José Paulo Duarte: do primeiro camião do pai a um império sobre rodas

José Paulo Duarte nasceu em Torres Vedras, onde o pai fundou em 1946 a transportadora que hoje é uma referência nacional. Cresceu entre o desporto e a empresa familiar, que cedo passou a acompanhar de perto. Actualmente, o Grupo Paulo Duarte é gerido pelos dois filhos, mas o empresário vai diariamente às instalações da Ota. Em entrevista a O MIRANTE, fala das origens, das crises que atravessou e superou e da sua forma de estar na vida.
José Paulo Duarte nasceu no centro de Torres Vedras, tal como os pais e também como a empresa que viria a gerir. Nasceu em casa, assistido por uma parteira, em 1955, e tem uma irmã mais velha. O pai, com o mesmo nome, fundou em 1946 a Paulo Duarte, tendo começado a actividade nesse ano como transportador em nome individual.
A infância foi marcada por dias alegres e felizes, sublinha. Praticou desporto na Física de Torres Vedras, uma das instituições desportivas mais ecléticas do país. Sem televisão nem computadores, passava o tempo a jogar hóquei e a praticar ginástica, modalidade que seguiu durante dezoito anos, sempre acompanhado de amigos.
Aos 13 anos começou a envolver-se na empresa do pai. Durante o mês de férias do único empregado de escritório, atendia todos os telefonemas e acompanhava o pai ao trabalho. O mês de Agosto era o pior do ano: enquanto os amigos iam para a praia, José Paulo Duarte trabalhava. Esse contacto precoce com o negócio familiar ajudou-o a aprender com o pai, que foi o seu grande mestre em princípios, trabalho e desenvolvimento da empresa. Quando começou, a Paulo Duarte contava com 11 camiões. Hoje, os dois filhos seguem o mesmo caminho, num processo natural de continuidade.
Nunca tirou carta de pesados, contrariando a vontade do pai, e preferiu a gestão da empresa em vez de conduzir viaturas. Daí nunca ter feito viagens de longo curso, a não ser de automóvel. Frequentou Agronomia, motivado pela paixão pela terra, sem contudo concluir o curso, e posteriormente Gestão de Empresas, também sem terminar a licenciatura. Aprendeu com a vida, com as pessoas e com as amizades. Casou-se em 1979 e passou a dedicar-se de forma séria ao negócio familiar.
Aos 35 anos foi operado à coluna e deixou de fumar há 30 anos por causa de um problema no coração. Hoje em dia vai ao ginásio e só bebe água, vinho ou cerveja. Come peixe quase todos os dias porque adora e também gosta de marisco, caldeiradas e pratos tradicionais portugueses. É adepto do Sporting e, de vez em quando, vê os jogos no estádio. Durante muitos anos praticou pesca submarina, mas hoje só mantém como passatempo a caça.
Lê muito e considera ter uma cultura geral acima da média. Prefere biografias e história de Portugal e fez questão de obrigar os filhos também a ler. “Este wokismo hoje em dia quer apagar a memória colectiva, e nós não podemos deixar que isso aconteça”, reitera o empresário.
Um empresário que diz tudo o que pensa
Na gestão, privilegia o coração e afiança que só despediu uma ou duas pessoas na vida. Está casado há 46 anos com a mesma mulher, numa relação de cumplicidade, respeito e afecto mútuos. “Sou feliz e apaixonado. Não podemos andar um sem o outro”, relata. Tem ainda quatro netas.
Por vezes confessa ser inflexível e incorrecto na maneira de falar. Diz tudo o que pensa, mesmo que as pessoas não estejam à espera. “Eu disse a um ministro que ele não percebia nada de transportes. Ninguém tem surpresas comigo, porque eu não digo nada nas costas. E tenho muitos amigos, felizmente”, afirma.
José Paulo Duarte gosta de animais e tem cinco cães. Adora viajar, mas não é turista de grandes cidades. Prefere a natureza e não gosta de filas. A vida, para si, não faz sentido sem família e amigos e, por isso, goza o dinheiro que conseguiu com o seu trabalho, até porque garante que “não quer ser o tipo mais rico do cemitério”.

“Se a minha empresa parar o país não pára, mas vai sentir um bocadinho”
Quais foram os momentos mais difíceis que passou na empresa? As crises que o país teve e que a empresa teve. Em 1994-95, faliram três das nossas maiores empresas e ficaram-me a dever 25% da facturação. Hoje, fechava no dia a seguir. Naquela altura, consegui, com bancos, adiar pagamentos e fui pagando e consegui resolver. Depois, em 2011-2012, também tivemos uma grande crise. Os bancos a tirar dinheiro, a tirar condições. Tivemos uma crise aguda, mas por cada crise que passámos, como não somos pessoas de virar a cara, ficámos mais fortes. Em cada crise crescemos mais.
Se a sua empresa parar o país também pára? Se a minha empresa parar, o país não pára. Mas vai sentir um bocadinho, com certeza.
Teme nova paralisação dos camionistas, como aconteceu no passado? Não acredito que vá acontecer. Primeiro, pelas condições dos motoristas. Eles têm tudo, menos razão para fazer o que quer que seja. Porque, como sabe, há aí uma grande disputa entre os ordenados mínimos e os ordenados médios. Os ordenados médios estão-se a chegar ao ordenado mínimo, ou vice-versa. O meu filho, enquanto presidente da ANTRAM, conseguiu um acordo com a FESTRU. Para motivar os motoristas temos de dar condições. Além de se ter aumentado muito o ordenado, hoje eles têm um aumento durante 30 anos, foi assim acordado, de cada vez que aumenta o ordenado mínimo. Portanto, o ano passado tiveram 7%, já tinham tido 6%, muito acima da média nacional. O motorista que trabalha razoavelmente não ganha menos de 2 mil euros e vai até aos 3 mil e tal.
Tem dificuldade em arranjar mão-de-obra? Sim. Andamos com muitos motoristas estrangeiros, principalmente brasileiros. Há dinheiro para formação, para tudo e mais alguma coisa, menos para os motoristas. Uma carta de pesados custa 5 mil euros e o jovem que queira vir para esta profissão não tem essa verba. Depois, socialmente, ainda é mal vista. Acho que as mulheres não gostam de dizer que o marido é motorista.
Porque decidiu mudar a base para a Ota? A parte sentimental foi a mais difícil e a parte empresarial a mais fácil. Em Torres Vedras temos as instalações na mesma, mas fechámos porque não temos lá clientes. Os nossos camiões deslocarem-se para Torres Vedras todos os dias são perto de um milhão de quilómetros a mais por ano. Não é só o gasóleo que se gasta, é o CO2 que emitimos para a atmosfera sem necessidade. E nessas oito horas de condução por dia o motorista faz uma para lá e outra para cá e passam a ser seis horas de trabalho. Isso para nós custava uma fortuna. Aqui estamos no meio dos dois pólos principais de clientes, Azambuja e a CLC. Encerrámos as instalações de Azambuja e de Torres e centralizámos tudo aqui.
As alterações climáticas e a sustentabilidade têm impacto na empresa? Tudo tem hoje em dia. Comprámos 140 a 150 camiões novos, mais eficientes. Estamos a ajudar-nos a nós e ao ambiente. Sermos mais eficientes e com menos avarias. Acho que fomos a primeira empresa do país nos transportes a fazer o relatório de sustentabilidade. Temos que ser efectivamente responsáveis. E nós hoje somos responsáveis por uma grande parte do CO2 que se emite em Portugal. Portanto não vamos pôr a cabeça debaixo da areia e dizer que não se passa nada.
Lembra-se quem foi o seu primeiro motorista e o primeiro transporte que negociou? Não. Lembro-me de muitos motoristas antigos e lembro-me de muitas matrículas dos anos 80, tenho todas na cabeça. Tenho boa memória.
“Sou um anti-político primário”
Que características de liderança é que tem? Exigente. Às vezes chato. Porque há pessoas que não gostam de ouvir nada à primeira nem à segunda e eu não gosto de dizer nada à segunda, muito menos à terceira. Costumo dizer na empresa: só os burros é que sabem tudo. E eu gosto das pessoas que perguntam. Sempre perguntei quando não soube. Ninguém nasce ensinado. E há pessoas, parece, que têm vergonha de perguntar.
Como é o seu dia-a-dia? Acorda cedo na mesma, mantém uma rotina? Não tenho rotina. Neste momento venho porque sou incapaz de me reformar. Hoje já não quero ter as decisões, sei delas, mas não quero ser eu a decidir. Posso concordar ou não e dou a minha opinião, mas os meus filhos é que decidem. Fiz com eles o mesmo que o meu pai fez comigo, que foi dar-lhes responsabilidades desde cedo para ver se tinham capacidade ou não. Fizeram asneiras, como eu fiz, mas é com as asneiras que se aprende.
A família foi sempre o seu pilar? Sempre e sou um pai galinha. Muito chegado à família. Os meus filhos estão sempre juntos, mesmo ao fim-de-semana. São muito amigos, e isso para mim é uma alegria e uma satisfação. Aquilo que sinto pela família que criei não é fácil descrever.
Tem empresários de referência? António Champalimaud. Vale a pena ler a biografia. E também Belmiro de Azevedo.
E tem algum político de referência? Não. Sou um anti-político primário e detesto políticos, porque têm dado cabo deste país. Conhece-se algum político destes todos que não começasse nos jotinhas a colar cartazes? Algum fez alguma coisa na vida? Uma vez, no programa Prós e Contras, estava a Manuela Ferreira Leite, que era ministra das Finanças, e o Belmiro de Azevedo perguntou se a ministra alguma vez tinha passado uma noite sem dormir para pagar ordenados. E ela ficou assim... Pois, é que não há nenhum empresário que não saiba o que isso é. Esta empresa, há 50 anos, nunca falhou o ordenado. E com muitas dificuldades.
Perdeu muitas noites de sono? Sim, muita ansiedade, a inventar para resolver os problemas. A partir de 2011/2012, quando foi aquela crise da banca, nunca mais dormi bem. Em muitos dias tenho que tomar comprimidos para dormir. Foi a maior crise da minha vida. Mas, claro, ultrapassámos. Somos resilientes e temos força para combater as adversidades.
Como está o mercado internacional? Sempre fizemos, mas deixámos o mercado internacional de frigoríficos e lonas, que era tradicional da empresa. Somos dos dois, três maiores da Península Ibérica em cisternas de produtos alimentares, se não o maior, e cisternas de combustíveis. Hoje dividimo-nos em três áreas grandes - a área da distribuição das grandes superfícies, os combustíveis e cisternas de produtos alimentares. Temos também o E-Commerce.
Como gostava de ser recordado? Há uma coisa que tenho orgulho em dizer. Está para nascer a pessoa que diga que uma vez enganei. É um orgulho grande que tenho com 70 anos. Os meus filhos já sabem que é assim, também o fazem. A minha pegada está feita. Não sou eu que vou julgar.
Grupo investiu 10 milhões nas instalações da Ota
Em Julho, o Grupo Paulo Duarte inaugurou a nova base na Ota, Alenquer, com um investimento superior a 10 milhões de euros. O grupo tem 1.300 trabalhadores e mais de duas mil viaturas. Na Península Ibérica, o grupo facturou o ano passado 130 milhões de euros e só nos transportes Paulo Duarte 70 milhões. O objectivo do grupo é crescer, não organicamente, mas com aquisições.
Para além da Ota o grupo tem instalações em Perafita, Lamego e Algarve. Em Espanha, têm em Granada, Alicante, Palma de Mallorca e Barcelona.