Rendas excessivas vs excesso de fantasia
Em 2017, a OCDE publicou um estudo onde refere que Portugal pagava a electricidade mais cara da Europa em paridade do poder de compra (…) O que este estudo traduz é que naquela altura, como agora, os portugueses são pobres comparados com os seus concidadãos europeus.
A Comissão de Inquérito às rendas excessivas no sector da energia foi o desafio que se seguiu nesta saga de CPIs. Esta foi provavelmente a mais difícil em termos técnicos que enfrentamos. É um sector muito específico, onde a vertente financeira se equipara muitas vezes à questão técnica da energia e onde o desconhecimento público de muitos detalhes técnicos permite a alguns levar ao engano os menos atentos. O problema é que nunca se percebe muito bem quem são os bons e os maus e demasiadas vezes o interesse público é suplantado pelo interesse mediático. Esta CPI deveria ter servido para defender o interesse público, mas serviu mais para defender uma narrativa e proteger um partido político.
Nos próximos artigos vou detalhar o que estava em causa, o contexto e o que se passou na Comissão. Provavelmente este relato será mais útil a quem quiser compreender este fenómeno do que o relatório oficial que é um embuste e uma maquinação política. Pela sua exigência técnica e necessidade de contar a verdade nua e crua irei detalhar mais do que o habitual já que este é um tema muito desconhecido da maioria dos portugueses.
Esta Comissão de Inquérito foi criada por proposta do Bloco de Esquerda e na sequência da investigação a Manuel Pinho no âmbito do processo BES/GES. Voltemos atrás e ao contexto pré-CPI Rendas Excessivas na Energia. Na sequência da criação do MIBEL (Mercado Ibérico de Energia Eléctrica), houve a necessidade de converter os CAE (Contrato de Aquisição de Energia) da EDP de modo a disponibilizar energia produzida em Portugal no mercado livre de energia.
Uma vez que se tratava de contratos assinados pelo Estado e pela EDP (ainda enquanto empresa pública) que foram a base da precificação da EDP na primeira fase de privatização (o Estado vendeu aqueles contratos a investidores de várias nacionalidades), os CAE não poderiam ser “rasgados”. Nesse contexto, criaram-se os CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual), (CFD ou contratos por diferenças) que permitia que a energia fosse vendida no mercado a preços de mercado livre sendo posteriormente a EDP remunerada pela diferença entre o que receberia nos CAE e o que recebeu nos CMEC.
Na sequência da passagem para os CMEC, o Estado celebra um negócio com a EDP onde esta adquire a concessão da utilização da água do Domínio Hídrico por 25 anos após o termo das concessões vigentes nos CAE. A Comissão Europeia aprova em 2004 os CMEC como mecanismo de compensação à EDP pela cessação antecipada dos CAE. A partir de 2001, a Comissão Europeia determinou a necessidade de investir em fontes de produção de energia “limpa”. Ao longo da primeira década do segundo milénio, houve uma acesa discussão na sociedade portuguesa se essas fontes de produção deveriam ser as tecnologias de produção a que chamamos RENOVÁVEIS, ou a energia nuclear. A decisão final foi tomada pelo Governo do Dr. José Sócrates e pelo então Ministro da Economia Dr. Manuel Pinho. A publicação do DL 33-A/2005 e subsequente lançamento de um conjunto de investimentos em produção de energias renováveis determinou o caminho que Portugal iria seguir.
Este debate gerou paixões, criou grupos que ainda perduram no sector até aos dias de hoje. Desde então, o grupo dos defensores da solução do NUCLEAR denunciam o que chamam de benefícios irregulares às energias renováveis. Todas as pessoas que acompanham este tema lembram-se do famoso Monstro Eléctrico enunciado pelo Eng. Clemente Pedro Nunes, gerado pelo excesso de investimento em energias renováveis e que penalizam de forma grave a factura da energia aos cidadãos.
Em 2017, a OCDE publicou um estudo onde refere que Portugal pagava a electricidade mais cara da Europa em paridade do poder de compra. Sendo o preço dos inputs da produção da energia (petróleo, carvão, equipamento industrial e até mesmo capital) factores cujo preço é determinado pelo mercado internacional, o que este estudo traduz é que naquela altura, como agora, os portugueses são pobres comparados com os seus concidadãos europeus. Outro aspecto, que já era mencionado no estudo, mas que raramente era mencionado quando se falava deste assunto, era o impacto da carga fiscal no preço da energia. Se retirássemos esse factor, o preço da energia em Portugal já estava ao nível da média europeia.
Outro aspecto importante para o entendimento da CPI foi a investigação da Operação Marquês e do Caso BES. Foi na sequência das notícias que referem que o Dr. Manuel Pinho estava a ser investigado por alegadamente receber dinheiro de um saco azul do GES que o BE propôs a criação desta CPI.