Entrevista | 23-08-2025 15:00

Filipa Fernandes: a autarca de Tomar que não se rendeu quando estava desempregada, grávida e a viver em casa da mãe

Filipa Fernandes: a autarca de Tomar que não se rendeu quando estava desempregada, grávida e a viver em casa da mãe
Filipa Fernandes é vice-presidente e vereadora com pelouros como o turismo e cultura, e  educação, intervenção social e ambiente na Câmara de Tomar  - foto O MIRANTE

Filipa Fernandes tem uma história de vida com altos e baixos, mas nunca perdeu o sorriso, nem mesmo quando ficou desempregada durante a primeira gravidez e foi obrigada a voltar para casa da mãe com um filho pequeno. Bateu a muitas portas, levou com outras tantas na cara, mas nunca desistiu. Esta é uma entrevista de vida a uma mulher que se tornou um dos principais rostos do desenvolvimento cultural e turístico do concelho de Tomar.

Quando se fala de Filipa Fernandes é obrigatório utilizar palavras como empatia, proximidade, alegria e confiança. Toda a sua carreira é pautada pelo envolvimento em projectos sociais e equipas de voluntariado no trabalho directo com pessoas sem-abrigo, toxicodependência e prostituição. No início da sua carreira, integrou durante quatro anos uma equipa de intervenção social no Programa Integrado de Educação e Formação (PIEF) nas escolas da Chamusca e Torres Novas, onde o principal objectivo era o combate ao abandono escolar.
Entretanto fez parte dos Serviços de Educação e Animação do Convento de Cristo, onde foi mentora e coordenadora do projecto Feira da Laranja Conventual, uma iniciativa que decorre todos os anos nos claustros do Convento e que envolve várias associações locais. Filipa Fernandes conta, nesta entrevista, que olhava para as laranjas desperdiçadas no chão do exterior do Convento e pensou que tinha de fazer alguma coisa para as aproveitar.
Entretanto, ficou desempregada, grávida, e foi obrigada a voltar para casa da mãe com o filho pequeno. A O MIRANTE partilha que esteve perto de pedir o RSI até que as portas da Junta Urbana de Tomar se abriram. Esteve lá quatro anos onde implementou projectos de campos de férias, organização de eventos culturais, trabalho educativo, entre outros. Até que, em 2017, foi convidada para integrar a equipa de Anabela Freitas no executivo municipal, onde está há oito anos como vereadora.
Mulher do associativismo foi durante vários anos presidente da associação mais antiga do concelho de Tomar, a Sociedade Banda Republicana Marcial Nabantina. Filipa Fernandes abre o livro nesta entrevista e partilha com O MIRANTE os momentos mais marcantes da sua vida, os sacrifícios que faz diariamente, a importância da sua família, e o momento doloroso que passou com a morte da sua maior referência, a mãe.
Mãe de dois filhos, Filipa Fernandes considera-se uma mulher de desafios, de superação, que procura alimentar o seu espírito criativo com novos projectos que contribuam para o desenvolvimento do território de Tomar, concelho que diz ter a cidade monumento da região ribatejana.

Já a vi bocejar e ainda não começamos a conversa. O trabalho político cansa? Desgasta muito. Ainda a noite passada estive até às tantas em reuniões. Depois fui deitar-me a pensar em soluções. Mas quem está na política não pode estar de outra forma. Tem de ser por inteiro, mesmo que isso exija sacrificar o nosso tempo com quem mais gostamos. Se por um lado desgasta, por outro lado também motiva, porque vemos as coisas a acontecer.
A família não se zanga por ficar muitas vezes em segundo plano? Tenho dois filhos, o João Henrique e a Maria Carolina, e o mais velho ainda no outro dia me disse que se há coisa que nunca vai fazer na vida é política. São sete dias por semana e o telefone sempre ligado. Procuro estar com eles com o máximo de qualidade possível, já que a quantidade é pouca. Quando estamos juntos, estamos mesmo em família. Na hora da refeição não há televisão, não há telemóveis. Tenho sorte do meu companheiro saber o que esta vida implica. Ele já foi vereador, embora por um partido diferente do meu.
Não há provocações? É até muito giro e benéfico. Primeiro há muito respeito e consideração. Depois é cada vez mais importante estar junto de quem pensa diferente de nós. Senão, não evoluímos. O António Jorge é mais conservador, eu sou mais liberal. Ele é do Benfica e eu sou do Sporting. Em alguns casos os opostos atraem-se mesmo (risos).
O que mudou em si nos últimos oito anos? Ganhei maturidade e experiência. Continuo a gostar de abraçar as pessoas. O abraço é dos gestos mais bonitos que existem. Também ganhei mais cultura geral. Nunca fui uma pessoa ligada à política, confesso. Mas adorava trabalhar com projectos para a comunidade. Estava na área de intervenção social, nos PIEF, e adorava trabalhar com os miúdos. Trabalhei vários anos na Chamusca e em Torres Novas, no Programa de Combate ao Abandono Escolar. Entretanto houve uma reestruturação e fiquei desempregada.
Foi um murro no estômago? Foi duríssimo, talvez dos piores períodos da minha vida. O meu filho tinha acabado de nascer e eu desempregada. Andei a bater a todas as portas a entregar currículos. Ninguém me deu trabalho. Estávamos a viver a crise de 2012. Estive muito perto de pedir o RSI (Rendimento Social de Inserção). Nessa altura voltei para casa da minha mãe.
Quando é que voltou a respirar de alívio? Quando bati à porta da Junta Urbana e disse que queria falar com o presidente Augusto Barros, sem explicar o motivo, senão não me deixavam entrar sem mais nem menos. Disse que era pessoal e fui recebida. Tivemos uma longa conversa, expliquei-lhe quais eram as minhas competências e ideias que podia pôr em prática na cidade. Ele olhou para mim e disse que ficava comigo. Nem queria acreditar. Acabei por ficar na junta quatro anos.
O que destaca desse tempo? Criei o Junta Anima e desenvolvi projectos na área da Educação e Cultura. Mas o que destaco mesmo é que aprendi que nunca devemos baixar os braços perante as adversidades. Ao fim de quatro anos na junta, a presidente Anabela Freitas convidou-me para fazer parte da equipa dela. Na altura até tive convite de vários partidos, mas estava a gostar do trabalho que a Anabela estava a realizar.
Há outros momentos marcantes? A classificação da Festa dos Tabuleiros a Património Cultural Imaterial Nacional. Foi uma vitória muito grande e fico muito feliz por ter feito parte da coordenação. Foi trabalho de muita gente e muitas horas de dedicação. As lágrimas caíram-me. É a nossa festa maior.

Uma pessoa exigente e perfeccionista

Ganhou ou perdeu com a política? Não lhe sei responder ainda honestamente. A política está mal vista e é muito difícil lidar com os ataques gratuitos que recebemos. Tenho sentimentos, filhos e uma família que vê tudo. O meu filho, por exemplo, já tem idade para ter redes sociais e sofre com algumas coisas que vai lendo. Há muita falta de respeito e consideração. Mas é verdade que há boa gente na política que paga pelo mau trabalho de outras pessoas que se aproveitam da política por interesses.
Ser mulher na política é mais difícil? A presidente Anabela, recordo-me, recebeu comentários negativos pela forma como se vestia, ou porque a mala não combinava com os sapatos, ou porque não podia estar de copo de vinho na mão porque é mulher. É uma barreira que ainda temos que ir quebrando. Mas para mim dá-me igual ao litro. A competência tanto está num homem como numa mulher. A Patrícia Sampaio é o melhor exemplo de que o judo não é só para homens. Ela é a melhor do mundo. Não sou feminista, no sentido fundamentalista, mas claro que acho que se deve investir mais em políticas de igualdade.
Como é a Filipa com os azeites? Sou uma pessoa exigente e perfeccionista. Dizem que sou a vereadora mais exigente. Mas quando vejo que algo está mal nunca chamo ninguém à atenção em público. Normalmente estou com um sorriso, mas também há o outro lado da Filipa, principalmente quando as coisas são mal feitas por preguiça ou falta de vontade.
Como gosta de ser tratada na rua? Tem alguma alcunha? Gosto de ser tratada por Filipa. A minha irmã colocou--me uma alcunha quando era pequena: “pitchula”. Foi por causa dos Mamonas Assassinas. Quem me conhece há muitos anos sabe dessa alcunha. De vez em quando ainda me chamam, mas muito residualmente.
É mais difícil lidar com o presidente Hugo Cristóvão ou com a Anabela Freitas? São muito diferentes. Respeito muito a Anabela, é uma mulher com um M grande. Estive para desistir no meu primeiro mandato, mas ela segurou-me. Eu disse-lhe que não tinha perfil para a política e ela respondeu-me que se quisesse políticos com ela que os tinha ido buscar. Isso deu-me muita confiança. O Hugo é um homem de trabalho com quem tenho muita cumplicidade. Estamos juntos há muito tempo. Às vezes discutimos muito por termos visões diferentes e ele recebe as opiniões de uma forma muito natural. Só desta forma se pode servir a causa pública.

Filipa Fernandes esteve na coordenação da candidatura da Festa dos Tabuleiros a Património Cultural Imaterial Nacional  - foto O MIRANTE

A cidade monumento e a importância do associativismo em Tomar

Conhece os principais desafios de ser autarca em Tomar? É conseguir estar sempre próximo das pessoas e perceber qual é o verdadeiro interesse da população para o seu território. Em termos objectivos sabíamos que tínhamos de dar um impulso no turismo. Hoje Tomar é uma referência nacional e internacional. Melhoramos em muitos capítulos, mas é certo que ainda há muito para fazer.
Como por exemplo na cultura? Exactamente. A nossa dinâmica cultural cresceu muito e ainda bem, porque a dinâmica recreativa atrai não só visitantes, mas também fixa pessoas. No fundo, hoje somos um território de bem--estar a todos os níveis e durante todo o ano. Viver em Tomar é só vantagens. Há excelentes acessibilidades, temos um rio único, há turismo de várias modalidades. Gosto de viver em Tomar porque não preciso de sair daqui para experienciar de tudo um pouco.
Tomar é a cidade monumento da nossa região? Não tenho dúvidas que sim. Temos o nosso património da humanidade, o Convento de Cristo, a grande marca dos Templários. Temos a Igreja de Santa Maria dos Olivais, a sinagoga mais antiga de Portugal também aqui está. Temos o Núcleo de Arte Contemporânea. Diria que Tomar demorou a ter o posicionamento actual no mercado turístico.
O Convento de Cristo tem meio milhão de visitantes por ano. Como é que um espaço destes começa a fechar portas às 17h30? A verdade é que a gestão do Convento não está sob a tutela da câmara. O que lhe posso dizer, relativamente a outros espaços, é que é difícil gerir os recursos humanos. Horários alargados implica mais recursos humanos e não é fácil arranjar pessoas. Mas admito que também possa ser uma questão cultural. Agora existe o projecto da Fábrica das Artes, no edifício da Moagem, onde são os próprios artistas a assegurar os horários. Isso permite que esteja aberto até mais tarde.
O associativismo é importante porquê? Porque são as associações que dão vida aos territórios. Em Tomar o associativismo cresceu muito na área juvenil. Não tínhamos associações juvenis e começámos a apostar nessa área para termos um concelho activo. Acima de tudo é muito importante envolver as associações e os jovens nos projectos da câmara. Isso faz com que se fortaleçam e fiquem mais capacitados para a sua acção. Um bom exemplo disso é a Festa Templária, que é feita com um grupo de associações em conjunto com a câmara.

“As pessoas que amamos só morrem quando também morremos”

Tem orgulho nas suas origens? Muito orgulho porque tive uma infância e adolescência cheia. Nasci em Santarém. O meu pai e a minha mãe separaram-se pouco depois de ter nascido. Entretanto a minha mãe foi para a Guarda e nós, eu e as minhas duas irmãs, fomos com ela. A minha mãe trabalhava na Judiciária e acabou por vir para Tomar trabalhar. Ainda estava no jardim-de-infância. Fiz toda a escolaridade aqui, fiz parte do secundário em Lisboa e fui fazer a universidade em Coimbra. Ainda há pouco disse que o momento mais difícil da minha vida foi quando fiquei desempregada. Mas não foi.
Quer partilhar qual foi? Foi a morte da minha mãe. Estávamos na altura da Covid-19. Foi o pior momento da minha vida. Tínhamos uma ligação única e uma relação muito próxima. Ela estava em casa e nós estávamos proibidos de estar com ela. Então ela ia à janela e cumprimentávamo-nos. Fazer o luto foi muito difícil, ainda é. O meu filho era muito apegado à avó. Estavam sempre juntos.
A vida continua… As pessoas que amamos só morrem quando nós também morremos. A minha mãe está muito presente em mim e acredito que ela me acompanha nas decisões que tomo. Continua a ser a minha grande referência.

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