soberano por outro? Essa é uma questão que podemos discutir. Depende das perspectivas que existirem. Os analistas têm posições diferentes quanto a isso.
Se os espanhóis entrassem por Elvas dentro estávamos a falar da invasão de um país soberano por outro? Sem dúvida que sim. E os militantes do PCP cá estariam para defender o território português.
Não acha que é um cenário similar ao que acontece na Ucrânia? Não creio. Há razões históricas que importa considerar. Mas o fundamental hoje é que sejam dados passos firmes para a paz, de um lado e do outro. E também na Palestina, em que é hediondo aquilo que se está a passar. Há também preocupações noutros territórios, como aquele arremedo de conflito entre Índia e Paquistão, duas potências nucleares.

José Rui Raposo defende que o PDM de Santarém não pode ser aprovado de cruz, criticando o curto espaço de tempo para o documento ser analisado - foto O MIRANTE

“A Feira do Ribatejo cá em cima era outra coisa”

Está aí mais uma Feira Nacional de Agricultura (FNA)/Feira do Ribatejo em Santarém. É visitante habitual do evento? Pontualmente. Quando era miúdo morava à entrada da feira e eram 15 dias na feira. Como muita gente, tive pena da mudança para o CNEMA. Cá em cima era outra coisa. Mas com as transformações que se verificaram sob todos os pontos de vista - tínhamos uma cidade muito mais pequena, havia muito menos automóveis -, diria que seria impossível expandir a feira cá em cima. Mas também é certo que a realidade da FNA alterou-se significativamente.
Agrada-lhe o actual modelo, com grande foco nos espectáculos musicais para atrair público? Acho que é a única forma de, hoje, feiras como esta serem rentáveis, até porque a nossa agricultura perdeu expressão com a Política Agrícola Comum. E o espaço do CNEMA tem que ser potenciado com outras iniciativas. Acho que a cidade ainda não conseguiu ultrapassar o divórcio. Existem lá outras feiras ou certames que a cidade quase não dá por eles.
A Câmara de Santarém, segunda maior accionista do Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas (CNEMA), devia ter mais peso na gestão do complexo? Acho que deve ter o peso correspondente ao investimento que faz.
Foi um erro político o município ter ficado em posição subalterna na estrutura accionista em relação à Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), quando foi criada a sociedade do CNEMA? São diversas as entidades que integram o capital do CNEMA. Acho que a preocupação da Câmara de Santarém, a colocar-se esse assunto na agenda da autarquia no próximo mandato, deve ser a de salvaguardar sempre o interesse do município, tendo em conta o estatuto que o CNEMA tem. É uma entidade privada em que a Câmara de Santarém participa.

Mobilidade é prioridade

A mobilidade é um tema caro a José Rui Raposo e uma das bandeiras da candidatura da CDU em Santarém. Com a redução de preço do passe ferroviário, o número de utentes do comboio aumentou exponencialmente nos últimos anos, nomeadamente entre Santarém e Lisboa, o que criou problemas de mobilidade e de estacionamento junto à estação. A câmara tem tomado medidas, como a ligação gratuita em autocarro entre a cidade e a estação na Ribeira de Santarém, que reputa de “eleitoralista” e com pouca adesão, porque “as coisas não foram pensadas de forma estrutural”. Antes de mais, diz, era preciso “educar as pessoas para o uso do transporte colectivo” rodoviário, que, em Santarém, considera não ser convidativo pelos circuitos, horários - nem sempre articulados com os dos comboios - e pela qualidade do material circulante.
Defende, por isso, um plano coordenador de transportes para o concelho, envolvendo o município e os operadores. Considera também que a empresa de transportes públicos rodoviários criada recentemente pela Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo pode ser importante para criar sinergias no sector. “A empresa intermunicipal tem que ser tão arrojada como foi a Carris Metropolitana, apesar de todos os defeitos de um processo que era novo e que tem vindo a ser corrigido”, advoga.

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