O que vale um deputado da República e a importância das Comissões de Inquérito

Duarte Marques*

Vou escrever em O MIRANTE a minha experiência de trabalho político na Assembleia da República enquanto deputado e membro de cinco comissões de inquérito que trouxeram para a ribalta, pela primeira vez, os segredos de uma classe dirigente da política e do sector empresarial, supostas elites que desgraçaram o país, que colocaram em causa as actuais e futuras gerações, e que muitos deles respondem na justiça pelos crimes mais graves praticados depois do 25 de Abril de 1974. Espero que me acompanhem: vou escrever ao longo de muitas semanas sobre situações que certamente ajudarão a compreender melhor os tempos que vivemos.

O trabalho de um deputado na Assembleia da República tem muitas vertentes que normalmente passam mais ou menos despercebidas ao comum dos cidadãos…e até a alguns políticos menos atentos. Em função do nosso empenho, da ética de trabalho e da relação que conseguimos manter com o mundo, fora da bolha parlamentar, podemos mudar algo na vida das pessoas ou até de uma comunidade. Ou não. Na verdade, um deputado pode fazer muito trabalho importante e ninguém notar, injustamente ou não, ou simplesmente não fazer nada e ninguém dar por isso e passar discretamente entre os pingos da chuva.

Há um trabalho no Parlamento que não permite que um deputado passe despercebido que é o de pertencer e trabalhar nas comissões parlamentares de inquérito, nomeadamente nas mais mediáticas, o que foi o meu caso, e nas quais tive e senti o verdadeiro privilégio de participar. E foi sobre essa parte do meu percurso que o jornal O MIRANTE me desafiou a revelar um pouco, nomeadamente ao nível do que foi os bastidores desse trabalho. Ao longo destes 10 anos de Parlamento fiz parte de cinco comissões de inquérito, em particular das duas mais mediáticas, a do caso BES e a da Caixa Geral de Depósitos. Fiz também parte da CPI, é esta a sigla para Comissão Parlamentar de Inquérito, às famosas a dispendiosas Parcerias Público Privadas no sector rodoviário; mais recentemente fiz parte ainda da CPI que avaliou o custo excessivo das rendas do sector da energia.

Todos estes casos têm várias consequências comuns, mas há duas que me parecem destacar-se das outras: a) os custos que estas situações tiveram para o bolso dos portugueses e b) as responsabilidades dos decisores públicos e políticos que, por ação ou omissão, contribuíram para esse desfecho desastroso para a economia portuguesa e para o crédito dos políticos e dos empresários que dominaram o Poder político.

Acredito convictamente que nos anos mais recentes as principais Comissões de Inquérito foram essenciais para esclarecer, detalhar e responsabilizar as mais diversas instituições e pessoas por um conjunto de decisões que se vieram a revelar muito lesivas do interesse público. Com este papel o Parlamento português reforçou também a sua credibilidade e procurou garantir que não se repetissem determinadas situações através da apresentação de propostas, alterações e mudanças de conduta “criminosas” que ficaram evidentes após cada Comissão.

A conclusão a que cheguei após esta experiência é que a chave para o sucesso de uma Comissão de Inquérito depende em grande medida do comportamento dos dirigentes partidários que estiverem no Governo, ou da forma como se comportaram durante a investigação dos factos que estiveram sob escrutínio. Por mais competentes e empenhados que sejam os deputados dos restantes partidos, a verdade é que um só partido pode boicotar o trabalho de todos os outros como veremos mais à frente no caso CGD1. Se o partido que pode ser mais visado for responsável, e quiser mesmo fazer um trabalho sério e honesto, então o relatório final está condenado ao sucesso. Foi assim que aconteceu no caso do BES como também veremos num capítulo mais à frente.

Ao longo de vários textos que me comprometi a escrever, e alguns já escritos e prontos a editar, irei procurar contar o essencial de cada uma das Comissões que acima referi, relatar na primeira pessoa como obtive alguns dos elementos de prova mais decisivos, ou como aprendi os segredos de determinados casos, as peripécias que marcaram algumas das audições, mas também alguns detalhes que foram ditos à porta fechada e que hoje já é possível revelar.

As Comissões de Inquérito são um momento bastante especial do trabalho político que decorre na Assembleia da República e atribui aos deputados poderes muito especiais que normalmente não têm. Não substitui nem pretende substituir os tribunais, mas permite fazer uma avaliação política sobre determinada situação que é estudada e escrutinada até ao mais ínfimo detalhe, ouvindo políticos e não políticos, conforme a CPI decidir como mais útil ao esclarecimento dos factos. Relativamente às restantes comissões, as de inquérito têm um poder acrescentado que é a de chamar pessoas da sociedade civil, e não apenas políticos, e pedir documentos a toda e qualquer entidade.

Espero que me acompanhem no próximo texto a publicar na próxima semana

Duarte Marques*

*Ex deputado do PSD entre 2011 e 2022; Membro das Comissões Parlamentares de Inquérito das PPPs do sector rodoviário; Grupo BES/Grupo Espírito Santo, Caixa Geral de Depósitos, Rendas Excessivas no Sector Energético e membro da Comissão Eventual sobre a preparação do PT2030.

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