Entrevista | 16-02-2022 21:00

Edição Semanal. Paulo Miguel Ferreira: o miúdo da Póvoa que se fez actor no Politeama

Paulo Miguel Ferreira é actor, encenador e está a espreitar uma participação televisiva no futuro

Paulo Miguel Ferreira tem 29 anos, é da Póvoa de Santa Iria e tem paixão pelo teatro desde os tempos de escola.

Há dez anos que está no Teatro Politeama em Lisboa a dar corpo, alma e voz a peças de Filipe La Féria. Em entrevista a O MIRANTE fala do apoio miserável que recebeu da Segurança Social durante os confinamentos da pandemia em que teve de trabalhar num call-center para viver. Fala do mundo do teatro, do sonho de encenar e de como a Póvoa devia apostar mais no seu legado e no Grémio Dramático Povoense.

Como é trabalhar com Filipe La Féria?

Tem sido uma grande experiência e um enorme crescimento. Dá trabalho a mais de cem pessoas só no Politeama, do actor ao porteiro. É uma escola de rigor, exigência, qualidade e foco. É preciso amar muito o que fazemos porque ele é muito perfeccionista. Não podemos falhar com o público e por isso temos de dar o máximo de trabalho. Estou agora na revista “Espero por ti no Politeama” e está a ser dos espectáculos que mais gostei de fazer.

Fazer uma revista deve ser desafiante pelas múltiplas variedades que encerra?

Sem dúvida. O teatro musical é das áreas mais completas de todas, temos de fazer de tudo. O canto é uma coisa em que estava mais à vontade e foi acontecendo durante a minha vida. A dança foi sendo trabalhada no palco.

Ainda há quem olhe para a revista como o parente pobre do teatro…

Ainda há preconceito para com a revista porque diz o que as pessoas não querem ouvir. Ela tem o dom de falar a verdade a rir e isso tem muito a ver com as nossas raízes populares. É importante continuar a fazer-se revista como se fazem dramas, farsas e musicais. É preciso um bocadinho de tudo. Não se pode impor a ditadura do gosto. O teatro é uma ementa, apresentamos um conjunto de propostas e o público escolhe, se quer rir, chorar ou ver uma revista à portuguesa. E muita sorte vamos tendo em conseguir ter neste país tantos pratos na mesa. A cultura está numa situação muito complicada e só a resiliência de todos nos tem permitido resistir.

Como sobreviveu aos confinamentos?

Tive um pequeno apoio da Segurança Social que era irrisório, nem dava para pagar a renda, foi um apoio miserável que não deu para sobreviver. Gastei todas as poupanças que tinha e tive a sorte de ter os meus pais, que me ajudaram. Pelo meio consegui realizar um espectáculo com sucesso durante a pandemia, o “Alice, o outro lado da história”, um espectáculo imersivo que esteve na fábrica de Cabo Ruivo.

Pensou desistir da profissão?

Sim. Fez-me ver que não podemos ter apenas um caminho profissional. Ainda trabalhei num call-center durante a pandemia porque precisava de ganhar dinheiro. Mas estava bastante infeliz, foi terrível. Ouvia todos os nomes do outro lado do telefone e dava a cara por uma empresa que defendia coisas nas quais não acredito. Sou uma pessoa de verdade e tinha de defender algo em que não acreditava para ganhar meia dúzia de tostões por mês. Tenho colegas que se despediram da cultura e foram para outras profissões. Arregaçaram as mangas e foram para supermercados e estafetas de entrega rápida. Foi muito mau e ainda continua a ser.

Na adolescência nunca duvidou que a sua vida passaria pelo teatro?

Felizmente tive uns pais que sempre me apoiaram nessa decisão. Comecei a gostar de teatro na Escola Aristides Sousa Mendes e depois entrei no Grémio Dramático Povoense. A primeira peça em que entrei foi numa encenação do Artur Neves. Foi tão boa e o espectáculo estava tão bem conseguido que as pessoas olhavam para aquilo e pensavam que era profissional.

O teatro amador tem a importância de despertar talentos?

Claro. Só há duas formas de haver teatro: ou é bom ou mau, seja amador ou profissional, tem tudo a ver com a entrega com que as pessoas fazem as coisas. Nunca tive receio de seguir uma profissão que infelizmente só representa um por cento do orçamento do país. Claro que tenho medos todos os dias quando vou para cena mas o actor só por si já é um ser inseguro, por estarmos no palco a ser constantemente observados pelo público. É uma ansiedade controlada. No dia em que não sentirmos isso é o dia em que nada disto faz sentido.

O salto para a televisão ou cinema é o próximo passo?

Representar é a minha paixão. Já fiz uma pequena participação numa novela mas soube a pouco e espero regressar. Pode haver algumas coisas a acontecer em breve, vamos ver. Continuo também a querer escrever mais e produzir alguns espectáculos com a minha companhia, a Criarte.

Teme que a pandemia possa desviar de vez o público?

Para muita gente, infelizmente, o teatro não é uma prioridade. Continua a ser o futebol ou um concerto. As pessoas ainda têm algum medo da sala fechada mas é infundado, os teatros são seguros, é muito pior estar num restaurante. Fico muito feliz por ver que o teatro, assim como a música e a educação física, vai passar a ser disciplina obrigatória na escola. Tem de se começar aí. Uma sociedade sem cultura é um povo sem identidade e sem memória. Sem alma.

Póvoa deve apostar no legado teatral

Para Paulo Miguel Ferreira a cidade da Póvoa de Santa Iria deve apostar mais na valorização da sua identidade como berço do teatro no concelho e cujas raízes, ligadas ao Grémio, devem ser preservadas. “Somos uma cidade de teatro e devíamos apostar nessa marca. Dar aos jovens da cidade mais condições para se poderem expressar e serem criativos”, defende a O MIRANTE.
O actor diz-se feliz por ver o Grémio Povoense manter a sua actividade mas lamenta que o espaço cultural seja demasiado pequeno para as necessidades. Já trouxe peças suas ao concelho e até diz que gostava de trazer mais, assim os dirigentes das colectividades o quisessem. “Já estive com uma peça no Grémio e dois musicais no Ateneu Artístico Vilafranquense que é a principal sala de espectáculos do concelho. É uma sala maravilhosa mas está completamente ao abandono infelizmente. Aquilo não é uma sala só para jogar às cartas e tomar copos de três, deve ser uma sala para teatro”, critica. Paulo Ferreira destaca o papel das companhias Cegada, Inestética e Casulo na promoção do teatro de qualidade no concelho. “É de louvar. Têm feito um óptimo trabalho e são bons sinais. Espero que a câmara e todas as estruturas possam continuar a investir nelas porque são companhias que trabalham para o concelho e vivem do público”, defende.

O sonho da Broadway

Paulo Miguel Ferreira guarda boas memórias da cidade natal. Diz que é um bom sítio para viver e que apesar de parecer um dormitório tem conseguido desenvolver-se de forma positiva destacando a zona ribeirinha como um espaço maravilhoso e de eleição. Tira-o do sério a incompetência e a mentira. É benfiquista mas liga pouco a futebol. Já esteve em Londres a ver musicais mas o seu sonho era visitar a Broadway, em Nova Iorque. “Adoro o teatro musical e é incrível perceber que têm 10 teatros esgotados todos os dias. Grande parte do público é turista, algo que infelizmente não temos. Os turistas não vêm aos nossos teatros. Vão à praia, aos supermercados, conhecer a baixa de Lisboa mas não entram nos teatros. Não cultivámos isso”, lamenta.

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