Susana Cruz: a força tranquila e discreta da cultura em Coruche

Susana Cruz conhece Coruche de dentro para fora, como quem viveu cada etapa do território. Cresceu na Branca, saiu para estudar e voltou com ferramentas para transformar. É hoje vereadora da cultura, do turismo e do desenvolvimento económico, mas antes disso já tinha sido técnica de planeamento estratégico, autarca na freguesia natal e rosto de uma geração que aprendeu a não esperar por oportunidades, criando-as. O seu percurso entrelaça o lado técnico com o político, o institucional com o comunitário, e é essa visão plural que transporta para a vereação. Nesta entrevista, Susana Cruz, que está de saída do cargo de vereadora, fala sobre os desafios da cultura e do turismo num território com uma localização entre o Alentejo e o Ribatejo.
De técnica da câmara a vereadora. Que balanço faz deste percurso? Sente que foi fácil despir a camisola de funcionária? Sinto-me satisfeita com esse percurso e orgulhosa do contributo que tenho dado à autarquia e à minha terra. Sempre encarei este trabalho com sentido de missão, com dedicação, e tenho investido o meu tempo e empenho tanto como técnica como vereadora. É verdade que não é fácil desligarmo-nos da camisola. A pessoa é a mesma, independentemente do cargo que se ocupa. Tenho a humildade suficiente para distinguir as funções e manter a mesma atitude, quer numa situação, quer noutra. Claro que o cargo de vereadora traz responsabilidades diferentes das de técnica, mas sempre assumi cada função com grande empenho e sentido de responsabilidade.
O pelouro da cultura e do turismo não tem o palco que outros domínios têm? Todas as áreas são importantes e fazem parte das competências da câmara municipal. Não se trata de ter palco ou não, cada área tem a sua relevância. É verdade que os cidadãos se preocupam bastante com a qualidade de vida, com aquelas questões mais visíveis, como as obras, os passeios, o problema da sua rua. Mas pelouros como a cultura, o turismo, o desenvolvimento económico e a comunicação também têm um grande impacto na sociedade.
É conhecida pelo trabalho nos bastidores. Sente-se confortável nesse papel? Sinto-me confortável no papel mais discreto, nos bastidores. É preciso muito planeamento e preparação para que as coisas corram bem, e alguém tem de o fazer. Essa é a minha forma de estar. Sou uma pessoa de fazer, de acção e o resto vem por acréscimo.
Há quem diga que nunca houve uma equipa tão coesa na cultura como a que lidera. Fico feliz por ouvir isso. Para se construir uma equipa assim é preciso acreditar nas pessoas e no potencial de cada um. Gosto de dar oportunidades e incentivo a todos. É assim que se constrói uma equipa.
A política é um meio onde ainda domina o sexo masculino. Sendo mulher, sentiu que o julgamento sobre si foi mais exigente? Sinto que as coisas têm vindo a mudar. Nunca senti discriminação. Sempre me senti bem integrada desde que entrei no município. A conciliação entre a vida pessoal e profissional ainda é sempre mais exigente para a mulher do que para o homem. Tenho uma filha e, sem o apoio dos meus pais, não conseguiria dedicar-me de corpo e alma a esta função.
Há dinheiro que falta ou dinheiro mal usado nos grupos culturais? Pode dar exemplos? Sabemos que muitas associações vivem com recursos mínimos. O município tem um papel fundamental. Cresci no seio do movimento associativo e sei que o sucesso das associações depende do trabalho e da dedicação de todos. Não se pode criar uma associação com a ideia de viver apenas dos subsídios da câmara ou da junta. É preciso muito voluntariado, carolice e espírito de missão.
O movimento cultural em Coruche está em declínio? O movimento cultural tem mantido alguma vitalidade. Temos dez grupos folclóricos, quatro deles federados, que continuam a desempenhar um papel fundamental nas suas terras. São também uma alternativa para muitos jovens que, de outra forma, não teriam tantas oportunidades. Na sede de concelho temos outras associações relevantes, não se pode dizer que estamos em crise.
Coruche está entre o Ribatejo e o Alentejo. Em que lado se sente mais? Sinto-me de Coruche. Temos alma ribatejana, perfeitamente vincada, mas também temos grandes laços com o Alentejo. Muitos dos nossos vizinhos pertencem ao Alentejo e temos projectos comuns, como o PROVERE - Montado de Sobro e Cortiça, que me é especialmente querido. Estamos no melhor de dois mundos. Mas somos ribatejanos e assumimos isso de alma e coração.
As grandes empresas deviam apoiar mais o associativismo? Os grandes grupos apoiam pouco a vida associativa local. O Grupo Amorim está no concelho, mas pouco ou nada se vê no apoio às colectividades. Há mais casos assim? É como tudo… As empresas com grande dimensão estão num nível que, por vezes, têm dificuldade de descer cá abaixo. A experiência que tenho tido a nível institucional não é má. Mas reconheço com a política dos grandes grupos económicos não é a mesma dos grupos pequenos e de proximidade.
A hotelaria é o calcanhar de Aquiles de Coruche? Diria que continua a ser o ponto fraco. Ainda recentemente, com a realização do Festival Terras Sem Sombra, e também de uma prova de todo-o-terreno no Couço, todos os alojamentos estavam lotados. Fiz várias chamadas para unidades hoteleiras e alojamentos locais, e confirmei isso. Não é por acaso que o município tem já identificado um terreno para a instalação de um novo empreendimento hoteleiro, assunto que já foi a reunião de câmara. Queremos que Coruche continue a crescer. Há projectos turísticos importantes como a praia fluvial, o futuro Centro de Interpretação Ambiental na Herdade dos Concelhos, uma rede de percursos pedestres em todas as freguesias, e uma forte ligação à natureza, ao montado, ao rio. Coruche tem uma localização privilegiada, muito perto de Lisboa, e um património natural e histórico riquíssimo. Por isso, precisamos de uma resposta em termos de hotelaria com outra escala e qualidade.
O que tem ficado por fazer? Um dos projectos a que me dediquei com especial atenção nos dois últimos anos foi o Centro Cultural de Coruche. É um equipamento de excelência, do ponto de vista arquitectónico e funcional, que irá dar resposta às necessidades culturais das associações, mas também permitirá acolher determinados espectáculos, que actualmente não conseguimos receber por falta de condições. O projecto está concluído e pronto a ser desenvolvido. Espero sinceramente que, quem vier a seguir, tenha a vontade de o implementar.
Se tivesse de escolher um evento como bandeira do seu trabalho, qual seria? Seria, sem dúvida, o Plano Anual de Eventos do Município. É a nossa imagem de marca. A área da juventude foi uma prioridade. Para além disso, mantivemos os grandes eventos gastronómicos e continuámos a organizar a FICOR, que acompanho desde a primeira edição.
E quem é a Susana Cruz longe da vereação ou da autarquia? A verdade é que, nestes últimos anos, a minha vida tem estado totalmente dedicada a este projecto municipal. Venho da área da economia e do desenvolvimento regional e sempre acreditei no desenvolvimento do território, da minha terra e do meu concelho. Tenho-me dedicado de corpo e alma a este desafio. Para além disso sou mãe e gostaria de ter mais tempo para fazer outras coisas. Não podemos viver fechados no nosso mundo. Conhecer outras soluções e inspirações é essencial.
Com raízes na Branca e olhos no futuro de Coruche
Susana Gaspar Ribeiro da Cruz nasceu a 18 de Outubro de 1976, na freguesia da Branca, Coruche, onde desde cedo se envolveu na vida da sua localidade natal. Integrou o Rancho Folclórico, Recreativo e Cultural da Branca, participando activamente na dinamização e nos órgãos sociais. Nunca estudou em Coruche, pois com 12 anos prosseguiu a etapa escolar em Santarém. Ingressou na Universidade de Évora, onde se licenciou em Economia com especialização em Desenvolvimento Regional.
Trabalhou uma década no sector privado, sobretudo a sul do Tejo, em consultoria empresarial e projectos de investimento ligados ao comércio local e centros históricos em cidades como Beja, Albufeira, Lagos e Setúbal. Integrou a Câmara de Coruche como técnica superior em 2010, coordenando o programa PROVERE “O Montado de Sobro e Cortiça”, tendo depois liderado a Divisão de Planeamento Estratégico. É membro da Ordem dos Economistas e da Ordem dos Contabilistas Certificados.
Com percurso político iniciado em 1997 na Assembleia de Freguesia da Branca, foi presidente da mesma entre 2009 e 2021, tendo desempenhado também funções como secretária de um vereador e adjunta do presidente da câmara. Desde 2021 é vereadora a tempo inteiro eleita pelo PS, com pelouros nas áreas da economia, turismo, cultura, imprensa e relações públicas. Tem 48 anos, uma filha e esteve ligada a instituições sociais da sua freguesia natal, como o Ninho de Esperança - Associação de Solidariedade Social da Branca, integrando os corpos sociais.