Álvaro Sobrinho fica para a história como o último pilar que fez cair a estrutura do grupo BES

Mariana Mortágua, Morais Pires e Álvaro Sobrinho

Os truques do Bloco de Esquerda nas CPIS; a experiência de Álvaro Sobrinho e a desfaçatez de Morais Pires

Duas das audições mais marcantes da Comissão BES foram as de Álvaro Sobrinho pela inteligência e desplante que revelou e de Amílcar Morais Pires pela desfaçatez que demonstrou.

O ex presidente do BES Angola, o famoso BESA, que pode ter sido responsável pelo golpe final no Grupo BES com os alegados desvios de 3 a 4 mil milhões de euros das contas do grupo, apresentou-se na Comissão com uma tremenda confiança e boa preparação. A sua história foi muito convincente e a forma como dominava os números e as várias opções que foram sendo feitas na sua gestão eram tão elaboradas que quase faziam crer que estava ali um santo e mais uma vítima. Na verdade, espalhou simpatia por todos os grupos parlamentares, e eram elegantes e recorrentes os elogios que ia fazendo aos Deputados e ao trabalho da Comissão.

Na realidade Álvaro Sobrinho ajudou a incriminar, ou a responsabilizar, ainda mais Ricardo Salgado e alguns dos seus “peões de brega”, mas serviu também para desmontar ou ridicularizar alguma argumentação que era utilizada especialmente pela deputada do BE, Mariana Mortágua. Aliás, o endeusamento com a nova estrela do Parlamento era tal que mesmo com os seus argumentos ou dados completamente contrariados pelos depoentes, ou expostas as suas fragilidades e erros, jamais mereceram qualquer nota ou referência jornalística. Esses erros e algum desconhecimento escondido atrás de muita arrogância, foram especialmente expostos nas audições de Sobrinho e Morais Pires. Mas é inegável o jeito especial, mérito e a preparação que a Mariana Mortágua teve nesta Comissão. No entanto, e como muitas vezes reparava e comentava com o meu colega Pedro Saraiva, num verdadeiro “Google” de números e factos que constavam dos dossiers, eram recorrentes as imprecisões da colega do BE, mas ninguém reparava. A este propósito aproveito para contar mais um truque que o BE usava recorrentemente. Em várias audições, e com depoentes mais inocentes e menos experimentados, Mariana mencionava determinado dado que tinha visto num documento, depoimento ou relatório, mas que de momento não tinha na mesa para mostrar pois argumentava que os tinha algures no gabinete. Na verdade, percebemos depois, muitas vezes esses documentos não existiam ou o dado não era rigoroso, mas era muleta ou casca de banana ideal para levar o depoente a dizer um disparate ou então para justificar uma afirmação do BE. Claro que os mais calejados nestas andanças não respondiam ou esperavam que o documento aparecesse… mas raramente aparecia.

Investimentos no Sporting ajudaram a desmontar a teia

Álvaro Sobrinho ficará para a história como a pessoa que retirou o último pilar que segurava a estrutura do grupo BES. Mas serviu também como bode expiatório para todos os disparates que Ricardo Salgado e a sua administração fizeram. Nenhum dos dois é inocente e, provavelmente, são ambos criminosos, mas isso os tribunais julgarão. De uma coisa eu tenho a certeza, a sua zanga acelerou e muito a queda de um dos mais prestigiados grupos empresariais portugueses.

Creio que ainda durante a audição de Sobrinho ficámos a saber que o próprio tinha criado uma empresa no Reino Unido que era sua, estava em seu nome e usada indevidamente o nome BES. Mais tarde ocorreu um episódio que também me marcou bastante, pessoal e politicamente. A determinada altura, Álvaro Sobrinho, pela mão de José Maria Ricciardi investiu vários milhões de euros na estrutura acionista do Sporting salvando o clube de mais uma grave crise financeira. Ora, como todos sabíamos, Sobrinho era suspeito de ter “roubado” o BES e nos últimos meses apareceu a comprar ou a investir em várias empresas em Portugal. Ora, perante os factos conhecidos na CPI, começa-se a perceber como provavelmente tinha acedido a tanto dinheiro que na verdade eram os portugueses que estavam a pagar pela queda do BES.

A diferença para o Sporting, relativamente a outras empresas onde a Holdimo investiu, é que era a única cotada em bolsa e, portanto, sob escrutínio da CMVM. Com base nas regras existentes a CMVM poderia verificar a origem do dinheiro que foi utilizado para investir em determinada sociedade anónima cotada em bolsa, o que não era permitido ou possível em todos os outros investimentos feitos por Álvaro Sobrinho em Portugal. Foi por isso que decidi fazer uma Pergunta Parlamentar à CMVM denunciado esta situação e questionando o Regulador se tinha feito esta diligência de “tracking” da origem do dinheiro investido no Sporting. Já encerrada a CPI BES sondei um Deputado do BE e outro do PS mas nenhum quis alinhar em fazer uma pergunta conjunta. Acabei por fazer a “incómoda” questão sozinho. Percebi de imediato que minha ousadia poderia ser muito polémica e que me iria causar incómodos sobretudo quando o Sporting era então liderado por Bruno de Carvalho, e eu era assumidamente benfiquista. 

Falei com o então líder parlamentar sobre a sensibilidade do tema, mexer com futebol é sempre polémico, e ainda mais nestas condições, e recebi total apoio para fazer o que se impunha e que a consciência e responsabilidade pública me obrigava. Assim que se tornou pública, fui de imediato brindado por esse personagem que liderava o Sporting com as mais ridículas acusações que, na verdade, não passam de medalhas. 

Durante os meses seguintes foram frequentes as abordagens de sportinguistas menos civilizados mas
felizmente nunca ocorreu nada de grave. Feliz ou infelizmente, anos mais tarde, e agora mais recentemente, começam a sair as conclusões destas investigações da CMVM e ao que parece a minha suspeita fazia todo o sentido. Álvaro Sobrinho foi cuidadoso em proteger o rasto de quase todos os investimentos que fez, mas por amor ao seu clube, ou por ignorância, esqueceu-se que a SAD do Sporting era cotada em bolsa e perfeitamente ao alcance da CMVM e dos seus instrumentos de escrutínio.

Morais Pires,  o “cérebro” mais próximo de Ricardo Salgado

Ao preparar a audição de Amílcar Morais Pires, o “cérebro” mais próximo de Ricardo Salgado, tive a oportunidade de falar com algumas pessoas que tinham trabalho com ele. Todos admiravam a sua capacidade de trabalho, a sua inteligência e a sua importância no banco. Em jeito de resumo diria que era o verdadeiro braço direito de Ricardo Salgado e que tinha capacidade como poucos para discutir, influenciar ou condicionar o DDT. Fica ainda aqui uma nota que vários me relataram e que ficou na memória: Morais Pires gostava de deixar ordens e recados em post its ou por chamadas telefónicas, jamais por email ou instruções escritas em documentos do banco.

Quando decorreu a audição, em vários momentos Morais Pires alegava que desconhecia determinadas opções, que não acompanha presencialmente determinados departamentos do banco, e que estes tinham chefias próprias apesar de tutelados por si. O que Morais Pires não revelou, nem contava que eu soubesse, é que ia presencialmente dar ordens a esses funcionários, ignorando as chefias e utilizando os métodos dos post it´s. Quando decorria essa audição recordo-me de receber uma mensagem através de uma rede social de um funcionário do banco a dizer: “isso é mentira, ele vem aqui à nossa sala todos os dias.” Obviamente foi desmascarado.

Amílcar Morais Pires revelou-se sempre muito seguro, muitíssimo bem preparado e com uma capacidade muito acima da média de outros gestores que compunham os diferentes conselhos de administração de Ricardo Salgado. Mas não foi suficiente nem para enganar os deputados e, ao que parece, nem a justiça.

Duarte Marques

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