O contabilista, a chave do cofre da verdade

Duarte Marques*

O momento mais marcante desta audição, e só o revelo porque foi, entretanto, publicado no Expresso num trabalho do Filipe Santos Costa, foi o relato da sua conversa com Ricardo Salgado quando após tantos anos de trabalho, lealdade e respeito – que Machado da Cruz achava que era recíproco – Ricardo Salgado lhe disse que deveria sair de Portugal e procurar viver a reforma num país de onde não pudesse ser extraditado para Portugal

O “contabilista” como era tratado com algum desprezo não era um funcionário qualquer, não era sequer um mero contabilista. Era o homem que tinha a chave que desvendava todas as dúvidas, se é que ainda existiam, sobre o papel de Ricardo Salgado em todo o caso BES. Se Machado da Cruz deu a “machadada final” na responsabilidade de ex DDT no colapso do BES e nas aldrabices que fez para o evitar, o contabilista deu cabo de qualquer esperança que ainda restasse sobre o carácter de Salgado como adiante veremos.

Machado da Cruz era de facto o “comissaire aux comptes” da Espírito Santo International (ESI), a holding que juntava as participações financeiras e não financeiras da família Espírito Santo. Parte do que disse à porta-fechada acabou por confirmar na audição em Tribunal que teve lugar já em 2021 e que aqui Antigo contabilista do BES assume que omitiu dívida para evitar a queda do grupo – Observador o Observador relata ao pormenor.

Esta era uma das audições mais esperadas. Machado da Cruz podia ser a chave que incriminava Ricardo Salgado, era ele o homem na “casa das máquinas” que poderia dizer a verdade e explicar com detalhe o que tinha acontecido. A audição tinha de ser à porta fechada, não só porque já tinha sido constituído arguido pelo Ministério Público, já tinha sido ouvido pelo juiz de instrução, mas também porque os deputados queriam que ele estivesse completamente à vontade para falar, para desabafar sem pressões, sem jornalistas. Não desiludiu.

A expectativa inicial era enorme. Nenhum de nós o tinha visto, não sabíamos se era alto ou baixo, que idade tinha, que postura seria a sua, se iria colaborar ou proteger a família Salgado. Era uma verdadeira lotaria, mas os deputados concordaram em criar o ambiente ideal para a audição ter sucesso. À porta fechada e sem jornalistas.

Chegou discretamente, acompanhado pelo seu advogado. Ao contrário dos restantes depoentes, não vinha acompanhado por um advogado famoso, nem tão pouco especialista em banca ou assuntos financeiros. Era um amigo seu, amigo da família que estava ali para o ajudar. Se bem me recordo ouvimos mais do que perguntámos, ninguém apontou o dedo a Machado da Cruz e arrisco escrever que a esmagadora maioria dos deputados terão pensado o mesmo que eu: um homem bom, que não merece ser condenado, que fez o que seu “ídolo” mandou fazer”. O Expresso detalhou aqui, logo em 2014, o que de relevante Machado da Cruz nos contou Expresso | Caso BES. O que disse o contabilista.

O momento mais marcante desta audição, e só o revelo porque foi, entretanto, publicado no Expresso num trabalho do Filipe Santos Costa, foi o relato da sua conversa com Ricardo Salgado quando após tantos anos de trabalho, lealdade e respeito – que Machado da Cruz achava que era recíproco – Salgado lhe disse que deveria sair de Portugal e procurar viver a reforma num país de onde não pudesse ser extraditado para Portugal. Machado da Cruz contou-nos que ficou incrédulo, até aí nunca pensou que Salgado pudesse ser tão frio e desonesto. Tinha filhos, uma família em Portugal, tinha uma honra a defender. Não podia fugir como qualquer cobarde. Aquilo que Ricardo Salgado lhe propunha era indigno, indecente. Ficámos todos incrédulos com esta revelação, ninguém esperava que Salgado pudesse ser tão desumano, tão cobarde e tão sem caráter. Era afinal um criminoso como qualquer outro. Confesso hoje, e sei que não está em ata, que neste momento soltei um palavrão (fdp) que todos ouviram tal o rancor com que fiquei ao Ex Dono Disto Tudo.

Duarte Marques

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