Gisela Matias: “há jogos de bastidores e poderes instalados que atrasam o desenvolvimento local”
Gisela Matias foi vereadora no executivo municipal da Chamusca nos últimos oito anos e tem sido, indiscutivelmente, o principal, para não dizer único, rosto da oposição à maioria que governou o município durante 12 anos.
Nunca teve papas na língua para criticar a gestão autárquica de Paulo Queimado e de Cláudia Moreira, tendo inclusive referido por várias vezes que ambos se “refugiaram” numa maioria absoluta revelando “má formação democrática, política e pessoal”. Candidata sempre pela CDU, Gisela Matias não foi eleita no último sufrágio, perdendo a expressividade autárquica que a coligação tinha desde os tempos da liderança histórica de Sérgio Carrinho. A O MIRANTE, diz que procurou sempre ser a voz daqueles que não conseguem ter resposta às suas preocupações e necessidades. Com um percurso marcado pelo associativismo, Gisela Matias presidiu à Associação de Estudantes da C+S da Chamusca, integrou a Sociedade de Instrução e Recreio e o Rancho Folclórico do Pinheiro Grande, além de ser membro no Conselho Nacional do MDM-Movimento Democrático de Mulheres. Actualmente, exerce funções como auxiliar de acção médica na Unidade de Cuidados Continuados da Santa Casa da Misericórdia da Chamusca.
Que mensagem quer partilhar com a população da Chamusca depois destas eleições autárquicas em que não conseguiu ser eleita? Em democracia assumem-se as opções feitas por quem votou e decidiu. O futuro dirá e ditará os caminhos que serão traçados. À população do concelho da Chamusca digo que haverá sempre um lado certo e haverá sempre quem estará do lado daquilo que é justo e digno. Orgulho-me de estar no lado certo da história deste concelho.
Oito anos de trabalho na oposição à maioria no executivo municipal deixam marcas? Foram anos de aprendizagem, de verdadeira luta política. Estar na oposição pode parecer ingrato, mas é o momento em que devemos ser firmes, perspicazes, fiéis e nunca desistir de levar por diante aquilo que é necessário para as pessoas. É também reconhecer que há jogos de bastidores, que há poderes instalados que impedem, atrasam, travam, distorcem a verdadeira essência do poder local democrático. Mas é também assumir a posição de quem quer respeitar a política de proximidade e fazer o melhor pela sua terra.
Sente o seu trabalho na oposição valorizado? Nunca pus essa valorização na equação. Não é esse o meu propósito de estar na política. O que sempre me importou foi conseguir fazer o certo pelas pessoas e pelo meu concelho.
Quais foram os principais obstáculos? Teve as suas dificuldades, nunca o escondi. Aliás, fiz sempre questão de o dizer a esse executivo. O eterno atraso na apresentação de documentos, as constantes protelações para não se apresentar contas, as eternas desculpas com as falhas dos serviços... Semanas, meses, anos, para que fossem dadas explicações concretas, documentadas. Um executivo fechado em si próprio, nos seus egos, como se fossem gestores privados de uma fazenda, esquecendo que, para além do dinheiro dos munícipes, estavam a lidar com a vida das pessoas, com o futuro do concelho.
A que se deve a perda de expressividade da CDU no concelho? É difícil assumir ser quem dá a cara e assume dar a voz pelo que é justo e necessário. Hoje vivemos tempos de redes sociais em que é mais importante ter likes e visualizações. A CDU é o outro lado, o lado de dar a cara, a voz, e fazer frente pelo que é justo. Não embarcamos em momentos de reality show. Fazemos o mais difícil: estar lá, dar a cara, e lutar lado a lado de quem precisa.
O que faz falta à Chamusca para voltar a ser um concelho com dinâmica e futuro? Faz falta uma alternativa. Faz falta a consciência de que não se pode continuar num mesmo ciclo em que mudam as caras mas a política é a mesma. E faz falta à nossa população acreditar que outros podem efectivamente fazer melhor.
Como vai ser a sua vida política nos próximos tempos? A política está no meu ADN. E fazer o melhor pelos outros está no meu código genético. De uma forma ou outra, estarei sempre presente, como membro da nossa sociedade.
Arrepende-se de alguma coisa? Sim. E aprendi com isso. Faz parte do nosso crescimento enquanto pessoas, enquanto membros de uma sociedade em desenvolvimento de consciência.
Se soubesse o que sabe hoje o que teria feito diferente? Acredito que a nossa passagem pelo universo é um caminho para nos elevarmos e nos tornarmos elementos melhores na construção de um mundo melhor. ‘E se eu tivesse feito de outra forma?...’. Fiz. Fizemos. A partir daí é aprender e tentar fazer melhor, talvez diferente, mas sempre melhor.
Crescer na aldeia
prepara para a vida
Crescer no Pinheiro Grande ajudou a moldar o seu carácter? Prepara-nos de outra forma para a vida por causa das vivências. O correr descalça, subir as árvores ou andar atrás das galinhas são memórias que ficam para sempre. Assim como os tempos da escola primária que também foi feita aqui na aldeia.
Como foi o resto do seu percurso escolar? Depois estive na Chamusca até ao 11º ano, fiz o 12º na Artur Gonçalves, em Torres Novas, e depois fui para Coimbra onde entrei no curso de Direito. Ainda tenho o curso por acabar. As circunstâncias da vida mudaram e comecei a trabalhar numa loja de roupa para pagar o curso. Rapidamente fiquei como responsável da loja. As coisas progrediram e mudei para outra empresa e tornei-me coordenadora de vendas. A partir daí o curso ficou efectivamente para trás. A partir do momento em que começas a ter a tua estabilidade financeira tudo muda.
Quando é que regressa ao Pinheiro Grande? Passado algum tempo e nota-se logo um sentimento de pertença muito grande. Basta o facto de conhecermos toda a gente. Entretanto houve uma oportunidade de fazer uma formação em Geriatria. Fi-lo por causa da minha mãe, que foi auxiliar do Lar da Santa Casa da Misericórdia da Chamusca durante muitos anos. Achei que podia, de alguma forma, identificar-me com aquela área do serviço, do cuidar da outra pessoa. Tirei o curso, estagiei no lar e uma das minhas formadoras foi a minha mãe, curiosamente. Estar sob a alçada da minha mãe foi a melhor coisa que podia ter acontecido. É uma cuidadora nata.
Entretanto é convocada para abraçar o projecto da Unidade de Cuidados Continuados da Chamusca como auxiliar. Quais têm sido os principais desafios dessa função? É uma realidade diferente, muito dura por vezes. As Unidades de Cuidados Continuados são a zona intermédia daquilo que é a atenção básica às necessidades básicas de um doente. Temos ali pessoas que são das mais velhinhas, como temos pessoas que são mais novas que eu. É muito gratificante poder acompanhar o seu tratamento, estar presente e poder, de alguma forma, participar e ser um elemento da sua melhoria.
As Unidades de Cuidados Continuados deveriam merecer mais atenção dos Governos? Sem dúvida. São zonas cinzentas daquilo que é o Serviço Nacional de Saúde. São instituições hospitalares com uma legislação inexistente. Pouquíssimos apoios e as consequências disso reflectem-se tanto a nível do utente como das entidades responsáveis pelas unidades, as Misericórdias. O nosso Governo ainda não assumiu que somos o país da Europa com mais velhos e com maior envelhecimento. Como é que vamos responder a isto? Não os podemos deixar encostados a um canto. E sabemos que as famílias muitas vezes não têm capacidade para os ter em casa.
Trabalhar por turnos é difícil? Saio de um turno da noite e se calhar o que me apetece, quando saio às oito da manhã, é ir dormir. Mas o mundo continua, não é? Nós temos responsabilidades porque as lojas só estão abertas a certas horas. Os bancos só estão abertos a certas horas. E depois há outras responsabilidades. Respondendo à sua pergunta. Sim, é muito difícil, mas tem de ser e temos de nos adaptar.
Valoriza-se pouco quem trabalha por turnos? As entidades não valorizam nada para além daquilo que está instituído legalmente. Quem trabalha por turnos fica com a vida desregulada e nada disso é compensado verdadeiramente. Das duas uma: ou estás de acordo com o que está instituído na lei e não dormes para cumprires as tuas obrigações; ou não cumpres as tuas obrigações para poderes dormir e voltar ao trabalho horas depois. Muitas vezes saía do trabalho directamente para uma reunião de câmara discutir a gestão do concelho.
E perdia tempo a preparar os documentos? Claro que sim, se não o que estava lá a fazer? São documentos profundos que só tenho acesso 24/48 horas antes. Portanto, se tiver que ler 40 páginas, tenho mesmo de as ler para saber do que estou a falar e como vou votar as propostas.
O pai que foi colega de carteira de Sérgio Carrinho
Como surge o bichinho da política? O meu pai, Abílio Matias, foi o último presidente da Junta de Freguesia do Pinheiro Grande e Carregueira. Sempre tive interesse em perceber o que é que ele fazia. Comecei a fazer parte das listas da CDU há 20 e poucos anos, ainda era Sérgio Carrinho o presidente da câmara. Curiosamente, o Sérgio foi companheiro de carteira do meu pai na escola.
O que é para si ser comunista? Não consigo funcionar na política de outra forma que não seja no serviço às pessoas, porque a política foi concebida para as pessoas, para as necessidades. Revejo no Partido Comunista Português esse trabalho de interesse e de dar a voz àqueles que às vezes não a conseguem ter.
O PCP é um partido para velhos? Nas listas onde tenho estado integrada temo-nos preocupado constantemente com a renovação. Obviamente que não é fácil cativar os mais jovens para a política, porque muitos deles, sem lhes ser dada uma contrapartida, não lhes apetece. Há outras coisas que a sociedade apresenta neste momento que são mais apetecíveis. Também não oferecemos cargos, não oferecemos comissões, não oferecemos subsídios. O que dizemos é que queremos pessoas para trabalhar em equipa em prol do bem da nossa terra.
O associativismo tem sido importante no seu percurso? As associações nestas terras, sobretudo nas terras pequenas, valem-se muito da carolice de alguns e só isso é de enaltecer e é inspirador. Fazem das tripas coração para se financiarem, com muito poucos apoios do Estado e do Poder Local. Quem faz parte do movimento associativo aprende pelo menos uma coisa: que é preciso trabalhar para conquistar.
Considera-se uma pessoa feminista? Não, vou para além desse conceito do feminismo. Tenho muita noção de como fui criada, da sociedade em que estou inserida, que é uma sociedade patriarcal. Não tenho problemas em assumir que existem diferenças entre homens e mulheres, menos quando essas diferenças de facto não existem. Como é que as mulheres hoje, em cargos iguais, recebem menos que os homens se fazem precisamente o mesmo? Ser mulher no mercado de trabalho ou na política é mais difícil. Exige outros desafios.
Pinheiro Grande perdeu importância com a união das freguesias
Tem orgulho nas suas origens? Sou natural do Pinheiro Grande com muito orgulho, embora tenha nascido em Torres Novas no dia mais quente daquele ano de 1977. Ainda fui registada pelo saudoso senhor Manuel Diogo, dono da Taberna do Pinheiro Grande, que fazia os registos das crianças da aldeia. Taberna que obviamente hoje também já não existe.
Como olha para o Pinheiro Grande no futuro? Aldeias como a do Pinheiro Grande têm uma capacidade enorme de resistir. Desde que houve a união de freguesias é preciso assumir que fomos relegados para “a aldeia que está ali daquele lado”. Vemos as ruas por limpar, vemos a falta de investimento. Apesar de tudo o Pinheiro Grande vai continuar a ser um local de referência no concelho.
O que gostava de fazer antes de chegar aos 50 anos? Tenho projectos, para além daquilo que é o cuidar da minha família, daqueles que são meus. Naturalmente que gostava de ser presidente da câmara, mas sobretudo gostava de fazer a diferença e poder deixar o mundo melhor. Contribuir para ser a solução do problema.


