Entrevista | 26-10-2025 15:00

“Irrita-me profundamente esta nova ditadura do pensamento anti-humana e desumanizante”

“Irrita-me profundamente esta nova ditadura do pensamento anti-humana e desumanizante”
Diogo Maleitas Correia fez-se padre aos 36 anos e está hoje à frente da paróquia de Arruda dos Vinhos, Cardosas e Santana da Carnota - foto O MIRANTE

Diogo Correia é o novo pároco de Arruda dos Vinhos, Cardosas e Santana da Carnota e é um homem que gosta de estar próximo da sua comunidade. Passou toda a infância em Alenquer e por isso assume-se um ribatejano, apaixonado por tauromaquia e história da arte. Fez-se padre já tarde, aos 36 anos, depois de sentir um chamamento divino. Nesta entrevista a O MIRANTE fala da sua terra, da região e da forma como a igreja está a lidar com os casos de abuso sexual e as novas correntes de pensamento.

A nova cultura woke que tem tomado conta das redes sociais e do espaço público, em torno das desigualdades sociais de cor e sexo, incluindo a luta por direitos LGBTQ, é “anti-natural, anti-científica e anti-racional”, desumanizante e que esquece a ordem natural das coisas e a racionalidade. Quem o diz com todas as letras é Diogo Correia, o novo pároco de Arruda dos Vinhos, Cardosas e Santana da Carnota. “Irrita-me profundamente esta nova ditadura do pensamento anti-humana e desumanizante. Quer fazer esquecer o dado natural e a racionalidade das coisas. Desumaniza o homem na sua essência. Quer impor uma ideia sobre a realidade e isso torna-a absolutamente destruidora do homem, impondo uma ideia que não tem base científica, natural, biológica nem sobrenatural”, critica a O MIRANTE.
É conhecido nas ruas como “padre maleitas”, por culpa do seu nome - Diogo Maleitas Correia - mas apesar disso a sua saúde está boa e recomenda-se. Tem 55 anos, nasceu em Coimbra mas viveu toda a vida em Alenquer, terra do seu pai e o lugar que considera o seu verdadeiro berço. “Quando digo de onde sou, é sempre de Alenquer, terra onde vivi e cresci e guardo boas memórias da minha infância”, afirma. O apelido Maleitas é de origem alentejana. A família paterna tem raízes estabelecidas em Alenquer há várias gerações, com destaque para o bisavô João Henriques Correia, que se fixou na terra e foi uma figura respeitada como empresário e Provedor da Santa Casa da Misericórdia. A família materna tem raízes em Vila Nova da Barquinha.
“Sempre tive uma grande ligação ao campo, aos toiros e aos cavalos e isso marcou a minha infância em Alenquer”, recorda. Era uma vida feliz, simples e com valores cristãos muito enraizados. Cresceu com amor à terra, à tradição ribatejana e à tauromaquia, “uma terra com grande afición, com muitas ganadarias e isso deixou-me uma identidade cultural forte e orgulho na minha região”, partilha.
A fé sempre fez parte da sua vida. Desde muito jovem sentiu um chamamento espiritual e participou activamente na catequese, nos grupos de jovens da paróquia e na vida cristã em geral. “Não tenho memória de mim próprio sem a relação com Deus. É o sentido sobrenatural da fé, algo que interpreto como um toque de Deus na minha vida”, partilha. Paralelamente, desenvolveu um gosto profundo pela arte e pela história, estudando História na Universidade de Coimbra entre 1989 e 1994, na variante de História da Arte. Posteriormente trabalhou no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, inicialmente no serviço educativo e depois na investigação, colaborando em projectos como as comemorações dos 500 anos do mosteiro. Durante esse período, realizou um mestrado em Património e Restauro na Faculdade de Letras de Lisboa, com especialização em escultura do século XVI.
Em 2001 assumiu em Óbidos a coordenação do Gabinete do Centro Histórico. A dada altura, já depois de viver uma vida completa na sociedade, sentiu “uma incompletude”, o que diz ter sido um apelo de Deus para deixar tudo para trás e abraçar a missão. Garante que não se desiludiu com a sociedade e que a decisão foi madura e consciente e não fruto de qualquer revolta. Foi ordenado sacerdote em 2013, iniciou o seu ministério em Peniche, onde passou 11 anos. Depois foi colocado em Arruda dos Vinhos, onde encontrou uma paróquia dinâmica e jovem, com grande participação de crianças e adolescentes, com mais de 150 a frequentar grupos da igreja.

Abusos sexuais são um “mal intrínseco”
Diogo Correia defende com convicção o celibato e a dimensão esponsal do sacerdócio, argumentando que o padre “vive a dimensão esponsal na sua relação com Cristo e a Igreja” e encontra a sua paternidade espiritual na comunidade que serve. E garante não sentir falta do afecto feminino. “A vida afectiva do padre é preenchida no contexto da comunidade, e a nossa vida é muito rica de afectos, desde logo na relação com Jesus”, conta. Vê televisão e navega na internet, tendo acesso a todos os conteúdos que o resto da sociedade, como a pornografia. Quando sente que vai pecar afasta-se ou desliga o computador. “Peço a Deus a força e o discernimento para evitar certas situações”, partilha.
Na sua óptica não é o impedimento dos padres terem uma família que abre a porta a casos de abusos sexuais, como os que foram noticiados nos últimos anos. E elogia a investigação por ser exemplar, mas lamenta que tenha sido passada a ideia de que apenas na igreja existem abusos sexuais. “Foram identificadas poucas dezenas de situações em várias décadas. Isso não tem a ver com a ausência de família dos padres, mas com perturbações pessoais. Infelizmente, a Igreja foi o alvo mais fácil e alguns inimigos do cristianismo usam estes factos para afectar a imagem da Igreja. Todos nós sabemos que a esmagadora maioria dos abusos sexuais acontece em contexto familiar, por pais ou outros familiares”, critica.
Para Diogo Correia, a propensão para cometer um abuso sexual na igreja nasce de uma “perturbação no coração”, um mal intrínseco absolutamente anti-natural. “É uma tragédia. Apesar de tudo, a igreja fez o que podia para poder cuidar desta situação e evitar novos casos, quando em tantas instituições portuguesas onde acontecem tantos abusos, nada se fez, nada se está a fazer e onde existe uma nuvem de silêncio sobre esta situação. Falo de instituições académicas, desportivas, militares. A Igreja foi o alvo mais fácil”, lamenta.

Um apreciador das artes e da boa gastronomia

Reconhecido pela proximidade com os fiéis, pelo ombro amigo que oferece e pelo sorriso constante, Diogo Correia considera que a presença do padre é uma forma de aproximar os fiéis da presença de Cristo. “Quando vou a casa de um doente e levo uma palavra de esperança e de conforto de Jesus, sinto-me realizado profundamente. É nesses momentos que a presença de Cristo se faz sentir”, partilha.
Valorizando a confissão, afirma que é um momento de profunda libertação, confessando já ter ouvido de tudo um pouco, embora nunca lhe tenha passado um assassino ou um violador pelo confessionário a pedir perdão. “As condições para perdoar são muito claras, tem de haver um arrependimento profundo e um desejo de voltar à comunhão com Deus. Se a pessoa estiver realmente arrependida Deus perdoa”, diz o sacerdote.
Além da vida espiritual tem interesses variados: aprecia pintura, escultura, restauro de arte sacra e leitura de autores clássicos portugueses. Entre os seus destinos de sonho estão o Egipto, a Rússia e a China, e não dispensa um bom bacalhau assado ou cozido. Bebe dois cafés por dia, gosta de manter-se informado e usa redes sociais. Para ele, um bom padre deve ser “um outro Cristo, sacerdote e bom pastor, espiritual, próximo da comunidade, com a porta sempre aberta, disponível para o diálogo e a participação”. Diogo Maleitas Correia deseja ser lembrado como um homem de Deus, alegre, de bem com a vida e que transparece a alegria de ser padre.

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