Entrevista | 20-07-2025 15:00

Samuel Frazão: Alcanena precisa de se desenvolver mas sem esquecer as pessoas e a sua identidade

Samuel Frazão: Alcanena precisa de se desenvolver mas sem esquecer as pessoas e a sua identidade
Samuel Frazão, 38 anos, é natural de Monsanto e residente há mais de uma década em Alcanena - foto O MIRANTE

Samuel Frazão é o candidato socialista à presidência da Câmara de Alcanena que quer trazer frescura e competência ao partido que viu desaparecer do mapa figuras de referência no concelho assim que saiu do poder. A liderar a Junta de Monsanto há dois mandatos, defende que Alcanena precisa de crescer mas sem perder a sua identidade e sentimento de comunidade.

Há quase oito anos a presidir à Junta de Freguesia de Monsanto, Samuel Frazão podia ter-se mantido na zona de conforto e tentado a conquista de um terceiro mandato. Mas quis abraçar o desafio maior de ser o candidato socialista à presidência da Câmara de Alcanena com a missão de a reconquistar à coligação PSD/CDS-PP. O empresário de 38 anos, natural de Monsanto mas a residir em Alcanena há 13 anos, diz que é um político que nunca traiu a sua liberdade de pensamento para ir com o rebanho e que valoriza a proximidade com as pessoas. Algo que, critica, não tem sido apanágio do executivo de Rui Anastácio, um presidente que apelida de “autoritário”.
Questionado sobre se a política dá mais do que tira, o empresário licenciado em Química diz que “é uma balança difícil de equilibrar”, mas não tem dúvidas que “para quem trabalha em prol da sociedade tira mais do que dá”. Acredita que “há muito boa gente na política mas que também há pessoas que estão por oportunismo” e que “não se pode olhar para a política como um emprego mas como um contributo para a sociedade”. Foi isso, refere, que o fez candidatar-se pela primeira vez à freguesia onde, sublinha, deixou obra feita, desde a requalificação da Estrada 361, à creche, centro de dia e parque de autocaravanas. “Mas a obra mais importante que deixei foi um clima agregador e de tranquilidade”, diz.
Nesta conversa, que começou em Monsanto e terminou em Alcanena, o candidato define-se como “uma pessoa de trabalho, humilde mas com competência”. Pai de família, diz não querer que o concelho de Alcanena seja uma terra grande, mas um local agradável e acolhedor para se viver e ter um negócio. Músico por paixão, continua a tocar saxofone, sempre que pode, em bandas da região e nunca mudou de morada para poder votar em si próprio. Gosta de pessoas com sentimento de comunidade, não tolera egoísmo e arrogância e lamenta que na política se criem guerras em quatro anos que ficam para uma vida inteira, quando não se olha a meios para atingir os fins.

Porque decidiu avançar com uma candidatura à Câmara de Alcanena quando podia fazer mais um mandato na Junta de Monsanto? Tenho feito o melhor pela população de Monsanto, mas, reconhecendo que há trabalho positivo deste executivo, há questões que me fizeram avançar, nomeadamente a nível social, da proximidade, a nível da relação com as pessoas. Muita gente me pressionou para avançar para uma candidatura à Câmara Municipal de Alcanena.
O que pode trazer de diferente para o concelho de Alcanena? Consigo aliar a competência, ou seja, consigo trazer investimento, inovação, capacidade de trabalho, mas também fazer isso junto com as pessoas. Gosto de estar com as pessoas. Sempre fui uma pessoa de colectividades, músico também, e para mim as pessoas nunca foram um problema. Sempre me senti confortável junto das pessoas, independentemente da idade, dos credos, das habilitações literárias. Pretendo continuar o trabalho que se tem feito, o que está bem feito, melhorar noutros níveis, nomeadamente a nível social, de desenvolvimento de todo o território, ajudando também as freguesias que têm sido esquecidas, em particular nestes últimos quatro anos.
Considera que este executivo tem descurado a proximidade com a população? Não vou fazer campanha para falar mal de ninguém. Vou sim apresentar propostas alternativas e espero contribuir para um debate político agradável entre todos. Mas há perfis que nascem com as pessoas e eu tenho claramente um perfil diferente do perfil do actual presidente de câmara.
Aconselhou-se com a última presidente da Câmara de Alcanena eleita pelo PS, Fernanda Asseiceira, sobre esta candidatura? Para ser honesto, não. Tenho muito respeito pela Fernanda, mas desligou-se das lides políticas. Talvez pelo cansaço e alguma falta de reconhecimento pelo trabalho que fez.
Não foi só a ex-presidente a desaparecer do mapa. O PS já foi acusado de não ter voz activa na gestão da autarquia. Não concordo. Temos tido sempre participação nas reuniões de câmara, a equipa de vereadores tem feito um trabalho muito digno nestes quatro anos e na assembleia municipal também temos sido muito participativos, colaborantes quando é necessário. Este executivo manteve aquilo que estava bem, mas não tem receio de criar litígios. E tem criado, quando algumas situações podiam ser geridas de forma diferente. Falta ouvir as pessoas...
Numa tentativa de se procurar uma solução mais pacífica? Exactamente. Mas voltando atrás: depois de 12 anos de poder e quando sai toda uma estrutura não é fácil. Ou seja, o candidato à câmara saiu, a Fernanda [Asseiciera] saiu, os vereadores também saíram. É um trabalho difícil.
E que dificulta o caminho a esta candidatura? São as adversidades que nos fazem mais fortes. Sou uma pessoa de garra, persistente e lutadora e que olha para esta candidatura como um desafio. Seria mais fácil ficar na zona de conforto, manter-me na Junta de Monsanto, mas não conseguia ver uma recandidatura do Rui Anastácio sem uma alternativa forte. Senti necessidade de criar uma equipa para apresentarmos uma alternativa na qual as pessoas se revejam, na qual exista competência, outras pessoas a aparecer. Não vale a pena queremos ser grandes se não trazemos as pessoas atrás.
A forma como o actual presidente lidou com o caso de legionella numa escola, ocultando-o, demonstra que é pouco adepto do escrutínio e da transparência? Podemos ir por aí. Normalmente, na política às coisas boas faz-se muita publicidade e em Alcanena tem-se sabido comunicar o que é bom. Mas o que não é bom mete-se para debaixo do tapete. [Rui Anastácio] Apresenta sempre algum desconforto, até do ponto de vista crítico, quando a situação não é agradável para o executivo.
E não é assim que, na sua opinião, deve agir um autarca. Um autarca deve agir de forma aberta. Quando corre mal, corre mal. Há que ter a humildade de reconhecer. Que beneficiou este executivo. Claramente. A Estratégia Local de Habitação (ELH), por exemplo, estava aprovada desde 2020 e tem sido a grande propaganda deste executivo que está a potenciar a questão do investimento. Mas há que ter também noção que era dos únicos concelhos do distrito que tinha ELH preparada, com as casas identificadas e tudo sinalizado. Se há dinheiro para a executar foi fruto do planeamento deixado pelo Partido Socialista.

“Quero um concelho com vida que valorize as pessoas que cá estão”

Votou contra o regulamento para atribuição de casas a custos acessíveis, porquê? Votei e fui chamado de demagogo pelo presidente de câmara. Mas vou fazer todos os possíveis para arranjar uma forma de alterar esse regulamento, para que as pessoas que residem no concelho tenham uma majoração face às outras, porque actualmente não é isso que acontece. Uma pessoa de Lisboa ou do Porto tem exactamente a mesma vantagem de concorrer, nos mesmos critérios, face a uma pessoa do concelho de Alcanena. Isso não é justo para quem cá vive e quer criar família.
Portanto, se for eleito presidente de câmara apostaria numa alteração ao regulamento? Vou fazer todos os possíveis porque com 200 casas não quero criar um dormitório em Alcanena, o que quero é criar um concelho com vida que valorize as pessoas que cá estão. Elas não podem só ser úteis para o voto. Nesta primeira entrega de seis casas [com renda acessível] há pessoas do concelho que ficaram para trás face a pessoas que não são do concelho.
Neste concelho 65% da população não tem médico de família. O Bata Branca é uma solução confortável para o problema? Um autarca tem de ouvir as pessoas e ler indicadores. E o indicador diz-nos que não está a resultar a estratégia. Não concordo que se junte tudo em Alcanena e Minde. Acho que se deve fazer o contrário, parcerias privadas em que os médicos e especialistas vão aos territórios mais isolados. E aí aproveitam--se espaços que já temos. Por exemplo, Monsanto e Serra de Santo António têm extensões de saúde que não estão a funcionar. Monsanto tem uma clínica privada que dá uma excelente resposta. Porque não procurar solução com os parceiros que temos no concelho para tentar ir buscar uma maior capacidade de resposta?
Pagar a quem está no privado para prestar serviços? Exactamente. Por um valor simbólico, fazer uma parceria de prestação de serviço no público para as pessoas terem, acima de tudo, alguém que as ajude porque há muita gente que, infelizmente, não tem essa possibilidade de pagar ao privado. E depois sentem distanciamento. Foi prometido abrir uma extensão de saúde no Espinheiro para efeitos eleitoralistas.
A política ainda se faz de muitas promessas vãs? Faz e as pessoas estão cansadas disso. Não temos de prometer, temos é de ter uma justificação. Todos os anos, na freguesia de Monsanto, vou a casa das pessoas falar com elas, porque se há algo que nunca quis foi que me acusassem de só lhes bater à porta de quatro em quatro anos.
Se for presidente de câmara, acredita que conseguirá fazer o mesmo? A dimensão será outra. Acredito que seja possível. Se durante a campanha eleitoral é possível, porque é que não o é no resto dos anos? Falar com as pessoas, ver o que está bem, o que é que se pode melhorar, ouvir sugestões, ouvir críticas, que também faz parte.
O que faz com as reclamações que ouve? Se há coisa de que não me esqueço é quando as pessoas me pedem ajuda. Procuro ajudar o mais rápido possível. É defeito meu, não consigo lidar com uma reclamação e virar as costas.
A medida de incentivo à natalidade que implementou surtiu algum efeito? Não é pelos 250 euros que as pessoas fazem filhos, mas é uma medida de proximidade. Monsanto, há oito anos, não tinha praticamente crianças e hoje é o jardim escola com mais crianças e temos uma taxa de nascimentos bastante elevada. Isto tudo prende-se também com a oferta de habitação e o ambiente que se vive.
Ainda é possível salvar as freguesias rurais do envelhecimento e desertificação? Tem de ser. Temos de criar condições para que as pessoas vejam que é bom viver nas freguesias mais pequenas e tudo se resume a acessibilidades e serviços. Não se pode é tirar tudo, não é? Quando se fecham escolas, por exemplo, é ir no sentido contrário. As localidades mais pequenas têm de sentir que têm oportunidades de se desenvolverem. É preciso fazer obras de referência nessas freguesias.
Que lição retira após dois mandatos a presidir uma junta de freguesia? Que as pessoas têm muito valor e que não se consegue fazer nada sozinho. Podemos ter muita obra feita, mas sem a parte humana, o seu valor social, não criamos identidade, não criamos um espírito de comunidade e também não ganhamos um município onde seja bom viver.

Samuel Frazão é empresário nas áreas da consultoria e auditoria de gestão de organizações e empresas  - foto O MIRANTE

A indústria vai ter de se reinventar

No anúncio da candidatura propõe--se a manter e melhorar projectos em curso. Uma frase que dá uma ideia de continuidade e não de contrapoder. Não há nada para fazer que não esteja ser feito? Há muito a fazer por Alcanena, mas também há que reconhecer que há coisas bem feitas e não tenho vergonha de o dizer. Há que continuar esse caminho, porque é um erro romper sempre, de quatro em quatro anos, com o passado. Há que valorizar o passado.
Por falar no sector industrial há aqui um, o dos curtumes, que tem sido problemático. Uma vez que vem de uma família ligada a esse sector tem alguma ideia de como é que se resolve de vez o problema dos maus cheiros? Estive numa sessão onde se falou que a tendência vai ser acabar com os maus cheiros, porque a própria indústria vai ter de se reinventar e há certos produtos que já não podem ser utilizados nem são aceites pelo público. A questão ambiental, das alterações climáticas é cada vez mais importante para todos os sectores e o dos curtumes tem de se saber reinventar. E porque não nós, juntamente com o Centro Tecnológico das Indústrias do Couro, não reinventarmos também com os jovens este sector? Em conjunto, ou seja, não criando divisões com o sector, ouvindo e percebendo quais são as necessidades. Precisamos dos curtumes, mas de curtumes sustentáveis. Não podemos meter uma cruz e acho que o município nestes últimos quatro anos entrou bem, mas depois começou a cortar.
Foi metida uma cruz neste sector? Não digo uma cruz, mas começou-se a procurar outros tipos de investimento. Não discordo. No entanto, não há que descurar o bom que nós temos e as nossas raízes, que também são os curtumes. Ter indústria de curtumes de forma sustentável é uma possibilidade no concelho de Alcanena, ouvindo quem sabe do tema e integrá-los num projecto agregador.
Não será difícil haver essa abertura por parte de uma indústria com práticas tão enraizadas? É aí que podemos fazer diferença, porque o Rui Anastácio é uma pessoa com um perfil autoritário e eu sou uma pessoa de negócios, que defende que um bom acordo tem de ser bom para as duas partes. É isso que o município tem de fazer com todos os sectores e a população. Temos de conversar. O presidente da câmara tem de ser humilde e ouvir.
A Zona Industrial de Minde foi e continua a ser um fracasso mesmo depois de se ter baixado o preço por parcela para o valor mínimo de 2 euros por metro quadrado. Tem alguma estratégia para a revitalizar? O preço do metro quadrado é praticamente nulo e mesmo assim não tem ido para lá ninguém. Por isso é que temos de olhar para os territórios e ver o que podem dar. Minde transmite qualidade de vida em termos ambientais. Passam lá milhares de peregrinos, tem sector têxtil, tem áreas para o turismo pedestre, de natureza, e, por isso, o tipo de negócios que se implementem ali tem de estar relacionado com a cultura daquela gente.
É possível travar o avanço de Linha de Muito Alta Tensão Lavos-Rio Maior ou a contestação da população e assembleia municipal vão dar numa mão cheia de nada? Acho que ainda não se fez tudo. Sei que se está a trabalhar, que a assembleia municipal, de forma unânime, está a dar também esse apoio ao município. Mas não sei se, à data de hoje, já foi feita a providência cautelar e a questão das assinaturas para ser ouvido no Parlamento. Sabemos que vai ser uma inevitabilidade a linha de muito alta tensão passar pelo município, mas que passe numa zona que não tenha impacto. Tem de haver uma solidariedade colectiva para proteger as pessoas de freguesias pequenas e de locais pequenos, porque somos todos iguais. Um munícipe do Casal Saramago tem o mesmo valor que um de Minde ou Alcanena.
A nível de turismo como é que este concelho pode crescer? Temos a praia fluvial dos Olhos de Água, que recebeu este ano a Bandeira Azul, um trabalho que já vem de trás e que tem um potencial tremendo. A praia é um dos nossos ex-líbris mas falta melhorá-la em termos de acessibilidade também para as pessoas mais velhas. A nossa ideia é apresentar um projecto diferenciador para melhorar a acessibilidade, a praia, a segurança e a própria imagem, ou seja, as toponímicas. Tem de haver uma postura mais forte para que seja um espaço com que as famílias se identifiquem.
Além da praia, há outras apostas? A nível religioso, por exemplo. Passam muitas pessoas associadas aos caminhos de Fátima e de Santiago, mas isso tem de ser visto numa estratégia conjunta do Parque Natural. Há um programa de financiamento para isso e existe uma estrutura agregadora entre os municípios, para não haver guerras, porque todos ficam a ganhar se houver promoção. Temos um potencial enorme nesta área e há evidências de que tem havido investimentos privados significativos e é uma das coisas que vou tentar melhorar.

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