Sónia Ferreira conquistou a Câmara de Benavente aos comunistas e não quer ser autarca de gabinete
Sónia Ferreira conquistou o último município do distrito gerido pela CDU e não esconde a satisfação pelo feito. Eleita por uma coligação PSD/CDS, diz que encontrou na Câmara de Benavente uma estrutura pesada e falta de planeamento, que tem dificultado a resposta ao aumento populacional que se tem verificado no concelho. Militante do PSD há muitos anos, habituou-se a lidar com a política desde criança, ou não fosse filha de uma histórica do partido em Benavente, que também foi candidata à câmara mas não teve tanto êxito.
Deu-lhe um gozo especial conquistar a última câmara comunista do distrito de Santarém? Claro que sim (risos). Obviamente que todos nós queremos fazer o melhor pelas pessoas, agora temos visões muito diferentes. Dar-me-ia igualmente gosto ganhar a câmara, fosse a quem fosse. Aqui tem um peso histórico diferente, porque era a última comunista que resistia no distrito de Santarém e que nunca teve outra gestão que não fosse da CDU.
Ter ganho a câmara é para si o cumprir de um sonho, como já assumiu… Isto não é um sonho da Sónia, foi a persistência de um grupo que foi crescendo, de uma nova geração que começou comigo e com Ricardo Oliveira. É o sonho de um grupo de pessoas que quer fazer mais e melhor pelas suas terras.
Há dois anos, dizia-nos em entrevista que o objectivo do PSD em Benavente era ganhar a câmara com maioria absoluta e que não ponderava coligações. Sem maioria absoluta, mantém a mesma posição relativamente às coligações? Vamos ver se temos uma oposição responsável.
Responsável é, por exemplo, viabilizar os orçamentos municipais, após negociações e cedências de parte a parte? Sim, mas isso para mim é normal. Quem vem do privado sabe que as coisas não são brancas ou pretas. Um negócio, para ser bom, tem de o ser para os dois lados. Por que é que não hei-de aceitar propostas de outras forças políticas que até casem com as nossas.
A sua lista elegeu dois candidatos, tantos como elegeram o Chega e a CDU, enquanto o PS tem um vereador. Que muleta prefere para conseguir governar e fazer passar as suas propostas? A muleta que for mais confiável.
Já tem alguma ideia? Passadas as eleições, eu estou pelo concelho de Benavente. Sou autarca do PSD, com muito orgulho, tenho cartão, mas agora estamos na fase de executar e acaba-se
um bocadinho o que é o partido. Obviamente que as nossas linhas estão cá, o nosso programa eleitoral, mas estamos a trabalhar para a população do concelho.
E a oposição, neste pouco tempo de mandato, tem sido responsável? São só quarenta dias mas já tivemos de nos sentar várias vezes. Há coisas que todos acabamos por defender, como a questão dos resíduos, das creches, das melhorias na saúde naquilo que não depende da câmara, como a contratação de médicos. Claro que cada um tem o seu papel, cada um há-de fazer política à sua maneira, mas que se pense sempre no bem-estar das populações.
Dois eleitos com pelouros e a tempo inteiro para um concelho que enfrenta grandes desafios não é pouca gente para tanta responsabilidade? Claro que é, mas contamos com o pessoal de apoio e com os técnicos. Os dirigentes e as chefias têm aqui um papel fundamental. Independentemente do número de vereadores com pelouros, a reestruturação dos serviços teria que ser feita, para serem mais ágeis.
Vai ter em conta a experiência dos vereadores da CDU que no anterior mandato governavam a câmara? Claro que sim. Há ainda muitos assuntos que estão a ir a reunião de câmara que foram decididos por eles. O barco não pára. Temos uma relação de lealdade, conhecemo-nos há muitos anos e obviamente que estão disponíveis para nos esclarecer quando necessário.
A localização do novo aeroporto no concelho de Benavente foi anunciada há ano e meio. O que aconteceu de relevante no território desde esse momento? O que aconteceu? Pouco ou nada! Para além de alguma especulação de terrenos, de manifestações de interesse, quer de particulares quer de empresas...
Que expectativas tem relativamente a esse projecto? Já tive oportunidade de falar com o senhor ministro, temos uma reunião agendada para os primeiros dias de Janeiro, aqui na câmara municipal. O aeroporto é todo situado em território do concelho de Benavente, mas queremos envolver os concelhos vizinhos. Todos sabemos que este tipo de investimentos traz muitas coisas boas, muitos desafios, mas também traz coisas menos boas. Faz sentido que os concelhos circundantes, como Salvaterra, Coruche, Montijo, Alcochete e Vendas Novas, façam parte dessa comissão, desse grupo de trabalho, que deverá ser liderado, obviamente, por Benavente.
Gostava de ser a presidente da Câmara de Benavente quando for inaugurado o novo aeroporto ou acha que os hipotéticos três mandatos que pode exercer poderão não chegar? Chegam! Acredito nisso.
Irrita-a que continuem a indicar Alcochete como localização do novo aeroporto? (risos) Muito! Sempre me irritou. Não sei se houve vontade dos meus antecessores ou não, mas parece que se fugia sempre um bocadinho de se assumir que o território era nosso. O meu pai era militar da Força Aérea e já há 40 anos se ouvia falar em casa das opções Ota e Alcochete para o novo aeroporto. E nunca houve aqui alguém no município que começasse a dizer que não era Alcochete, era Benavente. Lá está: isto vai ligar com a parte da comunicação, com a parte da estratégia de promoção do nosso município lá fora. Mas o ministro Miguel Pinto Luz, na inauguração da feira da Golegã, fez questão de dizer que o aeroporto era em Benavente. Deve ter sido das primeiras vezes que ouvi isso da boca de um governante.
O líder distrital do PSD e deputado à Assembleia da República, Ricardo Oliveira, foi recentemente eleito presidente da Junta de Freguesia de Santo Estêvão. Em que medida pode ser útil para o município ter um autarca com essas responsabilidades políticas fora do concelho? Penso que só temos a ganhar, porque a proximidade ao poder central é completamente diferente. Mesmo em termos das comissões parlamentares, isso pode trazer mais-valias.
Não houve planeamento para responder ao aumento de população no concelho de Benavente
Qual foi a primeira medida que assumiu após tomar posse como presidente da Câmara de Benavente? Fizemos logo questão de visitar os nossos funcionários, continuamos a reunir com os diversos sectores, a ouvir. Temos perto de setecentos trabalhadores, portanto não conseguimos reunir com todos ao mesmo tempo. E, além disso, os problemas não são iguais para todos.
No site da sua candidatura referia que era preciso assumir os projectos que há muito tempo estão na gaveta. Que projectos em concreto? Mais uma vez isto resume-se a uma falta de planeamento a olhar para o futuro. Desde o início do século que temos um concelho que cresce consolidadamente, ao contrário do que se passa na maioria dos concelhos do distrito de Santarém. Os anteriores executivos nunca olharam para este crescimento, que obviamente traz coisas boas mas para o qual temos de estar preparados. E nunca nos preparámos em termos de habitação, com a atracção de investidores que viessem construir, isto também porque o processo burocrático aqui é muito moroso. Não é por falta de terrenos, seja para construção de prédios, seja de moradias. Muitos empresários queixam-se do tempo que demora aqui uma aprovação, que em concelhos vizinhos é bem mais rápida.
Há também dificuldades na resposta ao nível do parque escolar? Algumas escolas estão em condições preocupantes e com falta de salas. As escolas estão sobrelotadas, não temos creches, não se olhou para o futuro. Em 2001 tivemos o sinal de que estávamos a crescer em população, em 2011 confirmou-se essa tendência e não fizemos nada. Já se sabe que, depois, os serviços vão ficando sobrelotados, não temos médicos suficientes para a população, agravam-se os problemas de segurança e do lixo…
Ou seja, não faltam dores de cabeça? Sim.
Os transportes continuam muito deficitários e de costas voltadas para as necessidades das pessoas. A criação da nova empresa intermunicipal de transportes na Lezíria do Tejo será suficiente? Independentemente de a empresa avançar ou não, precisamos de ter soluções alternativas no município. É um concelho grande, com aldeias e lugares que estão mais afastados e muito dependentes de todo o transporte escolar. Não será uma empresa intermunicipal que vai aos Foros da Charneca duas ou três vezes por dia, não é? E por aí fora. Portanto, penso que o problema se vai manter, com a empresa ou sem a empresa. Teremos que ser nós a colmatar essas falhas. Não digo que este tema não seja prioritário, mas o dinheiro não estica. Temos que ser também criteriosos na forma como são utilizados os nossos recursos financeiros.
Há questões que se ouvem muito no contacto diário com a população e a das acessibilidades, nomeadamente o estado das estradas e o tráfego pesado, é uma delas. O que pode fazer o município? Tivemos reuniões com a Infraestruturas de Portugal (IP), onde abordámos alguns desses temas. Estivemos a ver todo o projecto da requalificação da Estrada Nacional 118, que à partida será para avançar em 2027. Obviamente que era nosso desejo retirar os pesados do centro de Samora Correia. O restante nesta matéria de acessibilidades vai estar muito condicionado pelo que será delineado para o aeroporto e daí, também, a necessidade destes municípios vizinhos estarem unidos.
E a questão da segurança? Em particular a localização do Destacamento Territorial da GNR, uma vez que Benavente e Coruche têm interesses comuns… Para nós faz sentido o Destacamento da GNR vir para o concelho de Benavente, dada a nova centralidade que o nosso município vai ter. Um aeroporto tem que ter polícia. Não é só GNR, estamos a falar também de outras forças de segurança que têm de vir para o nosso município. Os militares afectos ao Destacamento da GNR estão provisoriamente em Samora Correia, as obras de Coruche estão a terminar e ainda não temos as instalações necessárias para que o Destacamento venha para cá de forma definitiva. Tudo faremos para que isso aconteça, não por qualquer guerrilha com Coruche, mas porque é uma nova realidade. Benavente deve ter um novo quartel construído de raiz e, para que isso possa acontecer no mais curto espaço de tempo, estamos já a diligenciar junto do Governo. Até porque vai sempre levar dois ou três anos até começar a ser construído.
Algumas associações, em particular as desportivas, queixam-se de condições precárias. O associativismo é muito importante para o nosso município. Relativamente aos equipamentos degradados, é verdade, e isso é transversal. Praticamente todos os equipamentos que são propriedade da Câmara de Benavente têm graves deficiências, como os pavilhões e as escolas. E também chove no edifício dos Paços do Concelho e não é pouco.
Como pensa resolver esses problemas? Não conseguimos resolver esses problemas de um dia para o outro. Não gostaríamos de estar constantemente a fazer obras de remendos, mas não temos capacidade pois necessitaríamos de muitos milhões. Não há um pavilhão gimnodesportivo em que não chova, desde os que estão afectos à escola aos outros, e mesmo os mais recentes, porque nunca foram feitas as manutenções necessárias. Podemos estar a falar de edifícios com dez anos que já têm graves deficiências.
O que pensa fazer no Porto Alto? Há a questão do trânsito, em particular do estacionamento. É uma zona muito importante em que não há bolsas de estacionamento. Em Benavente ainda há uma ou duas, em Samora Correia é muito complicado. Na Barrosa também nos vamos empenhar de igual forma, defendendo os interesses de quem ali reside.
A orientação das pistas do novo aeroporto pode ameaçar o descanso e saúde de quem vive em Santo Estêvão e, aliás, tem sido uma preocupação mencionada pelas associações de moradores. É também nossa. Aliás, justiça seja feita, todos os autarcas no mandato passado deram carta branca ao anterior presidente para mostrar que não era do nosso agrado a localização das pistas. Mas isto não se trata do interesse de uma freguesia, pois estamos a falar do maior investimento que o país já teve. A verdade é que incomoda quem quer estar mais sossegado, mas, por outro lado, também estão a meia hora de Lisboa. Existe um paraíso, que é Santo Estêvão, a meia hora da capital.
“Não me lembro de mim sem o PSD”
Filha de peixe sabe nadar. Sónia Ferreira é filha de Sílvia Ferreira, figura do PSD de Benavente que foi candidata à câmara e desempenhou funções como vereadora no município há alguns anos. Cedo se habituou a ouvir falar de política e às andanças das campanhas eleitorais, comícios e reuniões, primeiro como militante da Juventude Social Democrata (JSD) e depois no PSD. “Não me lembro de mim sem o PSD”, confessa. Sempre foi essa a sua área política embora confesse que tem alguma simpatia pelo CDS, parceiro de coligação em Benavente e no Governo do país.
Começou o seu percurso político como directora de campanha do PSD em Benavente nas eleições autárquicas de 2005 e 2009. Tem exercido, desde 2008, cargos dirigentes na concelhia do PSD e é, desde 2018, secretária da mesa da Assembleia Distrital do PSD. Entre 2009 e 2017 foi autarca do PSD na Assembleia Municipal de Benavente. Foi vereadora do PSD na Câmara de Benavente no último mandato e teve também uma curta passagem pela Assembleia da República como deputada, nos tempos da pandemia.
Sónia Ferreira nasceu no dia 3 de Março de 1981 em Benavente, onde reside. É casada e tem duas filhas. Licenciada em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada de Lisboa e pós-graduação na mesma área, foi professora na Escola Profissional de Hotelaria e Turismo de Lisboa, gestora de clientes empresariais na Sociedade de Mediação de Seguros F. Rego Lda., gestora de Comunicação e Relações Institucionais na Fundação da Juventude, consultora na Firstrule, ligada às energias renováveis e gestora de empresa.
Desempenhou ainda funções de nomeação política como assessora de Comunicação Digital no gabinete do ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares e também no gabinete do ministro-adjunto e do Desenvolvimento Regional, no XIX Governo Constitucional. Foi também vogal do Conselho de Administração da Companhia das Lezírias, cargo que ocupava quando foi eleita presidente de câmara.
À margem da política, gosta de viajar, de cinema, de ler e assume que devia gostar de fazer desporto. Adora ir à Disney e se pudesse ia lá todos os anos. Afirma-se como uma mãe galinha que tenta passar muito tempo com as filhas e com um grupo de amigos. Com as novas responsabilidades, admite que tem menos tempo para a família mas vai organizando a agenda para que a mudança não seja demasiado radical. É tudo uma questão de organização e de prioridades, diz.
Garante que não passou a dormir pior depois de eleita, mas por vezes sonha com alguns problemas que tem para resolver. Quanto ao maior pesadelo, aponta a burocracia do sistema público e o estado geral em que a câmara se encontra, não em termos financeiros, mas sim ao nível da estrutura orgânica, muito pesada e pouco ágil. Por isso estão a preparar uma reestruturação profunda das divisões e pretendem dar mais autonomia e responsabilidade às chefias, para que os quadros dirigentes possam fazer o seu trabalho e os políticos possam dedicar mais tempo ao trabalho político, de relações públicas, de falar com empresas, de andar na rua e não estarem enfiados apenas envolvidos na teia burocrática. “Quando se perde a noção do que é que a maioria das pessoas pensa e sente, não se consegue governar bem”, vinca Sónia Ferreira, referindo que não quer ser uma autarca de gabinete.


