Entrevista | 30-07-2022 21:00

“Quando acabarem os jornais regionais é que as pessoas vão sentir a sua falta”

Jorge Brito abriu uma papelaria em VFX depois de ficar desempregado e concilia o trabalho de gestor com a paixão por ilustração e desenho

Jorge Brito é um rosto conhecido em Vila Franca de Xira. É um ilustrador à margem do mercado que já foi ameaçado de morte quando brincou com a Festa do Avante e um caso de racismo no Vitória de Guimarães. Dono de uma papelaria e membro da Associação Nacional de Vendedores de Imprensa, é um apaixonado pelo Ribatejo, vive em Samora Correia e não há semana em que não dê destaque na montra da papelaria aos jornais da terra, que diz serem um sucesso de vendas. O comerciante está numa cruzada contra a nova taxa cobrada pela empresa de distribuição de jornais VASP, que acusa de estar a agir de forma monopolista e hipócrita.

Jorge Brito é ilustrador, vive em Samora Correia, tem uma papelaria no Hospital de Vila Franca de Xira desde 2013 e é um homem numa missão: contribuir para a venda de jornais e, em particular, da imprensa regional. “Estamos numa comunidade que se identifica muito com a sua terra e não há mais ninguém que faça jornalismo de proximidade como O MIRANTE e as pessoas procuram-no muito. E ficam desiludidas quando já não o encontram”, explica. Jorge Brito tem na papelaria o seu principal ganha-pão mas a grande paixão é a ilustração. Recentemente deu nas vistas ao ter sido um dos precursores da Associação Nacional de Vendedores de Imprensa (ANVI), que está numa cruzada contra o estrangulamento das margens de venda dos quiosques e papelarias, que ganham pouco mais de 10 cêntimos por cada jornal que vendem.
Em 2021 a VASP, empresa que distribui os jornais pelo país, anunciou que iria passar a cobrar uma taxa diária adicional a rondar os dois euros, algo que, avisa a ANVI, pode vir a matar o negócio da venda de jornais nos próximos meses. “Preciso de vender 30 exemplares de O MIRANTE todos os dias, sem ganhar nada, só para pagar essa taxa”, queixa-se Jorge Brito, que diz que actualmente nenhuma papelaria rende dinheiro se não tiver associada a venda de raspadinhas e apostas.
“A VASP é uma empresa monopolista e como não tem concorrência actua à vontade. Isso é muito mau para os vendedores, para as empresas jornalísticas e para os leitores de jornais. Estão a explorar a situação dominante em que se encontram de forma ilegal, hipócrita e de mau tom”, critica.

“Estamos a lutar pelo futuro dos jornais”
Jorge Brito foi o primeiro a protestar contra a nova taxa: um dia recusou vender os seis jornais diários. “Comecei este protesto sozinho e de forma informal e rapidamente escalou até se formar a ANVI”, conta. Apesar dos mais de cinco mil postos de venda de jornais por todo o país pouco mais de uma centena se associou à luta, o que o entristece. “O ignorante é um eterno feliz. Muita gente está alienada de tudo o que se está a passar. Estão a borrifar-se enquanto lutamos pelo futuro dos jornais em papel”, diz o homem que também vende o francês Charlie Hebdo pela paixão à ilustração.
A ANVI interpôs uma providência cautelar no Tribunal de Sintra para impedir a cobrança da nova taxa da VASP mas o tribunal indeferiu a pretensão em Maio deste ano dando razão à empresa. A falta de união dos vendedores de jornais não ajudou. Mas a ANVI promete não desistir da luta. “É importante haver jornais em papel e mais importante ainda que haja jornais regionais. Quando eles acabarem é que as pessoas darão pela sua falta”, avisa.

Usar a liberdade
Jorge Brito é conhecido pelas ilustrações que partilha nas redes sociais (JBDrawings). Classifica-se como um ilustrador underground, ou seja, que passa à margem dos grandes canais de comunicação, apesar de ultimamente já começar a ter algum destaque nacional. Os desenhos do último Festival do Arroz Carolino de Benavente, por exemplo, saíram da sua caneta. Desde pequeno que desenha e costuma dizer que a melhor forma de se poder ter tudo o que se imagina é com uma folha em branco e um lápis. À porta da papelaria tem uma ardósia onde diariamente desenha uma figura que merece destaque, o que já lhe valeu vários elogios.
É um artista noctívago que gosta das manhãs mas que confessa não conseguir funcionar nem pensar ao raiar do dia. “Faço tudo no automático e é à noite que me sinto mais inspirado”, confessa. A ilustração não lhe coloca a comida na mesa mas ajuda-o a descarregar o stress do dia-a-dia. “Desenho todos os dias. É uma ajuda psicológica para sair da rotina e estimular a minha criatividade”, conta.

As ameaças das “madonas comunistas”

É conhecido por vários desenhos polémicos. O mais recente sobre a Festa do Avante e um outro sobre um macaco na estátua de Afonso Henriques em Guimarães. Como lida com a crítica? Não me incomoda. O cartaz do Avante parece-me uma bomba a arder com pessoas de braços no ar. Ninguém me tira isso da cabeça sempre que o vejo. Quando fiz e meti o meu desenho no twitter, aludindo à guerra na Ucrânia, as coisas pegaram fogo. As madonas comunistas ofendidas chamaram-me de tudo. Não foi a primeira vez que me chamaram nomes. Já não ligo nada ao que dizem sobre mim nas redes sociais. As redes estão sempre a incendiar alguém.
Deixámos de ter poder de encaixe para o que nos sobressalta? Somos cada vez menos abertos às diferenças. O desenho do jogo do Guimarães com o Boavista, onde houve apupos racistas, foi outra explosão de ódio. O clube fazia-me a folha. Tive ameaças de morte. A minha página nas redes sociais é o meu Charlie Hebdo. Não tento mudar o mundo com os meus desenhos. Mas uso o máximo poder da liberdade que tenho.
A liberdade tem consequências… Posso ofender e tenho de ser responsável por isso. Mas são desenhos. As pessoas têm todo o direito de se sentirem ofendidas comigo por causa de um desenho. Mas não têm o direito de partir para a violência física e ameaçar.
Cresceu a desenhar. É importante os pais incentivarem os filhos a fazê-lo? Todas as crianças crescem a desenhar mas depois, a dada altura, param. Muitas vezes por culpa dos pais que quando criticam acabam por reprimir. Devemos incentivar a que desenhem. O truque é nunca parar. Quanto mais se desenha melhor se fica. Se continuarmos com a arte e a paixão que metemos nestas coisas é natural que se evolua. É uma estimulação permanente da nossa veia criativa.

Um apaixonado por bodyboard

Jorge Brito, 45 anos, nasceu na Damaia mas desde cedo se relacionou com o Ribatejo quando se juntou com a esposa, cuja mãe trabalha no Porto Alto. O casal comprou casa na Quinta do Cabo, em Vila Franca de Xira, onde viveu durante vários anos e depois mudou-se para Samora Correia, concelho de Benavente.
O seu primeiro emprego foi na Edifer e depois na Matutano, do grupo Pepsi, onde foi auditor interno. No início dos anos 2010 o seu posto de trabalho foi extinto e Jorge Brito viu-se sem emprego. Foi nessa altura que soube que a José de Mello Saúde iria explorar o novo hospital e decidiu avançar com um projecto para explorar a papelaria da unidade vilafranquense. Aí ficou até hoje. “O Vasco Mello vinha cá diariamente comprar o seu chocolate, era uma pessoa excelente”, confessa Jorge Brito, que diz sem margem para dúvidas que o hospital já não é o que era e não foi para melhor.
Gosta de fazer bodyboard e a sua viagem de sonho é ao Hawai. Tem uma filha de 15 anos e tira-o do sério a injustiça e a má educação. É benfiquista e as suas cores favoritas são o preto e o vermelho. Bordalo Pinheiro é a sua referência na ilustração. Faz parte da Associação de Pais de Samora Correia e da Federação das Associações de Pais do Oeste e Ribatejo.

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