Entrevista | 29-06-2025 10:00

Gustavo Reis: o médico que adora pessoas e que tem orgulho em trabalhar no Ribatejo

Gustavo Reis: o médico que adora pessoas e que tem orgulho em trabalhar no Ribatejo
Gustavo Reis tem orgulho em trabalhar no Ribatejo  e considera-se um médico de proximidade - foto O MIRANTE

Gustavo Reis é médico há duas décadas e um profissional respeitado e acarinhado por todos os doentes e colegas de profissão. É director do Serviço de Pneumologia e do Departamento de Medicina da ULS da Lezíria e também exerce no sector privado. Nesta entrevista de O MIRANTE a preocupação foi conhecer o homem por trás da bata branca, os seus costumes, origens, propósitos e, sobretudo, as principais razões para estar, como afirma o próprio, de bem com a vida.

Gustavo Reis é um homem que gosta de pessoas, sendo esta a característica que melhor o define. Empático, enérgico e conversador nato, o director do Serviço de Pneumologia e do Departamento de Medicina da Unidade Local de Saúde da Lezíria, também a exercer no Hospital CUF Santarém e na clínica Affidea, afirma que nunca se sente a trabalhar, mas sim numa missão, a de dar mais qualidade de vida aos seus doentes. Médico há duas décadas, gosta de olhar para os pacientes olhos nos olhos e de compreender os seus problemas para além das suas competências técnicas. Habituado a gerir equipas, garante que o que gosta mesmo é de dar consultas porque é onde escuta as histórias de vida que também acabam por influenciar a sua.
Pai de dois filhos, o Vicente e o Vasco, é casado com Bárbara, também ela médica. Para Gustavo Reis a família é tudo e por isso tenta estar em casa todos os dias às 18h30 para passar bons momentos e desligar de um dia com cerca de 12 horas de trabalho. Sim, Gustavo Reis chega ao Hospital de Santarém por volta das sete da manhã e, entre gestão de recursos humanos e consultas, são poucos os momentos em que desliga. Nos tempos livres gosta de fazer windsurf, bricolage e de andar de bicicleta com os filhos. Diz que é preciso saber desacelerar para cumprir a 100% com as exigências da sua profissão.
A sua mãe é natural da Moita do Norte, na Barquinha, e o pai do Entroncamento. Viveu em Torres Novas até ter 18 anos, onde brincava nas ruas do seu bairro. “Tive a sorte de ser criado à antiga. A chave de casa estava na porta. Tinham de me chamar três vezes para ir jantar”, conta nesta entrevista realizada na redacção de O MIRANTE. Agora reside no centro histórico de Santarém, cidade e concelho por quem diz estar apaixonado. Talvez por isso tenha aceite o convite de João Teixeira Leite para fazer parte da lista à assembleia municipal anúncio que foi público na passada terça-feira, uma pessoa que o “fascina”.
Fez o curso de Medicina no Hospital de Santa Maria, trabalhou em Torres Novas, Abrantes, no Centro Hospitalar Barreiro/Montijo, até regressar a Santarém. Nesta conversa, reconhece que o grande problema do Serviço Nacional de Saúde (SNS) é a falta de recursos humanos e que as PPP são uma excelente solução para os principais problemas dos hospitais.

Quando vai ao médico é capaz de se distanciar do trabalho que o seu colega está a desempenhar? É muito difícil. Acho que não é numa perspectiva de avaliar, de perceber se o colega está a fazer bem ou mal. É mais numa perspectiva de não conseguir esquecer aquilo que sei. O meu cérebro está a dar-me inputs sobre aquilo que ele me está a perguntar e onde quer chegar. Por outro lado, também acho muito desafiante ver colegas. Tenho vários colegas que tiveram a bondade de me escolher para ser médico deles. Mas tenho sempre a perspectiva de que eles são mais velhos que eu e têm muito mais anos de medicina, muito mais prática, apesar de ser especialista na área. Não vou dizer que é constrangedor, mas é desafiante.
O que define um bom médico? É um tópico profundo. Um bom médico tem que ter, obviamente, um nível técnico bom, porque estamos a falar da saúde das pessoas e o razoável não serve. Depois tem que ser uma óptima pessoa. Estamos a definir aquilo que vai acontecer à pessoa nos próximos anos. Acho que para ser um bom médico tem que se gostar de pessoas. Adoro estar com os meus doentes.
A medicina é um trabalho? No meu ponto de vista não olho para a medicina como um trabalho. Imagine se acordasse todos os dias de manhã a pensar que tinha de ir para o trabalho e fazer 12 horas de serviço. No fundo estamos a cumprir uma missão que é tentar dar mais qualidade de vida às pessoas.
Considera-se um médico de proximidade? Falo com os doentes e muitos dizem-me directamente que gostam de mim porque lhes olho nos olhos e falo com eles de igual para igual. Acho que sempre houve médicos mais austeros, mais distantes. E sempre houve médicos de proximidade, o denominado João Semana.
Porque é que os novos médicos fogem das aldeias e das vilas do interior? O médico, quando acaba a sua formação, tem 31, 32 anos. Nessa altura, muitos, já compraram casa, têm namorada e uma vida a decorrer no sítio onde fez a especialidade. É muito difícil sair desse contexto, a não ser que seja da terra e queira voltar para a terra. Depois temos a questão da diferenciação, da quantidade de oportunidades. O que não quer dizer que não existam oportunidades na periferia, até porque há uma carência enorme.
Como é o seu dia de trabalho? É espectacular! Acordo normalmente às 06h15. Às 07h10 estou a entrar no Hospital de Santarém. De manhã faço hospital público e de tarde exerço actividade privada. Começo a organizar trabalho porque, como sou director de serviço, tenho que tratar da gestão da equipa, ver que doentes entraram, fazer a triagem dos pedidos que vieram dos médicos de família, etc. Depois tenho um período de consultas durante a manhã. Tenho outra parte da manhã que é dedicada ao internamento e depois ainda tenho outra parte que é dedicada à gestão, à direcção do departamento. Por volta das 14h00 começo a trabalhar no privado, até às 18h30. Faço questão de estar em casa por volta dessa hora porque tenho dois miúdos pequenos e isso para mim é tudo.
Dessa azáfama toda, o que mais gosta de fazer? Gosto muito de fazer consulta porque permite-me conhecer várias histórias de vida e aprender com elas. Adoro a parte da gestão, mas gerir equipas de trabalho é muito mais difícil do que ver doentes. Tenho duas décadas de serviço, já me aconteceu um pouco de tudo. Já fiz pré-hospitalar onde vi coisas que não passa pela cabeça de ninguém. Desde ir buscar um pai que ia com o filho, tiveram um acidente, e o filho morreu. São coisas do arco da velha que me deram uma noção da finitude da vida. Desde muito cedo que sei que a vida, às vezes, acaba de forma inesperada e que temos mesmo de aproveitar as pessoas e os momentos que temos.
Isso preparou-o para não se deixar afectar pelos dramas dos seus doentes? Não é bem assim. Muitas vezes estou em casa à noite e mando mensagem àquela pessoa que sei que teve um diagnóstico difícil a dizer que vamos conseguir. Tenho que lhe dar força, aquela esperança de levar as coisas para a frente. Se uma pessoa com uma doença grave desiste, morre num instante.

Falta de recursos humanos é a doença do SNS

Qual é a doença do SNS? O SNS é a maior mais-valia que conseguimos criar nas últimas décadas, mas como tudo precisa de evoluir, precisa de se reinventar. Neste momento a maior doença do SNS não são os equipamentos, mas sim os recursos humanos. É nesse aspecto que, no meu ponto de vista, não consegue competir com o privado. O SNS tem de apostar na diferenciação, uma vez que não tem a capacidade de pagar o que o privado paga. Há uns anos falava-se com um médico e ele dizia que nunca ia deixar o SNS porque era lá que via os casos graves e comprovava a diferenciação técnica. Hoje em dia o privado também tem isso, por isso precisamos de reinventar rapidamente o SNS.
Então os recursos humanos são a principal razão para assistirmos ao encerramento de serviços? Sim e acho que corremos o risco de ver um agravamento porque quem está neste momento a segurar o SNS são as gerações mais velhas que, por amor à camisola, se mantêm, muitos já com a idade da reforma. Depois há colegas muito mais novos, que acabam o internato, são especialistas e rapidamente se desviam a 100% para o privado. Não estão lá para manter as urgências abertas. Temos de conseguir captar os jovens. Vai ser muito difícil ter um médico que queira assinar 40 horas com o SNS.
Tem orgulho em ser um médico da região ribatejana? Tenho muito orgulho e sei que foi a decisão mais acertada da minha vida. Adoro viver em Santarém, adoro o Ribatejo. Percebo estas pessoas só de olhar para elas porque sou de cá. Há uma conexão. Quando estudei em Lisboa e fiz o internato na Grande Lisboa tinha alguma dificuldade em sentir as pessoas. Quando falo com os meus adoentes agora lembro-me dos vizinhos que moravam no meu bairro. Percebo a sua linguagem. Não tenho qualquer preconceito e até demonstro esse orgulho nos congressos onde vou. É importante devolvermos à nossa região aquilo que ela nos deu. Sou o Gustavo e quando sou apresentado num congresso nacional ou internacional tenho muito gosto que digam que venho do Hospital de Santarém porque é onde gosto de trabalhar.
Não há conflito de interesses em acumular funções públicas e privadas? Sou exactamente a mesma pessoa quando estou a trabalhar no Hospital de Santarém e quando estou a trabalhar na CUF Santarém ou na Affidea. Recebo os doentes com a mesma alegria e profissionalismo. O mais importante é servir a pessoa que temos à frente, independentemente de ser ela a pagadora directa, o seguro ou o Estado. Se o médico for honesto consegue ser isento.
As Parcerias Público Privadas nos hospitais são uma solução? São uma óptima solução. Acho que uma gestão privada de um hospital público é provavelmente o caminho que devemos considerar. Basta olhar para os exemplos de Braga e de Vila Franca de Xira. Enquanto foram PPP funcionaram bem, os doentes gostavam, tinham um óptimo atendimento. Tenho colegas que trabalham num e noutro e reconhecem que as coisas pioraram. Sou totalmente a favor das PPP e gostava muito que o Hospital de Santarém um dia pudesse ser gerido através desse modelo.
O burnout médico preocupa-o? É um assunto muito sério e cada vez mais frequente. Ao longo dos anos tenho visto vários colegas meus, pessoas com que lidava no dia a dia, a caírem às mãos do burnout. Sempre por excesso de trabalho, de exigência. Muitas vezes a tentarem fazer o impossível porque não há ninguém para fazer urgência. Um médico tem de saber desacelerar. Dormir bem é essencial. Em burnout as pessoas começam a dormir mal por causa da ansiedade e depois é uma bola de neve.
O aumento da esperança média de vida é mais um desafio para o SNS? Sem dúvida porque as pessoas vivem mais anos, portanto há maior probabilidade de aparecerem problemas de saúde. Somos um dos países com maior longevidade. Mas depois, quando olhamos para o número de anos que a pessoa vive com qualidade, não estamos assim tão bem. Precisamos de incutir hábitos de vida saudáveis para que as pessoas não vivam em sofrimento.

Gustavo Reis gostava que o Hospital de Santarém fosse gerido através de PPP - foto O MIRANTE

Problemas de sono podem ser fatais

Como e quando surgem os problemas de sono? O sono é uma epidemia. A exigência que colocamos no nosso dia-a-dia é brutal. E isso vai ter reflexo na qualidade do sono. Depois há outro problema enorme que é a obesidade e que se vai traduzir nas apneias de sono. Os problemas de sono podem ter consequências fatais. As pessoas que têm patologias do sono têm um risco acrescido de enfarte, de AVC, de arritmias. E depois temos os problemas neurocognitivos, por causa do sono fragmentado. Existe um défice crónico de sono e o cérebro não processa a informação. Da mesma forma aparecem alterações da memória. Há muitos estudos já que associam a patologia do sono, por exemplo, à demência precoce ou mesmo a uma maior dificuldade em curar a depressão.
Também há as consequências relacionais… Novamente, se estivermos a falar de apneia temos uma pessoa que ressona, que não deixa a outra dormir. Tenho muitos doentes a dormir em quartos separados. A libido é também muito afectada pela falta de sono. É interessante ver que muitas vezes recebemos doentes encaminhados, no caso dos homens, pela urologia, por disfunção eréctil.
É possível resolver definitivamente os problemas de sono? É possível, alguns têm cura. Outros têm tratamento. Às vezes as pessoas vêm à procura de uma cirurgia que lhes resolva o problema. Em muitos casos o problema passa por perder peso e nesse aspecto há muitas ferramentas que ajudam nesse propósito.
Ainda há pessoas a morrer por pneumonia? Sim, em Portugal continua a morrer-se por pneumonia. Os números andam à volta de oito a 10 pessoas por dia, em média. Existe vacina para isso e é importante. Há vacinas que são de toma única. Sobretudo pessoas acima dos 65 anos ou pessoas que têm doenças cardíacas, renais, crónicas, devem estar vacinadas.

Gustavo Reis caminhou pelas ruas do centro histórico de Santarém com o jornalista de O MIRANTE e durante o percurso foi abordado por várias pessoas, alguns pacientes, outros simplesmente amigos, que evidenciaram a personalidade consensual do médico especialista - foto O MIRANTE

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