Entrevista | 02-09-2022 15:27

PCP corre o risco de ter o mesmo destino que o CDS

PCP corre o risco de ter o mesmo destino que o CDS

O MIRANTE vai publicar na próxima edição semanal, a 8 de Setembro, uma grande entrevista com Luísa Mesquita, que durante cerca de duas décadas foi o principal rosto do PCP na região, deputada em várias legislaturas e autarca em Santarém. Em 2007, foi expulsa do partido por não aceitar ceder o seu lugar na Assembleia da República e diz que se sentiu traída pelos camaradas. Aqui fica um excerto da entrevista a publicar na próxima semana onde explica porque há muitos anos deixou de ir à Festa do Avante.

Foi expulsa do PCP em 2007, por recusar abandonar o Parlamento, como lhe pedira o seu partido. Para uma militante comunista, esse apego ao poder e às mordomias parlamentares não foi uma atitude demasiado burguesa? Uma sobreposição do individual ao colectivo?

Quanto a ter características burguesas, não tenho dúvidas nenhumas acerca delas, nunca fui operária de fábrica. Lembro-me que uma pessoa que muito respeitei, que já cá não está, chamada Carlos Pinhão, de Alpiarça, convidou-me um belo dia, a seguir ao 25 de Abril, para eu ser funcionária do PCP. Eu disse-lhe que era impossível. Primeiro, porque não estava de acordo com o funcionalismo partidário, e eu tinha 21 ou 22 anos, e em segundo lugar devido às minhas características como ser humano, de pequeno-burguesa, que não me permitiam aceitar de ânimo leve todas as características de um partido que se vocaciona exclusivamente para o operariado. O Carlos Pinhão olhou para mim e disse que entendia e não me incomodava mais. Sou a mesma pessoa que depois foi convidada para ser deputada pelo PCP.

E quanto ao apego ao poder?

Diria que houve um apego, mas não ao poder. Porque, se fosse, concretizar-se-ia tudo aquilo que o PCP tinha supostamente adivinhado, que era: assim que eu saísse de uma entrava logo noutra. Primeiro seria a segunda na lista do Moita Flores, depois talvez fosse na do Bloco de Esquerda, na do PS e até admitiriam que eu, no meu apego ao poder, aceitasse o CDS ou o PSD. Tudo era possível. A verdade é que não houve esse apego ao poder. Fiz questão de demonstrar que a única coisa que houve foi o cumprimento de um mandato que me foi dado. Nunca aceitei ser cabeça de lista pela CDU, desde 1995 até sair, sem questionar à pessoa da comissão política do PCP como é que era. Deixei claro que se fosse candidata a deputada e eleita seria para cumprir o mandato de 4 anos. No Verão de 2006 soube que me queriam substituir.

Foi apanhada de surpresa?

Perfeitamente. Desconhecia totalmente.

Sentiu-se traída pelo PCP?

Completamente. Traída pelos compromissos assumidos, mas os compromissos assumidos por boca ao PCP não interessam. O que interessa é o papel e o que os estatutos dizem. A guerra, a pressão psicológica e as ameaças duraram desde o Verão de 2006 até Novembro de 2007.

A sua vida política era no PCP. Perdeu muitos amigos com essa cisão?

A seguir tive gente que me pediu, apesar da injustiça da decisão, para eu a aceitar, porque também eles já tinham passado por isso em momentos diferentes, quer antes quer depois do 25 de Abril, e que eu tinha que aguentar. Expliquei-lhes que não ia aguentar e que essa era a grande diferença entre eu e eles.

Perdeu muitos amigos?

Por exemplo, a minha assessora, que era uma grande amiga, foi proibida de me cumprimentar. Telefonava-me às escondidas. À advogada do grupo parlamentar, casada com um grande amigo meu também, foi-lhe chamada a atenção de que não caíam bem os nossos encontros…

Presumo que nunca mais foi à Festa do Avante…

Já não ia!

Por alguma razão em particular?

Tenho alguma dificuldade em aceitar as festas quando não se tem mais nada para dizer. Para mim, aquilo que acontece na Festa do Avante ou o que acontece nas comemorações do 25 de Abril é falta de ambição. Uma vez fiz uma intervenção no 25 de Abril em que disse que falta cumprir o 25 de Abril. Não estando cumprido o 25 de Abril estamos a comemorar o quê? E a Festa do Avante é a mesma coisa, fala-se da importância do 25 de Abril, do fim da censura, do fim da repressão…

Então a velha história da cassete do PCP tem alguma razão de ser…

Não lhe chamaria cassete, mas repetição. Comemoram-se as mesmas coisas, referem-se as mesmas coisas e ninguém questiona essa história de nos comportarmos muito bem a seguir ao 25 de Abril. Isso foi bom? Foi bom não termos a coragem de enfrentar a verdade? Foi bom não termos tido a coragem de levar ‘pides’ a tribunal? Foi bom termos tratado governantes como se fossem heróis?

A culpa foi do 25 de Novembro de 1975?

Não sei se foi o 25 de Novembro se foi a nossa maneira de estar na vida. Sentimos que as coisas estavam resolvidas. É assim em Portugal: brigamos e a situação fica arrumada. Não se fala mais no assunto. O 25 de Abril está arrumado. É assim que temos andado nestes últimos 48 anos. E, nos 48 anos anteriores, se o povo português estivesse contra o fascismo, as eleições com o Humberto Delgado tinham dado pancada. O que é que deram? Como dizia alguém: é a vida!

Mais alguma vez votou na CDU desde que foi expulsa do PCP, em 2007?

O voto é secreto, mas como me conhece há muitos anos, e admitindo que será capaz de me reconhecer características como a integridade e coerência, rapidamente concluirá qual o meu posicionamento.

Deixou de acreditar nos “amanhãs que cantam”?

Aí é que está a história! Eu acredito nos amanhãs que cantam. Ainda estas férias ouvi os amanhãs a cantar na Dinamarca, na Noruega e na Suécia, não acredito é nalguns cantores que os cantam. Até o nosso físico vai mudando com a evolução do tempo e não somos capazes de evoluir mentalmente?

Na última dúzia de anos o PCP nunca mais teve assento na Câmara de Santarém, e também noutros municípios da região, e tem perdido representatividade no poder local. Como tem visto esse fenómeno? Pode acontecer-lhe o mesmo que ao CDS?

Acho que pode. Não sei como seria neste momento, se houvesse eleições em Portugal, com as tomadas de posição do PCP e a incapacidade de reconhecer que há um país invadido e que há um invasor – o que qualquer criança percebe – e continuar a entender que tudo está a acontecer porque a NATO, os Estados Unidos ou os ocidentais são os culpados… Parece uma daquelas histórias da carochinha em que há sempre uma fada má que é culpada de tudo.

O PCP parou no tempo?

Não sei se parou, se continua a andar… É um partido político que respeito, com uma história fabulosa de combate à ditadura e com vidas e vidas entregues a esse combate. Agora, uma velha pessoa que comete um conjunto de erros não tem que ser igual à jovem pessoa que um dia conheci. Mas em Portugal isto é tão difícil de aceitar que lhe dou um presente se me disser que alguma vez foi a um funeral em que se dissesse mal do defunto. Mesmo a pior pessoa, aquela a quem seria fácil apontar uma dúzia de defeitos, no dia do seu funeral até nem era má pessoa. Esta é a nossa leitura da vida.

O PCP devia mudar de liderança?

Esse não é um problema meu.

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